Joana estancou quando viu um homem no meio da escuridão. Mas a sensação durou apenas alguns segundos. Em pouco tempo, ela reconheceu Rodrigo. Mais velho, mas ainda tão bonito quanto sempre foi para ela. Ambos se surpreenderam com a presença do outro.
Joana se aproximou de Rodrigo com cuidado. O coração estava na garganta. O dia já tinha tido emoções suficientes. Mas a agonia que criava o nó na garganta que sentiu naquela noite pedia para que voltasse a algum lugar em que se sentisse realmente em casa. Esse lugar era Milonga.
Em algum nível, esse lugar também era Rodrigo.
A decepção com Patrício ainda doía, mas ir a Milonga era a garantia de esquecer um pouco da vida adulta para relembrar a magia da adolescência.
Decepções os uniam mais uma vez no mesmo lugar. Há quase vinte anos, a decepção era juvenil. Joana pelo príncipe que virou sapo. Rodrigo por não ter sido convidado por ela para ser o príncipe.
Hoje, a decepção tinha um tamanho muito maior e um gosto tremendamente mais amargo.
Rodrigo sentou-se à beira do terraço, onde podia ver toda a cidade de Milonga e suas luzes acesas. Joana sentou-se ao lado dele. Ficaram em silêncio por alguns instantes. Foi ela quem rompeu o silêncio:
- Veio me salvar do Zé de novo?
- Não... isso aí foi só uma vez. – Rodrigo riu depois de dizer isso. Joana também.
- Acho que agora é a hora que eu te pergunto o que tu tá fazendo aqui, né?
- Será que não sou eu que tenho que fazer essa pergunta? – retrucou Rodrigo.
- É justo. Bom. Eu tô aqui porque eu precisava encontrar a Joana de Milonga outra vez. E tu?
- Pelo mesmo motivo. Queria encontrar o Rodrigo de Milonga outra vez.
- Cansado do mega jornalista cheio de credibilidade? Porque eu o admiro muito.
- Pois muito obrigado. Mas não é isso. Às vezes tu não tem vontade de fugir de tudo e de todo mundo e ser só tu mesma?
- Muitas vezes. É o que tô fazendo agora.
Um hiato se deu. Rodrigo continuou:
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- Muito bom estar na bad acompanhado por ti. Sem necessariamente estar gritando, brigando ou trocando ofensas. É uma realidade nova na minha vida.
- Que gentil da tua parte. É novo pra mim também.
Rodrigo e Joana riram olhando para a noite, que continuava linda.
- Ela me traiu. – soltou Rodrigo, sem mais delongas.
Joana já sabia. Mas a voz de Rodrigo, que ela conhecia tão bem, denunciava o quanto aquilo doía nele.
- Eu realmente gosto dela, sabe? Isso que é o mais difícil. – Rodrigo ficou em silêncio por mais alguns instantes, para depois continuar. – Enfim. E tu e Patrício, como estão?
Joana respirou fundo para depois continuar.
- Minha situação não é muito diferente da tua. Também fui traída. Também gosto muito dele.
- Não é estranho eu estar te dizendo que gosto de outra mulher e tu me dizendo que gosta de outro cara?
- É bem estranho. Mas é a realidade até aqui. Não temos como brigar com ela.
- É verdade. – concluiu Rodrigo.
Depois de mais alguns instantes de silêncio e contemplação, Rodrigo continuou:
- Sabe o que foi a primeira coisa que eu pensei quando peguei minha mulher me traindo?
- O quê?
- Que tu nunca faria isso comigo.
Joana sorriu. Rodrigo também, mas um sorriso triste. Na sequência, emendou uma pergunta:
- Já chega de falar de mim. Fala de ti, quais foram as desgraças que aconteceram pra tu estar aqui?
- Patrício se fez de louco. Fingiu que não entendeu que nosso relacionamento era baseado em fidelidade. Mas enfim... foi lá no início. Não tenho ódio dele. Só não consegui perdoar. Foi demais pra mim.
- Entendi. – respondeu Rodrigo. – Bom, tu tem que fazer o que tu pensa que é melhor.
Rodrigo respirou fundo e olhou para Joana para continuar:
- Sabe qual foi uma das últimas coisas que o pai me disse numa ligação na noite antes dele morrer?
- O quê?
- Que tu era uma “guria boa”. – inevitavelmente, lágrimas rolaram pela face de Rodrigo. Joana se aproximou e colocou a mão em seu ombro.
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- Teu pai era uma pessoa incrível. Pode ter certeza que cuida de ti de onde quer que esteja. Eu tenho certeza disso.
Rodrigo sorriu e chorou mais um pouco. Joana respeitou o tempo dele. Em alguns momentos, chorou também lembrando do acolhimento que seu Reinaldo sempre ofereceu a ela.
- O que tu pretende fazer daqui pra frente, Rodrigo?
Com o olhar perdido, Rodrigo respondeu:
- Sinceramente? Não sei. Apostei todas as minhas fichas nessa relação. Tudo ia muito bem, rolava uma sincronia muito boa. Eu não sei onde foi que tudo começou a dar errado. Aliás, eu sei sim. Comecei a trabalhar demais e não dei atenção nenhuma pra ela.
- Isso não é motivo pra te trair, Rodrigo. Ela podia ter pedido a separação. Desculpa me meter. – disse Joana, revirando os olhos em uma reprovação própria.
- Eu sei que podia, mas eu podia ter feito mais também, entende? Podia ter feito mais por ela... podia ter feito mais por ti. Eu sei estragar casamento como ninguém.
Joana olhou para ele, compassiva. Olhou para baixo e retomou o olhar com o dele para dizer:
- Tu não estragou nosso casamento sozinho. Tenho muita responsabilidade nisso também. Não precisa carregar tudo nas costas. A culpa foi nossa. Não foi de um ou outro.
- Por que isso foi acontecer? Se a gente tivesse continuado junto, nenhuma dessas tristezas teria acontecido, Joana...
- Sim, mas provavelmente estaríamos muito infelizes agora. Justamente por insistir em algo que parecia não dar certo, né?
Rodrigo respirou fundo e jogou uma pedra do alto do terraço que fez barulho ao cair no asfalto alguns segundos depois. Olhou para Joana e perguntou:
- Aquele dia do casamento do Max e da Cristina, tu foi sincera sobre estar feliz por mim?
Joana hesitou, mas respondeu:
- Fui. Fui sim. Embora toda a situação fosse muito estranha, eu gostei dela. Achei que era teu número mesmo. Mas não me senti mal porque sabia que também estava com alguém que eu achava ser muito legal.
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- Tu pensou em mim depois que a gente se separou?
Joana arregalou os olhos.
- Virou interrogatório, Rodrigo?
- Se preferir chamar assim...
Os dois riram. Joana silenciou e respondeu:
- É claro que pensei muito em ti. Acha que te esqueci em dois dias? Eu fugi muito de mim, Rodrigo. Embora tenha me relacionado com pessoas que, em algum nível, foram legais nesse meio tempo, acho que só consegui me perdoar e te perdoar depois de um bom tempo. Embora eu soubesse que estava feliz, tinha muito de ti em mim ainda. E mesmo que a gente nunca mais se fale, vai ter pra sempre. Passamos uma vida juntos, Rodrigo. Tem muito de ti em mim. – mais alguns instantes de silêncio e Joana devolveu a pergunta. – E tu, sentiu minha falta?
- Senti. Pra caramba. Principalmente no avião, indo pros Estados Unidos. Eu quase morri de medo. Faltou tua mão lá pra eu apertar.
Joana sentiu-se valorizada. Sorriu. Rodrigo não parava de falar:
- Posso te fazer uma pergunta um pouco indiscreta?
- Hum. Depende. Se eu não gostar, não vou responder.
- Tu dormiu com alguém pouco tempo depois do divórcio? Foi pra cama com alguém sem pensar muito?
Joana mordeu os lábios. Não queria magoá-lo, mas não tinha nada a perder. Sem vontade de falar, assentiu com a cabeça. Rodrigo não se surpreendeu.
- Eu fiz o mesmo. – respondeu.
- E valeu a pena? – perguntou Joana.
- Valeu. Mas não foi como contigo. Contigo tinha amor.
Joana sorriu.
Rodrigo se aproximou devagar e, sem que Joana resistisse, entregou um beijo lento, demorado e apaixonado. Assim que saiu do beijo, Joana perguntou:
- O que é isso, Rodrigo?
- Se a gente pôde se entregar sem pensar para outras pessoas, por que não podemos fazer o mesmo pela nossa história?
- A gente vai se machucar, Rodrigo... vai ser pior depois... estamos tristes e confusos...
- Eu sei... Mas eu queria, só por uma noite, dar outra chance pro guri que eu fui. Eu não esperava te encontrar aqui... mas o mundo tem dessas, né?
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O guri que mais te amou no mundo fui eu. Eu não sei o que sinto hoje. Mas sei o que eu sentia. Eu só queria voltar a ser quem era...
Joana olhou para Rodrigo e viu uma nova lágrima rolar pela face do ex-marido. Reconheceu nele o namorado incrível que a levou para o altar. Sentiu dentro de si renascer, por alguns instantes, o amor que sentiu por ele durante tantos anos.
Joana franziu o cenho e uma lágrima escorreu pela bochecha. Rodrigo conteve a lágrima com um beijo terno e carinhoso na bochecha da ex-mulher. Joana enlaçou os braços no pescoço dele e ficaram em um abraço demorado por mais alguns minutos.
Ao sair do abraço, Joana encontrou os lábios de Rodrigo e devolveu o beijo demorado que recebeu dele antes. Ela já não pensava mais no que haveria antes ou depois. Só havia aquele agora, que, mais do que nunca, parecia fazer sentido com o resto da história deles.
Aos poucos, os espaços diminuíam, o pulsar do coração era conjunto e uma verdade que só eles dois conheciam se estabelecia soberana sem a necessidade de uma palavra sequer.
A respiração ofegante e a ansiedade digna da primeira vez, no quarto de Rodrigo, tantos anos antes, parecia tomar conta daquele lugar tão emblemático para o relacionamento deles.
Parecia lógico que o terraço do Clube Esportivo Milonguense, que abrigou o início daquele amor, fosse o responsável por ser palco de um recomeço ou, então, da despedida mais perfeita que eles poderiam construir para aquele amor.
Ninguém mais falou naquela noite. Joana e Rodrigo se amaram com entrega e paixão. Deixaram que as sensações os conduzissem. Ela se sentia a menina que foi. Ele, o menino desajeitado. Tudo era fácil. Tudo fluía bem. Joana parecia ainda mais linda, tanto tempo depois. Ela sentia o mesmo por Rodrigo.
Estarem juntos era como estar em casa. Estarem juntos depois de tudo que aconteceu era como estar em casa depois de atravessar uma tempestade no mar.
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Depois do amor, Rodrigo e Joana se abraçaram e adormeceram. Joana acordou e continuou olhando para o ex-marido. Era uma noite estranha.
Mais uma vez, tinha se deixado levar pelo impulso. Dessa vez, para estar com alguém que sua alma conhecia. Nem por isso a atitude parecia menos precipitada.
Rodrigo acordou e viu Joana olhando para as estrelas.
- Tá tudo bem? Se arrependeu?
Eles já conversavam como se tivessem retomado a proximidade que um dia tiveram.
- Não. Só tenho medo.
- Medo?
- Medo do que vai ser depois daqui... o que a gente é, o que a gente vai ser, Rodrigo? Estou confusa.
Rodrigo sentou-se, levando a mão aos cabelos.
- Eu também não sei.
Olhando para Joana, completou:
- O que sei é que essa noite nunca vai sair da minha cabeça. Independente do que aconteça.
Joana tentou esquecer os sentimentos por um instante, mas entendeu que a resposta de Rodrigo era muito parecida com a que se formava em seu coração. Eram sensações conflitantes. Parte de cada um queria esquecer tudo e voltar ao que eram antes. Mas outra parte não os deixava esquecer que amores recentes permaneciam doendo em seus corações.
Passando por cima de todas as perguntas que podiam surgir, Joana tentou dizer alguma coisa. Qualquer coisa:
- Tu não tem que voltar para Novo Porto?
- Que horas são?
- 3h30min. – disse Joana, olhando o celular.
- MEU DEUS! Eu preciso estar na rádio às 5h...
- Então vai. Mas vai devagar, maluco.
- Eu vou, eu tenho que ir! – disse Rodrigo, correndo e juntando algumas das roupas que estavam pelo caminho.
De repente, o jornalista estancou e perguntou:
- E tu, ia ficar aqui?
- Sim, eu vou ficar na casa do pai e da mãe. Digo pra eles que o carro quebrou, sabe como é...
- Tá bom, tá bom! – disse Rodrigo colocando as calças – Quer que eu te leve lá?
- Não precisa, eu tô de carro.
Rodrigo se aproximou, mais calmo, e disse:
- Eu te ligo, tá? A gente precisa conversar melhor.
- Tá bom. – disse Joana.
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A despedida foi um tanto melancólica. Ambos estavam um pouco constrangidos. A sintonia absurda daquelas horas anteriores parecia ter adormecido de novo.
Joana viu Rodrigo descer as escadas correndo e pegar o carro. Fez o mesmo. No caminho para a casa dos pais, no meio da madrugada, se perguntou se não tinha criado somente mais uma razão para se sentir mais confusa.
Rodrigo, depois de duas horas dirigindo e se proibindo de pensar demais no que quer que fosse, chegou na NVP News com poucos minutos de antecedência. Tinha corrido mais do que gostaria de admitir.
Ao entrar em sua sala para pegar algumas laudas e ir direto para o estúdio, encontrou um bilhete sobre a mesa:
“Eu realmente preciso falar contigo. É muito importante. Pode ser depois do programa? Camila.”
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Meu caminho sem você
Lãng mạn(HISTÓRIA COMPLETA) Rodrigo e Joana se conheceram ainda crianças. Foram o primeiro amor um do outro e começaram a namorar com 15 anos. Aos vinte, casaram. Aos trinta, numa cidade maior, se separam. Tudo parece tomar outro caminho. Mas, afinal, como...