Capítulo 27

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- CRISTINA! Aconteceu! Eu e Artur, aconteceu!
- QUÊ? Ahhhhh, mas já tava mais do que na hora, né?
- Foi incrível. Foi natural. Foi muito diferente do que tive com William. O gurizinho é um querido.
- Isso é só olhar na cara dele pra saber, né, amiga?

O telefone de Joana tocou. Era dona Ana, a mãe.
- Oi, filha, tudo bem?
- Tudo, mãe.
- Olha, filha. Eu e teu pai estávamos conversando. Tu não quer voltar pra casa? Não é vergonha nenhuma. Eu só te pergunto porque estamos um pouco preocupados contigo sozinha aí mais longe e coisa e tal. Sei que tu se vira, mas não consegui segurar a vontade de te dizer que tu pode fazer isso se quiser.

Joana respirou fundo para conter um impulso de confronto, principalmente porque a mãe deixou claro no final de que era uma vontade própria, não uma suposição de que ela não conseguisse se virar sozinha.

- Eu tô muito bem, mãe. Tenho bastante gente perto. A Cristina tá sempre comigo. Tu lembra dela, né? Tá aqui comigo agora, inclusive.
- Oi, dona Ana! – gritou Cristina
- Sim, eu me lembro dela. É uma guria boa. Bom, era só mesmo pra te dizer isso, filha. E pra dizer que te amo muito.
- Também te amo muito, mãe. Desculpe ligar tão pouco. Eu entendi o puxão de orelha. Vou tentar ir aí em algum fim de semana próximo agora. Tu sabe que a loja aqui no sábado é uma loucura, né?
- Sei, filha. A gente pode ir aí também uma hora dessas, se eu conseguir arrancar o teu pai de casa.
- Eu entendo bem. – disse Joana – Fica tranquila. Prometo que vou a Milonga o quanto antes visitar vocês.
- Tu podia visitar seu Reinaldo também, né? Ele morre de saudade de ti.
- Mãe, Rodrigo e eu nos separamos. Eu não sei se é uma boa. Mas também tenho muita saudade dele. Vou pensar.
- É tu quem sabe. Manda um abraço pra Cristina também.
- Eu mando sim, mãe.
- Se cuida, filha. Manda notícias.
- Vocês também. Te amo.

Joana guardou o celular no bolso e cochichou para si mesma.

- Nem me lembro quanto tempo faz que não visito eles. Como é que posso ter esquecido disso, meu Deus...
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- Que foi? – perguntou Cristina.
- Nada.
- Me conta mais de ontem...
- Acho que me sinto mais à vontade com Artur justamente por ter deixado o tempo passar um pouco mais antes de começar qualquer coisa. Talvez esse seja um ponto em que tenha acertado com relação a tudo que aconteceu antes. A gente aprende, né? Mas tem horas que ainda acho tudo isso uma loucura. Nunca, em dez anos casada, quinze com o Rodrigo, eu imaginei que a minha vida seria sem ele. Sempre olhei pra pessoas solteiras depois dos trinta com um certo desdém, como se a vida delas não tivesse dado certo. Tomei bem no meio da minha cara. Porque aconteceu comigo. E agora eu sei que tá tudo bem. Acho que já tô começando a entrar aquela fase em que entendo que aprendi mais do que perdi com o divórcio.

Cristina olhava para o nada.

- Cristina... tá me ouvindo?
- Ãh? Tô, é... tô sim.

Na sequência, começou a chorar copiosamente. Joana imediatamente se solidarizou.

- Amiga... o que aconteceu?
- Eu e Olavo vamos nos separar. A gente decidiu ontem à noite.

Joana sabia bem a sensação daquele tipo de choro. O choro de impotência diante de uma história construída com tanto esmero e que, por algum motivo, ruiu como uma obra mal feita. Instintivamente, abraçou Cristina e ficaram ali, em silêncio, por alguns minutos. O peito de Joana guardando com cumplicidade cada lágrima da amiga de longa data.

Em Nova Iorque, Larissa batia na porta do vizinho brasileiro às oito da manhã. Rodrigo atendeu ainda de pijama, colocando só a cabeça para fora da porta.

- Bom dia, vizinho!
- Bom dia, vizinha!
- Você tem alguma aula hoje de manhã?
- Não, na verdade não.
- Já conhece o Central Park?
- Ainda não. Não deu tempo.

A verdade era que Rodrigo não tinha entendido muito bem como chegar lá ainda. Que condução pegar, onde descer. Ele parecia uma pequena criança diante do novo, às vezes.

- Pois se não tem aulas nessa manhã, acho que tem tempo, né?
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- Tenho sim. Vou só trocar o pijama e vamos, pode ser? Eu bato aí. – fez sinal para a porta da frente.
- Tá bem! Eu te espero.

Rodrigo trocou de roupa e, rapidamente, batia à porta de Larissa.

- Fala a verdade... você só não foi até o Central Park porque não sabia direito como sair daqui e chegar lá, né?
- Tu tem bola de cristal nesse apartamentinho?

Riram.

O Central Park era um pouco distante, mas 50 minutos e dois ônibus depois, lá estavam eles. De posições extremas do Brasil, Rodrigo e Larissa tentavam se aproximar pela sobrevivência emocional em outro país.

Sentaram no gramado verdinho com vista para Manhattan. Como era de se esperar, Larissa não perdia tempo com preâmbulos:

- E você? Deixou alguém esperando no Brasil?

- Deixei. – às vezes Rodrigo se esquecia que não era mais casado, mas logo depois recobrava a consciência. – Quero dizer, deixei minha ex-mulher. Sou separado há pouco menos de um ano.

- Você é jovem. Ficou casado por quanto tempo?
- Dez anos.
- Nossa! Desde que idade?
- Desde os 20. Mas Joana e eu nos conhecíamos desde crianças. Começamos a namorar com 15, casamos com 20, separamos com 30.
- Uau. Metade da vida.
- Eu sempre penso isso.
- E por que não deu certo?
- Milhares de pequenos fatores. Acho que a gente passou a conversar pouco depois de um tempo. A culpa não foi só dela, nem só minha. Quase nunca é de só um dos lados, né? Todo mundo tem qualidades e defeitos. Mas enfim. Eu tenho muito respeito por ela. Ela já tocou a vida e, de uma forma ou de outra, eu tô tocando a minha. Não tem como não tem um carinho forte por alguém com quem a gente dividiu tanto tempo. Teve muita mágoa e tal, mas hoje eu procuro só lembrar das coisas boas.
- Entendi.
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Rodrigo lembrou do início com Maria, em que entregou a vida inteira nas mãos dela. Não que se arrependesse disso, mas entendia que agora não se fazia necessário detalhar tudo que aconteceu. Preferiu se resguardar um pouco. Afinal de contas, Larissa ainda era um tanto desconhecida. De toda forma, não conteve a curiosidade:

- E tu? Como foi tua vida nesse sentido?
- Ah, eu tive vários relacionamentos muito curtos. Sou um pequeno fracasso nesse quesito. Meu namoro mais longo teve uns seis meses eu acho. Nenhum dos meus namorados conseguiu entender o quanto eu queria e quero ser independente. Se a pessoa não me acompanha nesse sentido eu me sinto muito sufocada. Não consigo ficar. Sei que pode ser um problema, mas é assim que eu sou.

- Sei lá, eu acho legal tu querer ser independente. Só não pode usar isso como um empecilho pra se relacionar, sabe? Talvez não tenha aparecido a pessoa certa ainda. Quando aparecer, tudo vai encaixar, tenho certeza. Porque quem gosta de ti não te limita a ser uma coisa ou outra, mas abraça os teus defeitos também. Pelo menos eu sempre acreditei nisso. Mas eu me divorciei, então não sei se o meu conselho é dos melhores.

Os dois riram muito. Logo depois, Larissa deixou escapar um semblante triste.

- O que eu sinto mesmo é saudade da minha família lá no Brasil. Isso é o que aperta de verdade o meu coração. A falta do abraço do meu pai, a comida da minha mãe... Não tem metrópole no mundo que consiga suprir esse tipo de necessidade.

- É mesmo. Eu sei bem o que tu quer dizer.
- Também sente saudade da comida da tua mãe?
- Minha mãe faleceu quando eu era muito pequeno. Quem cozinhou mesmo pra mim foi meu pai. Mas sinto falta dele sempre. Bem mais do que quando estava perto e, sei lá por que, o visitava muito pouco.
- Entendo. Eu morro de saudade também. Às vezes me arrependo de me ausentar tanto e não aproveitar o tempo que ainda tenho ao lado deles.
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Larissa começou a chorar e, sem pedir licença, se abrigou em Rodrigo. Ele ficou um tanto desconfortável, mas sentiu ternura. A envolveu em um abraço com carinho. Lembrou de quando Joana sentia saudade dos pais nos primeiros tempos de casada.

Em Novo Porto, Max desenterrava do fundo do armário uma antiga caixa com uma bagunça inacreditável dentro. Parecia uma lata de lixo. No fundo dela, soterrada entre tranqueiras, estava uma carta que ele nunca teve coragem de entregar. Leu. Chorou.

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora