Capítulo 42

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Dois anos se passaram.

Nesse meio tempo, Camila e Rodrigo se transformaram nas duas personalidades de maior confiança de Novo Porto. Muito queridos pelo público e aclamados pela crítica especializada, os dois eram responsáveis pelo maior nível de audiência da manhã desde o surgimento da NVP News, quarenta anos antes.

O salário de ambos era aumentado todo trimestre. Rodrigo já reunia alguma fortuna perto do que tinha quando trabalhava na Rádio Novo Porto.

O casal vinte do jornalismo na cidade também pensava no futuro e já falava até mesmo em filhos. Algumas pequenas rusgas surgiram em meio ao relacionamento que sempre era muito tranquilo. Em grande parte, pelo fato de passarem praticamente as 24h do dia juntos. Era natural que alguns problemas domésticos aparecessem.

Essa convivência mais intensa também se deveu ao fato de a vida de Rodrigo ter se transformado em um verdadeiro workaholic.

Cerca de um ano e meio depois de abrir o microfone do NVP Manhã pela primeira vez, Rodrigo foi promovido a chefe de jornalismo da NVP News. Sua única exigência para assumir o cargo foi não ter de abrir mão do programa diário que apresentava. Gostava muito da redação, mas sua verdadeira paixão era o microfone.

Com o aceite da direção da rádio, Rodrigo passou a trabalhar cerca de dezoito horas por dia.

O salário aumentou em progressão aritmética. A responsabilidade, em progressão geométrica.

Camila via o cansaço estampado no rosto do marido. Ele também tinha deixado de se cuidar um pouco e o cansaço começou a aparecer no corpo. Contudo, Rodrigo entendia que aquela era uma fase e ele precisava se dedicar. Esperou por isso a vida toda.

Durante aquele tempo, Rodrigo se afastou de Max. Em uma das últimas conversas que teve, Max tentou alertar o amigo para o fato de que estava transformando o trabalho em um vício, mas foi em vão.
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Rodrigo não tinha tempo para nada e, por isso, em alguns momentos, encerrava as conversas com certa aspereza.

Max tentou algumas vezes, mas depois de mais de dez tentativas, se irritou também e deixou de conversar com Rodrigo. Já não se falavam há mais de seis meses.

Em uma das raras folgas que teve na rádio, Rodrigo passou o dia com Camila no apartamento. Em um também raro momento de lucidez, conversou com a mulher:

- Desculpa se eu tenho sido meio ausente. Tu tem visto como tá difícil por lá, né?
- Tenho visto sim. Mas queria que tu relaxasse um pouco. Não é tudo sob tua responsabilidade.
- Eu sei... mas é que lutei tanto por isso que parece que tenho que dar a alma.
- Eu entendo. Mas tu precisa estabelecer um limite. E acho que tu já passou dele.
- Pode ser que sim. É que eu acho que e eu...

Rodrigo foi interrompido pelo toque do telefone. Era da rádio. Pediu licença e atendeu.

- Rodrigo, tá tendo um incêndio na zona sul. Quem a gente desloca pra lá?
- Manda o Cristian e o João.
- E na base pra redação? Eu tô só com estagiários aqui hoje no rodízio?
- Mas como é que tu deixa só estagiários? Sempre tem que ter alguém com experiência... a noticia não espera!

Rodrigo respirou fundo e continuou.

- Eu tô indo.

Se despediu de Camila. Ela se ofereceu para ir junto e ajudá-lo. Ele aceitou. No caminho, falaram só sobre trabalho. Era o que precisava para aquele momento.

No dia em que inauguraram a terceira loja da franquia de cosméticos de Joana, Patrício propôs noivado. Ela prontamente aceitou.

Os dois viviam em lua de mel desde que a segunda loja tinha sido aberta. Joana fazia a seleção de funcionários pessoalmente. Patrício, mesmo sem nenhum tipo de sociedade com a agora noiva, se dedicava a ver o negócio crescer.

Por isso mesmo, sua voz era muito ativa na tomada de decisões.

Na abertura da primeira filial, Cristina se mostrou incomodada. Não que não desejasse o sucesso de Joana, mas teve medo das mudanças. Muita coisa tinha mudado desde que Patrício iniciou a consultoria.
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Os negócios cresceram, é verdade, mas a parceria com Joana já não era a mesma de antes. As ideias não passavam apenas pelo crivo dela, mas também por Patrício.

Por algum tempo, foi possível levar isso numa boa, mas em dado momento Cristina sentiu que sua relação com Joana era mais de funcionária para chefe do que de amiga para amiga, como sempre foi.

Joana estava sempre cheia de tarefas e elas pouco conversavam sobre a vida.

Justamente agora que estavam tão bem na vida pessoal, o desencontro profissional prejudicou tudo.

Cansada daquela situação, Cristina procurou Joana.
- Amiga, preciso falar contigo.
- Claro! Senta aí.

Joana se demorou ainda alguns minutos diante de alguns papéis, mas depois dedicou toda a sua atenção para Cristina, que começou a falar.

- Olha só, Joana. Eu tô muito feliz por tudo que tem acontecido por aqui. Sei que é o que tu sempre sonhou. Mas eu tô me sentindo muito desconfortável nesse novo modelo de negócio e sinto que a gente se afastou como amiga. Tu não sente isso?
- Ai, Cristina, desculpa. É que tá uma loucura dar conta de três lojas agora. E sim, é o meu sonho, né? Então preciso me dedicar.
- Pois é. Mas eu não tô na mesma sintonia, sabe?
- Hum.
- Eu quero a minha demissão, Joana.

Joana tomou um choque no primeiro momento.

- Caramba, Cristina... mas foi alguma coisa que eu disse? Eu tô tão louca nos últimos tempos que posso ter te magoado mesmo.
- Não. Tu não disse nada. Como eu mesma falei, tá tudo muito diferente pra mim. Eu prefiro preservar a nossa amizade... entende?
- Bom... já é uma decisão tomada? – perguntou Joana.
- É.
- Então não me resta muito o que fazer, né?
- Não.

Cristina e Joana terminaram a conversa prometendo se verem mais agora que o vínculo empregatício não era mais uma realidade.

Isso não aconteceu. Joana quase nunca tinha tempo. Cristina se irritou com isso.

Se afastar da essência nem sempre é boa ideia.

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora