Capítulo 49

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- Eu ia passar reto, mas vi um guri bonito chorando. – disse Maria.
Enxugando um pouco das lágrimas e já refeito da surpresa inicial, Rodrigo perguntou:
- E o que essa moça bonita faz por aqui? Desculpe estar nessas condições pra falar contigo.
- Imagina. Eu gosto de gente que não tem medo de ser de verdade. Tu sabe disso.
- Sei.
- E então... será que ainda temos intimidade pra tu me contar o que tá acontecendo?
- Eu não sei. – respondeu Rodrigo, reticente. – Não sei se é o melhor a fazer.
- Tem alguma outra opção?

Rodrigo hesitou. Maria continuou, sentando-se ao lado dele:

- Não tem, né... então vamos lá. O que tá acontecendo contigo?
- Lembra quando tu me disse que eu devia pensar menos, há alguns anos?
- É claro que lembro.
- Eu acho que não aprendi nada. Essas lágrimas são fruto de coisas que me fazem ou fizeram pensar demais.
- Sabe, Rodrigo, é importante que tu não pense demais. Mas também é importante que tu não vá pra outro extremo. Não sei o que te aflige, mas se culpar por pensar demais ou pensar de menos também não é a melhor saída. Ao menos é o que me parece. Enfim. Eu te conheço o suficiente pra saber que tu tá sofrendo por alguém. Tá dividido.
- Quanto tempo a gente ficou junto, Maria?
- Não sei. Não lembro muito bem.
- Passou de seis meses?
- Acho que não.
- Como tu pode me conhecer tanto, então?
- Tua alma é bem exibida.
- Alma exibida?
- Sim. Ela se mostra sem a gente precisar perguntar. E isso é raro, Rodrigo. Tu é um cara raro. Eu sei disso.

Rodrigo hesitou um instante e, ignorando o elogio, começou a falar de novo olhando para frente.
- Eu me casei de novo, sabia?
- Sabia. Eu ouço rádio, sabia?
- É mesmo. Eu sempre esqueço disso...
- Vocês têm uma química ótima.
- Não estamos mais juntos.
- Por orgulho de alguém que está perto de mim?
- Ela me traiu.
- Insisto: não estão juntos por alguém que está perto de mim?
- Tem certeza que é só porque ela te traiu? Ela tentou voltar contigo já?
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- Tentou. Disse que está muito arrependida.
- E o que te impede de perdoar? Tua generosidade eu sei que não é.
- Aconteceram outras coisas no meio do caminho.
- Não vai me dizer que...
- Joana.
- Imaginei. É só isso que te incomoda?
- Na verdade... – Rodrigo começou a rir - ... eu acabei de perder o emprego. – Rodrigo continuou rindo de nervoso.
- Hum. Algo mais?
- Meu trabalho me fez perder amigos. Meu melhor amigo, inclusive.
- Ah, não! Se afastou do Max? Ninguém em sã consciência faria isso.
- Eu sei. Eu andava trabalhando demais. Estraguei praticamente todas as minhas relações.
- Sempre tem jeito de consertar. Tu sabe disso. Se não tem, é porque não era tão importante. Ter perdido esse emprego com certeza abre oportunidades de tu acertar tua vida, Rodrigo. Ou eu tô errada?
- Não sei. Não vou mais ganhar o quanto ganhava... tá tudo muito louco. Muita conta pra pagar, cabeça tá uma bagunça... não tá sendo um dia fácil.
- Tu espera que eu te dê algum conselho sobre Camila e Joana?

Rodrigo ficou em silêncio, mas não conseguiu evitar um olhar suplicante àquela menina impressionantemente rápida e que tinha passado feito um furacão em sua vida.

- Pelo visto, acho que sim. Bom... te proponho um exercício prático.
- Sou todo ouvidos. – replicou Rodrigo.
- Imagine aquela noite do nosso primeiro fim de semana juntos viajando. Se quem tivesse sido assaltada fosse Camila, tu teria voltado correndo do jeito que voltou? Se a resposta for sim, tu precisa pensar um pouco mais. Se for não, já tem a resposta certa por eliminação. Não falo de preocupação e tudo mais, isso sei que tu teria. Falo de largar tudo que está fazendo.

Rodrigo se emocionou com as palavras dela.

- Mais uma coisa, sobre os outros problemas. Resolva uma coisa de cada vez. Tentar resolver tudo de uma vez nunca dá certo.
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Rodrigo achou aquela uma boa maneira de encarar as coisas. Não permitia uma decisão final, mas ajudava a diminuir a sensação de caos que tinha na cabeça. Em uma epifania que nunca teve no tempo em que estiveram juntos, já com o rosto seco, tomou as mãos de Maria e disse:

- A gente pode não ter dado certo. Mas tu pode ter certeza que mudou a minha vida, Maria. Eu aprendi muito contigo. Tu me fez olhar a vida de outro jeito e, isso, não há dinheiro que pague. Muito, muito, muito obrigado.

Maria devolveu o olhar de ternura e respondeu:

- Te digo o mesmo. Tu me ajudou muito, Rodrigo. Tenho um carinho muito grande por ti. Se cuida. Boa sorte com a tua decisão, quando tomá-la.

Maria beijou seu rosto e foi se afastando. Rodrigo não se conteve:

- Maria!
- Oi!
- Naquela noite que voltamos da viagem, tu ficou com teu ex-namorado?

Maria, sorrindo e se despedindo naquele que seria, definitivamente, o último encontro deles para o resto da vida, respondeu:

- Isso não tem a menor importância!

E saiu rodopiando e dançando pela Praça Central de Novo Porto.

Aquela informação não tinha a menor importância mesmo, Rodrigo concluiu. Maria o ajudou no mais difícil. Ele já tinha tomado uma decisão, embora a linha que dividisse as possibilidades fosse realmente muito tênue.

Sentia amores distintos por Camila e Joana. Mas alguns fatores específicos o ajudaram a tomar sua decisão.

Voltou para casa e imediatamente ligou para o dono da Rádio Novo Porto. Contou tudo que tinha acontecido na NVP News e da recente demissão. Animado com a possibilidade de fazer o bom filho voltar à casa, agora com muito capital social e uma grande audiência que o acompanharia, o dono da Rádio Novo Porto ofereceu o horário da manhã integralmente à sua prata casa. A estrutura era menor, os recursos eram inferiores, mas Rodrigo teria liberdade total para formatar um programa jornalístico.
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Depois de vê-lo fazendo sucesso na concorrência, o velho senhor percebeu o tamanho do talento de Rodrigo Meira. Conversariam no início da semana seguinte, mas já estava tudo acertado. Rodrigo já tinha emprego novamente.

Já empregado novamente, Rodrigo sentiu uma parte do peso sair das costas.

Tomou o celular e, envergonhado, procurou o rosto de Max entre suas mensagens mais antigas. Clicou nele e começou a escrever:

“Caro amigo, se ainda posso te chamar assim... eu fui o amigo mais babaca de todos os tempos. Me desculpe por tudo que aconteceu. Eu fui um idiota completo. Espero que a gente possa tomar uma cerveja e resolver o que ficou pra trás. Fui demitido hoje. Eu amava o meu trabalho, mas ele me fez perder pessoas importantes na minha vida. A perda mais doída foi a tua parceria. Vamos marcar alguma coisa?”

Max visualizou a mensagem, mas não respondeu imediatamente. Cristina o repreendeu:

- Já chega disso, né? Ele parece mesmo arrependido.
- Ah, é, sabichona? E quem foi que falou com Joana cheia de razão e também não foi capaz de perdoar?
- Nosso caso é diferente. Ela me demitiu por causa de um cara.
- Como pode ser diferente? É mágoa de adolescente!
- Então tu admite que é meio adolescente?
- Claro. Eu sou jovem, guria. E tu também, pelo jeito.
- Cala a boca.
- Tá tão linda e tão brava quanto era quando era adolescente.
- Bobalhão.
- Fazemos um pacto?
- Qual?
- Quando tu perdoar Joana, eu perdoo Rodrigo. Passamos por cima do orgulho juntos.
- Fechado. Mas quanto tempo demora?
- Quanto tempo a gente achar necessário. Mas acho que eles precisam da gente. Cada um à sua maneira.

Rodrigo sentiu-se mal ao ver que Max visualizou a mensagem e não respondeu, mas sentiu que precisava continuar firme no seu propósito evocado por Maria de resolver um problema por vez.

Pegou o telefone mais uma vez e discou com carinho o número de Camila. A vontade de dizer que a amava e que a queria de volta explodia na garganta. Foi por isso mesmo que, quando Camila atendeu, Rodrigo se apressou em dizer:
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- Oi. Eu preciso que tu venha pegar tuas coisas no apartamento. Vou vender.

O amor que sentia por ela ainda ardia no peito. Contudo, sabia que esse ardor não era saudável. Sabia que envolvia um perdão que ele sabia que não podia dar.

Acima de tudo, Rodrigo sabia bem quem sempre estava lá quando ele quebrava a cara. Durante toda a vida.

Quando as esperanças estavam zeradas, o terraço do Clube Esportivo Milonguense as renovou. Quando violaram a casa que viveram juntos por tanto tempo, Rodrigo sabia que ela precisava dele. Não se enganou. O olhar dela garantia que a presença dele era bem-vinda. Quando sentiu a dor irreparável de perder o pai, o olhar terno e sincero dela o confortaram como nenhum outro confortaria. O medo que sentiu viajando sozinho de avião teria sido amenizado pela presença dela.

A dor da traição foi suportável graças a ela.

Seu amor por Camila era real. Ela era, de fato o amor de sua vida. Mas nem o destino é capaz de superar as escolhas pessoais. Camila escolheu trair. Joana sempre escolheu ser leal.

E agora isso fazia mais sentido do que nunca. Isso tinha o valor que seu coração pedia que tivesse.

A visita de Camila foi rápida. Depois de pegar alguns pertences e passar o contato do freteiro que levaria o que era maior, ela foi breve nas palavras:

- Eu espero que tu seja feliz, Rodrigo.
- Também espero que tu seja, Camila.
- Tem certeza que não me ama mais? Tem certeza que a gente não merece outra chance?
- Não. Não tenho certeza. Mas preciso seguir o que meu coração e minha cabeça acordaram que é o melhor pra mim agora.
- Eu jamais te trairia de novo, Rodrigo.
- Eu sei. Mas acho que, a essa altura da minha vida, prefiro ficar com quem nunca me traiu.

Camila saiu, cabisbaixa. Estava em um misto de tristeza e alegria. Tinha sido notificada horas antes que era a nova âncora oficial do NVP Manhã. Sozinha.

Rodrigo esperou Camila sair do prédio e ligou com avidez para Joana. Uma. Duas. Três. Dez vezes. Ela não atendeu.
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Pegou o carro e saiu desnorteado por Novo Porto. Parou na loja Matriz. Estava fechada. Parou nas duas outras filiais. Joana não estava lá. Ninguém sabia onde ela estava.

Desesperado, Rodrigo pegou o telefone e ligou para Max, que estava em casa.

- Alô? – disse Max, sem jeito.
- Cara... eu sei que pode ser que tu me odeie... mas eu realmente preciso falar com a Joana e não encontro ela em lugar nenhum... ela não tá com a Cristina? Por favor, cara, é urgente! Eu preciso dizer pra Joana muita coisa que tá entalada aqui há bastante tempo, de um jeito bom... me ajuda... por favor!

- Calma, cara... ela não tá aqui... mas vem aqui em casa. Eu te ajudo a procurar, prometo! Amigos são pra essas coisas. Tava com saudade de resolver problema contigo, cara...

- Eu fui um babaca, cara, me desculpa... por favor!

- A gente fala disso depois. Vem aqui em casa. Vamos achar a Joana.

Rodrigo chegou na casa de Max mais rápido que de costume.

Tentou explicar tudo que estava acontecendo:

- Cara... sei que tem muita coisa pra te contar da minha vida, mas... eu acho que entendi de uma vez por todas que Joana é a mulher com quem eu quero passar o resto da minha vida. Eu realmente acho que amo ou amei a Camila... mas ela me traiu... fez a única coisa que eu jamais seria capaz de perdoar...

- Eu sei, cara, te conheço bem. Sinto muito...
- Eu e Joana... nos últimos tempos foi tudo difícil, mas a gente se respeitava muito... claro que eu falei uma ou outra bobagem, ela também... mas nunca trairíamos um ao outro... eu tenho certeza!

- Eu tenho certeza também, cara. Mas primeiro se acalma... senta aqui um pouco...

- Eu não consigo, cara! Joana sempre esteve do meu lado quando eu precisei... meu Deus... acho que nosso divórcio foi um erro...

- Mas quando é que isso voltou a te atormentar desse jeito, cara?
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- A gente transou no terraço do Clube Milonguense. Foi uma das coisas mais lindas que já aconteceu na minha vida... eu senti que a gente estava mais junto do que nunca. Que a gente era parte de uma mesma coisa, sabe?

- Mas tu não me disse que sentia isso pela Camila?

- Disse...

- E o que mudou pra tu se sentir assim?

- Apesar de eu saber, de algum jeito, que ela só me traiu uma vez, não consigo superar. Não consigo mais ver a nossa história do mesmo jeito. Eu amei Camila. Talvez mais do que Joana. Só que essa única atitude manchou tudo que a gente teve e eu comecei a ver com mais clareza a “guria boa” que a Joana é, como dizia meu pai. A atitude da Camila me fez entender a mulher que eu tinha e perdi. E aí eu comecei a sentir a mesma saudade que senti assim que a gente se separou.

Rodrigo começou a chorar.

- Calma, cara, vai ficar tudo bem...
- A gente tem que encontrar ela, meu... eu preciso dizer pra Joana que...
- Dizer o quê, Rodrigo? Calma, cara! Respira!

Rodrigo respirou fundo.

- Eu preciso dizer pra Joana que eu escolho ela como o amor da minha vida. De novo. E pra sempre.

Naquele instante, Cristina saiu do quarto com lágrimas nos olhos.

Logo atrás dela, Joana surgiu.

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora