Capítulo 17

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Rodrigo não se sentia no direito de reclamar qualquer coisa com Maria. Ele também não tinha tido a atitude mais incrível do mundo interrompendo o fim de semana dos dois por conta de um assalto que não tinha gerado, a princípio, nada além de perdas materiais para Joana. Em tese, a ex-mulher não precisava dele.

Contudo, aquele ex-namorado que agora era amigo era difícil de engolir. Ainda mais numa condição como a daquela noite. Ela estava chateada, irritada com ele. Chegou em casa perto das três da manhã e saiu com outro cara. Por mais que confiasse nela, a ideia incomodava.

Maria o convidou para entrar e ofereceu um chá. Eles se sentaram no sofá e começaram a conversar. Primeiro, Rodrigo reconheceu sua culpa:

- Eu sei que não tem nada que eu possa fazer para pedir desculpas à altura. Sei que não foi legal o que fiz ontem, mas foi uma daquelas coisas que o coração manda a gente fazer e a cabeça não dá muita margem para discordar. Não sei se consegue me entender.

- É claro que eu entendo. E te peço desculpas também. Eu nunca fui casada por quinze anos. Aliás, há cinco anos eu tinha quinze anos de vida. Eu entendi essa coisa de precisar dar um suporte. Parece que não, Rodrigo, mas eu também explodo às vezes. Também sei sentir ciúmes. Senti ciúmes de você com a sua ex-mulher. Mas enfim. Ela está bem? Aconteceu alguma coisa entre vocês?

Até então, Maria conversava normalmente. O fato de ter chegado com o ex-namorado parecia uma devaneio fantasioso da cabeça de Rodrigo e não um fato concreto. Mas, mais uma vez, ele sabia que não tinha nenhum crédito para criticar Maria. Respirou fundo e respondeu:

- Não aconteceu nada, Maria. A gente conversou, eu disse algumas coisas pra que ela ficasse bem. Foi mais ou menos isso.

- Tu se sentiu mexido? Quis ficar com ela?

Maria era uma metralhadora. Mas Rodrigo sentia não podia mentir. Já tinha causado algum mal para aquela menina. Não queria mais nenhum.
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- Em alguns momentos achei que sim. Mas acho que foi mais por compaixão, sei lá. É uma situação extrema. Desculpa te dizer isso desse jeito.


- Não tem problema nenhum. Se tivesse acontecido alguma coisa, eu também não me surpreenderia e nem te repreenderia. São quinze anos, né. Tu fez o que sentiu que era certo. Viveu aquele momento ali. Fui eu que te ensinei isso.

O silêncio reinou na sala por alguns instantes. Rodrigo estava confuso. Parte de si queria continuar conversando com Maria e tentar uma reconciliação, mas parecia difícil demais até mesmo para uma menina tão aberta às situações como ela. Ele não precisou dizer nada. Foi Maria que retomou a palavra.

- De qualquer maneira, eu acho que é hora da gente se afastar. Senti isso já no caminho pra casa ontem. Uma energia ruim entre nós, e eu fujo disso como o diabo da cruz. Juro que te entendo, mesmo, mas eu não vou conseguir lidar com alguém que tem uma raiz tão forte no passado. Sem mágoas. Com todo o respeito.

A fala pegou Rodrigo de surpresa, mas seu conteúdo não. Quando decidiu voltar para acalentar Joana, seu inconsciente já sabia que seria muito difícil reverter depois com Maria.

Ele ficou alguns instantes ali processando o que estava acontecendo. Chorou algumas lágrimas. Maria o abraçou e disse mais algumas coisas:

- Não fica assim, não. Foi melhor agora do que mais tarde. Tu ainda tem muito pra viver, eu também. A gente não podia se fazer sofrer. Eu sei que muito do que eu faço pode te incomodar um pouco. Só daria certo se fosse sempre bom pra nós dois. Não está sendo.

Rodrigo acenou com a cabeça, mas não quis falar mais nada. Se levantou e deu um sorriso amarelo. Saiu pela porta e Maria o acompanhou. Ela ficou observando o esguio homem se afastar. Rodrigo segurou o quanto pôde, mas não conseguiu aguentar. Voltou alguns passos e perguntou:
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- E esse ex-namorado? Não aconteceu nada mesmo entre vocês naquele dia antes de viajarmos?

Maria não titubeou na resposta.

- Isso faz alguma diferença agora? Seja feliz, Rodrigo. De todo o meu coração.

Rodrigo evitou pensar na resposta enigmática. Viu muita verdade nos olhos de Maria em todas as conversas que tiveram. Não era possível que tudo aquilo fosse mentira. E não era. Ou era.
Como tantas coisas na vida, ele nunca teria certeza absoluta.

Rodrigo queria evitar a fossa a todo custo. Mesmo com toda a confusão, lembrou do encontro de carros antigos em Milonga.

Voltou para a casa de Max e o amigo já estava pronto. Assim que pôs os pés dentro de casa, o amigo o abraçou:

- Tu sabe que eu tô sempre aqui pra ti, né? Desculpa ter te ligado ontem. Sinto muito que não tenha dado certo com a guria ali.
- Eu ficaria triste se tu não tivesse me ligado. Tu me conhece como ninguém, meu. Mesmo que não perceba. Eu precisava ter voltado.

Max sorriu.

- E tu vai ficar bem, meu? Tu tava gostando da guria. Eu sei que sim.
- Tava mesmo. Mas vou sobreviver. Terminei um casamento de quinze anos e tô vivo. Vou sobreviver a essa também.

Os amigos se abraçaram outra vez, entraram no carro e rumaram a Milonga.

No trajeto, enquanto dirigia, Rodrigo fez do Uno um divã com o terapeuta formado na bebida de nome Max.

- Eu aprendi muita coisa com a Maria, sabe? Ela me ensinou a pensar um pouco menos antes de fazer as coisas. Valorizar mais o dia que eu tô vivendo. Falar um pouco mais do que eu sinto. Eu não consigo fazer nada disso muito bem ainda, mas já levo comigo umas coisas importantes. Agora, por exemplo, em outros tempos, eu estaria pensando em o que tenho pra fazer na rádio amanhã, quantas semanas faltam pra sei-lá-o-quê... mas sabe o que eu tô pensando agora?

- Em como é tomar dois pés na bunda em dois meses? – riu Max.

- Não, trouxa. Pelo menos eu já tive relacionamentos pra poder tomar pé na bunda.
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- Isso era uma ofensa? Não funcionou. Vou muito bem solteiro e tu sabe disso. Mas enfim, o que tu tá pensando agora?

- Em ver carros antigos. Em ver meu pai. Em me divertir com meu melhor amigo. Eu tô pensando no agora, Max. Esse é o legado da Maria na minha vida. E isso é libertador.

- É mesmo, cara. Tu parece mesmo mais leve.

Já que o Uno não era conversível, os amigos abriram as janelas e deixaram o vento da rodovia bater enquanto ouviam rádio. Viajaram por quase uma hora em silêncio, mas o espírito de camaradagem conversava alto.

Em Milonga, riram como as crianças que lá foram diante de cada novo carro antigo. Seu Reinaldo os acompanhava como o paizão que era. Ria junto com os guris e, a certa altura, apareceu com pastéis e refrigerante para os jovens de trinta anos.

Sentados num banco à entrada do parque de exposições, os três conversaram sobre a vida. Seu Reinaldo não pôde deixar de começar a conversa com os clichês que todo mundo conhece:

- Parece que foi ainda ontem que vocês dois eram dois gurizotes que só enchiam o saco em roda da gente. Agora tão aí. Na cidade grande, com a vida feita. Só falta casar. O Max né. Por que o Rodrigo já sabe bem o que tem que fazer.

Seu Reinaldo era o maior partidário de que Rodrigo e Joana se reconciliassem. Antes que Rodrigo pudesse começar a contestar, o velho senhor continuou:

- Eu não digo que casamento não é uma incomodação. É. É bastante. Eu me incomodava muito com a tua mãe. Ela me deixava louco. Era dar um passo fora do risco que ela já me chamava só de nome bonito. Mas ela era minha companheira. Na hora boa e principalmente na hora ruim.

Rodrigo sentia um aperto no peito toda vez que o pai falava sobre a mãe, que morreu quando ele tinha menos de dez anos.

- Eu sinto falta até dos xingamentos. – arrematou seu Reinaldo.
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Os homens de Novo Porto viraram os meninos de Milonga e abraçaram o antigo senhor. Primeiro Rodrigo. Depois Max. Rodrigo tratou de animar a conversa, falar sobre pescaria, uma das paixões do pai, e outras coisas que o deixavam animado.

Seu Reinaldo ria e Rodrigo se sentia pleno. Esqueceu em Novo Porto os problemas com Joana e Maria. Só os pegaria de volta no fim da noite, quando voltasse. Agora, ele estava com o pai que, reconhecia, visitava pouco.

Depois de muita conversa e um grande café da tarde na casa de seu pai, Rodrigo e Max se despediram de Seu Reinaldo. Enquanto Max entrava no carro, seu Reinaldo abraçou o filho:

- Vem visitar mais o teu velho. Eu sinto saudade tua, guri.
- Eu venho sim, pai. Prometo. Prometo mesmo. Tu se cuida aí. Se precisar de alguma coisa, me liga, tá?
- Eu ligo sim. Mas pensa no que eu te falei, guri. Essa história de casamento incomoda a gente, mas eu e tu sabemos que a Joana é uma guria boa. Eu vou direto jantar na casa do Valdir e da Ana e eles sempre falam que tão muito tristes porque vocês se separaram.

Rodrigo não gostava de brigar com o pai. Também não quis contar o ocorrido da noite anterior para não gerar falsas esperanças.

Deu um beijo na testa calva do pai de quase 60 anos e entrou no carro, vendo o velho acenar da porta.

No caminho de volta, Rodrigo e Max conversaram mais sobre amenidades. Brigaram por causa de futebol e dois minutos depois estavam rindo de novo. Quando cansaram, colocaram o rádio na Novo Porto.

- Pra tu lembrar que tem que trabalhar amanhã. – provocou Max.

Naquele mesmo instante, Joana limpava o apartamento com afinco. Queria tirar toda e qualquer digital de bandidos que pudesse estar lá. Já estava um pouco recuperada do susto do assalto, mas preocupada com uma possível ligação entre os criminosos e a pessoa que mandava os bilhetes de amor anônimos.

Para afugentar os pensamentos, ligou o rádio na Novo Porto.
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O locutor do “Show da Noite de Domingo” disse:

- Temos uma mensagem de amor por aqui! Diz assim: “Eu ainda não te conheço, mas já nutro por ti um grande apreço. De segunda a domingo, penso em ti todo dia da semana. É fácil se inspirar quando se tem uma musa como Joana.” A mensagem é pra Joana, da loja de cosméticos aqui perto da rádio. Remetente desconhecido! Não assinou aqui. Olha só, guria! Um admirador secreto pra começar a semana não é nada mal, hein?

No apartamento de Joana, aquela mensagem caiu como uma bomba. Definitivamente, alguém a estava perseguindo. Tinha um mau gosto terrível para a poesia, mas ainda assim não era menos amedrontador. Joana se viu olhando pela janela, mais preocupada do que nunca.

No Uno, Max tentou trocar de estação para diminuir o climão, mas já era tarde. Rodrigo não conteve a decepção.

- Eu não sei se a gente tinha alguma chance, cara. Mas a Joana tá muito diferente. Não existe esse papo de admirador secreto. Ela já deve estar com alguém de novo.

Suspirou e, antes que Max pudesse dizer qualquer coisa, arrematou:

- Eu nem esfriei ainda na vida dela. Como pode ter me esquecido totalmente tão rápido?

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora