Capítulo 35

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Patrício seguia fazendo contas na mesa de Cristina. Joana permanecia no celular na mesa ao lado. Depois de mais algumas anotações, Patrício a chamou.

Joana se aproximou e sentou ao lado dele. Ele começou a falar:

- Pelo que vi aqui, tracei algumas estratégias que podem nos ajudar nos três primeiros meses a resolver alguns problemas. Essa aqui é uma estratégia de captação comercial. Estou colocando uma meta realista e maneiras de tu captar mais clientes pra loja. Se eles não entrarem aqui, a gente vai buscá-los por meio de incentivos, programas de fidelidade e tudo mais. É uma das primeiras ações. Antes disso, nós vamos renegociar essa dívida aqui. Esse empréstimo está com juros abusivos, eu tenho um parceiro advogado que pode garantir isso. Eles vão baixar os juros na primeira ligação ou eles é que vão ter que te pagar uma indenização. Isso vai te dar uma folga para conseguir investir esse montante aqui. Em três meses no fundo certo, ele já vai render o suficiente para abater mais uma parte da dívida. Acha possível?

As palavras de Patrício eram certeiras e seguras. Os olhos de Joana já começavam a brilhar porque a possibilidade de dar a volta por cima parecia mais real e palpável. Só a ideia de ter que fechar a loja que um dia ela pensou franquear já dava vontade de chorar. Patrício percebeu a alegria em seu olhar e sorriu.

- Olha, eu acho bem possível sim. – disse Joana. – Muito obrigada. Eu não sei por que não te chamei antes.

- Ah, fica tranquila. Isso é muito comum. Mas, de novo, posso te dizer. Tu teve muito azar, muita coisa deu errado pra que isso acontecesse. Eu atendo milhares de empresas que praticamente “pedem” pra se afundar. Não é o teu caso. Ainda estamos respirando aqui. E nem é por aparelhos.

Os dois riram. Joana continuou.
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- Bom, acho que por hoje já temos o bastante, né? Está ficando tarde. É sério, eu sei que estou te pagando e tudo mais, mas eu não consigo desassociar minha gratidão nesse momento. Eu precisava mesmo de ajuda, parabéns pelo teu trabalho. Consigo ver meu negócio de outro jeito já nessa primeira reunião.

- Quem agradece sou eu. Geralmente as pessoas que nos contratam são um tanto rudes e querem que a gente opere milagres. Isso não existe. Além disso, antes de qualquer operação de negócio, somos pessoas, e queremos ser tratados como tal. Tu é muito gentil. Tenho certeza que vamos fazer essa loja crescer muito e nos tornarmos bons amigos.

- Tomara mesmo.

Patrício guardou seus papéis e o computador na maleta e se despediu de Joana com um novo aperto de mão. Ele voltaria em alguns dias para implementarem as primeiras ações e com resultados das primeiras renegociações de dívidas.

- Nos vemos em três dias? – perguntou ele.
- Nos vemos em três dias! – exclamou Joana.

Enquanto Patrício saía, Joana não conseguia tirar os olhos dele. Sozinha na loja, tratou de afugentar qualquer pensamento que não fosse a relação estritamente profissional entre eles.

- NEM PENSAR, Joana. Pelo amor de Deus. Já erramos feio duas vezes.

Na mesma tarde em que foi conversar com o gerente de jornalismo da NVP News, Rodrigo pediu demissão da Rádio Novo Porto. Dois dias depois, seu programa estava pronto ele entraria no ar naquela manhã para uma audiência muito maior do que os números modestos que tinha na Novo Porto. Eram 6 da manhã, mas Rodrigo parecia uma criança. Alegre, cumprimentou todos os seus novos colegas, do porteiro aos editores e operadores de áudio. O programa entraria no ar em alguns instantes. Sentado à frente de um moderno aparato de áudio, Rodrigo se permitiu ouvir com deleite a vinheta do programa:
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“Dos estúdios da NVP News, de Novo Porto para todo o Rio Grande, começa agora o jornal que você precisa ouvir para encarar o mundo sabendo antes e sabendo melhor. Noticiário local, nacional e internacional, previsão do tempo, trânsito e os melhores comentaristas do estado com informação e opinião. Bem-vindo ao NVP Manhã, com Rodrigo Meira.”

Rodrigo sentiu os braços arrepiarem. O sonho tinha se tornado realidade. Com um sorriso no rosto, Rodrigo abriu o microfone e falou com segurança e sem nenhum nervosismo na voz:

- Bom dia, ouvinte do NVP Manhã. Seja muito bem-vindo ao mais novo jornal da NVP News comigo, Rodrigo Meira. Estamos aqui com o melhor time de repórteres e comentaristas do estado para que você chegue ao trabalho com as informações que precisa para um dia altamente produtivo. Tudo isso com a objetividade do jornalismo da NVP que abraça todas as pontas da informação.

Todos no estúdio se impressionaram com a habilidade de Rodrigo logo na estreia. Ele passava a segurança de alguém que estava há muitos anos à frente de um programa no prime-time do rádio. O diretor de jornalismo olhou para alguns céticos da contratação de Rodrigo com um olhar de vitória. Rodrigo seguiu o roteiro que tinha próximo de si e continuou:
- Para abrir o programa, vamos falar de trânsito, pra você que está se deslocando agora para o trabalho ou que está prestes a sair, quais são as melhores alternativas. Camila Ventura, nossa repórter de trânsito, está no acesso de Novo Porto e tem mais informações. Bom dia, Camila!
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- Bom dia, Rodrigo! Seja bem-vindo à NVP News. Olha, são 6h05min da manhã e o acesso a Novo Porto já apresenta bastante lentidão. É bom o motorista que se prepara pra sair de casa preparar também a paciência, porque pode ser mais um dia daqueles. Um dos motivos para isso é a chuva torrencial que cai nesse momento nesse ponto da cidade e também as obras que impedem o acesso sul da cidade, obrigando os motoristas a pegar esse acesso de onde eu falo agora. Daqui a pouco a gente volta com mais um boletim daqui. Rodrigo!

Rodrigo levou dois segundos a mais para retomar a palavra. Se desconcentrou com a beleza da voz de Camila, que ainda não conhecia pessoalmente. Dois segundos no rádio são bastante tempo, mas o operador de áudio imaginou que fosse o tempo que Rodrigo precisou para reorganizar seu roteiro para seguir.

Cristina, vários meses depois daquela conversa truncada com Max, pensava nele. Duvidava que ele estivesse todo aquele tempo sem ficar com ninguém. Apesar de toda a mágoa, o tempo ajudava a clarear algumas coisas. Desde o fim com Olavo, ela não tinha se envolvido com mais ninguém justamente por Max ocupar seus pensamentos. Ela tentava afastá-lo, tentava negá-lo, mas parecia impossível.

A verdade é que parecia que sua história com Max tinha sido cortada de uma vez só. Por mais que não quisesse dar uma segunda chance a um traidor, fazia tanto tempo que tinha acontecido que parecia que só a expressão de sofrimento no dia de sua última visita a Max, meses antes, é que fazia sentido.

Em um momento de rara coragem diante daquela história, em um momento em que Max já não esperava nada além de solidão, Cristina pegou o telefone e discou segura o número dele.

Max atendeu.

- Cristina? É tu mesmo?
- Sou. Eu quero te ver hoje à noite.

Max ficou petrificado do outro lado da linha. O fio de voz que lhe restou foi para dizer:

- A hora que você quiser.
- Eu vou aí. 20h tá bom?
- Tá.

Desligaram.
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A reunião de pauta do NVP Manhã era à tarde. Foi no mesmo dia da estreia que Rodrigo conheceu Camila pessoalmente. Ela era tão bonita quanto a voz. Depois de uma intensa reunião para definir o roteiro fixo do dia seguinte, sempre abrindo espaço para breaking news, Rodrigo e Camila se apresentaram e conversaram.

Camila era encantadora, uma profissional séria e, ao mesmo tempo, com muito senso de humor.

- E então? Como é ficar aqui no estúdio quentinho enquanto eu me enfio embaixo do maior temporal do ano pra te mandar notícias?

Rodrigo riu.

- É muito bom, pra falar a verdade.

Toda a equipe riu da inusitada conversa dos dois.

Rodrigo e Camila se afastaram do restante dos colegas. Despretensioso, ele perguntou:

- Há muito tempo por aqui?
- Seis meses. Tô fazendo estágio ainda. O mercado tá difícil, sabe como é né... eu queria ser âncora, mas é legal começar na reportagem. A gente sente na pele a notícia. Ajuda a criar casca.

- Isso com certeza.

- E tu? Muito tempo de jornalismo?

- Então. Na verdade, por aqui, é minha estreia. Eu tinha um programa musical meio brega em outra rádio, mas fiquei um ano nos Estados Unidos e aprendi muita coisa na prática. Acho que foi o que me credenciou a vir pra cá.

- Que demais. Eu sempre quis ir pra fora também. A real é que eu acabei me atrasando na vida. Tenho 28 anos e ainda tô no meio da faculdade. Fiz umas escolhas meio erradas antes que acabaram empurrando meu sonho pra frente. Enfim.

Rodrigo não quis se aprofundar no relato dela. Conversaram mais um pouco e se despediram. O dia seguinte começava às 4 da manhã. Era melhor ir descansar. Rodrigo ia passar a noite em um hotel. Max ligou avisando que ia precisar da casa só para ele naquela noite.

A noite chegou. Max estava com a melhor roupa que tinha. Alguém bateu à porta.

Antes que ele pudesse dizer “Boa noite”, Cristina o beijou com intensidade.

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora