Capítulo 44

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Rodrigo congelou. Era uma imagem absurda quando colocada em perspectiva com todo o relacionamento que tinham construído naqueles anos. Ele realmente sentia que Camila era o amor de sua vida. Por isso mesmo acreditava que ela estaria ao seu lado em momentos de crise como era aquele, do caos no trabalho. Ela estava lá dentro também. Via que não era um exagero dele. Os dias eram difíceis, mas tinha um objetivo que ele achava estar claro para os dois: prosperar.

Depois de alguns segundos sem saber o que fazer com aquele excesso de informação, correu para o quarto. Sentia um de ódio que aquecia a cabeça, mas ao mesmo tempo um choque paralisante que não permitia que dissesse ou fizesse nada. Se permitiu ficar ali, por alguns minutos, sem norte, de um lado para o outro do quarto.

Se sentia muito idiota. Se sentia estúpido por não abrir a porta e descarregar toda a sua raiva com os punhos fechados no cretino operador de áudio que olhava todos os dias para ele com a cara mais deslavada do mundo. Ele sequer sabia o nome dele direito. Mas o conhecia de vista. Na correria daqueles tempos, jamais percebeu que pudesse haver algum envolvimento.

Rodrigo foi trazido de volta à realidade pelo barulho da porta de saída, que abriu e fechou. Se encheu de coragem e abriu a porta do quarto. Viu Camila, já vestida, sentada de costas no sofá, com a cabeça baixa, mas não tão abalada quanto ele gostaria.

Deixou a porta aberta por alguns instantes, mas ninguém falou nada.

Era engraçado sentir como a tragédia pode ser silenciosa. Paralisante. Ironicamente, havia hiato no caos.

Foi ele que se levantou e foi até a sala. Respirou fundo, soltou um grunhido para testar a voz e ver se ainda saía. Depois de confirmar que as cordas vocais estavam funcionando, iniciou:

- Há quanto tempo?
- Isso importa mesmo?
- Importa muito pra mim. Há quanto tempo essa sem-vergonhice bem debaixo do meu nariz, Camila?
- Foram poucas vezes.
- Não foi isso que eu perguntei.

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- Eu não quero dar detalhes, Rodrigo. Tu já viu. Eu não tenho como negar nada. Não quero te machucar mais também. Não preciso chafurdar na ferida.
- Tu é doente, por acaso? Pra que fazer todo esse circo de que me amava, de que a gente foi feito um pro outro, de que “nunca conseguiu conversar com ninguém como conversava comigo”? Era só pra ver até onde o trouxa acreditava? Pois meus parabéns. Porque eu fui trouxa e acreditei. ACREDITEI NUMA VAGABUNDA!
- Faz três meses que tu não fala comigo direito. Só pensa no trabalho, só isso que é importante, sempre que tenta falar comigo é interrompido por uma ligação. Tu faz ideia do quanto eu me sinto sozinha aqui, Rodrigo?
- Ah, e isso agora é motivo pra meter um par de chifres na minha cabeça? – Rodrigo levou as mãos ao rosto para depois continuar. – Meu Deus... isso aqui é uma loucura, isso não pode estar acontecendo...

Camila ensaiou um choro, mas não quis se vitimizar. Sabia que tinha errado.

- Olha, eu sei que isso não significa nada agora. Mas foi só com ele. Não teve mais ninguém. Eu realmente te amo, Rodrigo...
- É mesmo, deve amar muito! Esse comportamento é típico de quem ama...
- ...mas não amo a pessoa que você se transformou nos últimos tempos. Tu perdeu até teu melhor amigo pra essa versão de ti mesmo. E olha que eu tentei conversar, várias vezes, tentei retomar aquilo que a gente tinha. Mas tu nunca tinha tempo, né?
- E a forma mais fácil de resolver isso é me trair? Escuta o que tu mesma tá falando, guria! Sua louca! Onde é que eu tava com a minha cabeça que não percebi que tu me fez só de marionete... meu Deus do céu como eu sou burro!
- Tu não é burro, Rodrigo. A culpa é minha. Eu já assumi.

Rodrigo permaneceu alguns instantes em silêncio, apenas olhando no fundo dos olhos de Camila. Se aproximou, com calma, até ficar a menos de um dedo do rosto dela. Com lágrimas que jorravam pela cascata dos olhos, deixou o coração falar:
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- Eu tava investindo um dinheiro pra ter filhos contigo. Eu queria mudar pra uma casa maior, onde a gente pudesse ter mais liberdade. Eu sonhei envelhecer do teu lado. E podia jurar pra mim mesmo que tu sentia o mesmo. Tudo isso pra eu aparecer aqui num dia útil e te ver com uma pessoa que trabalha com a gente todos os dias. Isso não é traição, Camila. Isso é maldade. E das que só gente que não tem alma consegue fazer.

Rodrigo se afastou um pouco e, com olhar de desprezo, continuou:

- O que foi que aconteceu contigo? Tu era uma guria tão especial, meu Deus... será que eu me enganei tanto assim? Será que eu fui mesmo tão cego depois de tantas experiências negativas?
A partir desse ponto, Camila também deixou as lágrimas rolarem. Era um choro que não parecia de arrependimento, mas sim da constatação de algo que não poderia ter sido diferente. Ela se aproximou dele da mesma forma para responder:

- O que eu fiz não foi certo, Rodrigo. E te ver desse jeito já me faz mal o suficiente pra saber que, talvez, a gente ainda tivesse chance. Só que eu quero que tu lembre que não fui só eu que mudei nos últimos tempos...
- Eu não posso acreditar que agora tu vai querer jogar a culpa de uma coisa dessas em mim...
- Eu me responsabilizo pelo que fiz. Mas não te esquece do tanto de vezes que eu te falei que a gente tava se afastando, que as coisas não estavam indo bem. Não esquece que fui eu que fiquei aguentando cara feia por aqui nos últimos meses. Não esquece que esse momento não chegou do nada. Tu me ajudou a construí-lo. Há seis meses eu jamais teria coragem de trair o Rodrigo que conheci. Hoje, nem difícil foi. Isso quer dizer alguma coisa.

- ISSO QUER DIZER QUE TU NÃO TEM CARÁTER, CAMILA!
- Eu vou embora.
- EU NÃO SEI O QUE TU AINDA TÁ FAZENDO AQUI...
- Espero que um dia tu possa me perdoar.
- Eu acabei de te ver transando com outro cara. Tu realmente espera que eu possa te perdoar? Tu mesma se perdoaria?
- Não.
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- Então só me faz o favor de ir embora. E me deixar em paz.
- Tu é um cara legal, Rodrigo. Volte a ser o cara legal.
- Não quero falar o que eu acho que tu é nesse momento.

Camila fechou a porta com tristeza, mas calma. Rodrigo não conseguia processar o que aconteceu. Ela falava com certa calma, parecia estar um pouco arrependida, mas realmente acreditava que ele tinha uma parcela significativa de culpa em sua decisão.

Aquela conversa foi longa, mas parecia ter passado em um segundo. Rodrigo teria se exaltado mais se não sentisse que estava completamente no piloto automático. Depois de algumas horas em silêncio, petrificado na sala, e muitas ligações não atendidas no celular, Rodrigo foi até seu quarto e desenterrou uma pasta antiga que continha lembranças que ele costumava guardar para momentos difíceis.

Ali estavam um terço que a mãe lhe deu quando criança e um antigo caderninho com pequenas anedotas que seu Reinaldo gostava de ler. Em contato com aquelas relíquias, Rodrigo chorou lágrimas curativas, que pareciam amenizar aquele nó da garganta.

Em meio às lembranças, uma foto do casamento dele com Joana. Os dois, sorrindo, na porta da igrejinha de Milonga. Se deparando com o próprio “eu” do passado, Rodrigo sentia que não era capaz de explicar à sua versão mais jovem o que o esperava no futuro.

Olhando para a imagem de Joana, não conseguiu evitar uma fala em voz alta:

- Tu nunca faria isso comigo, né? Tu é a única em quem eu podia confiar...

Apertou a foto contra o peito e, sobre ela, apoiou o livrinho de anedotas do pai. Lembrou do quanto ele falava de Joana e do quanto torcia para que os dois se acertassem. Ao mesmo tempo em que mergulhava no passado para tentar fugir do presente, Rodrigo sabia que as coisas não eram iguais àquele casamento na cidadezinha de interior. Ele estava apenas se entregando de volta a alguém que não era mais, por ser mais confortável.
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Precisava enfrentar a vida de adulto. No dia seguinte, dividiria a bancada da NVP News com a mulher que mais amou na vida. Sim. Definitivamente ele amou Camila mais do que amou Joana. Mas, como lidar com o fato de que o amor da sua vida escolheu te trair?

Era o que ele tentava descobrir, preso há quase cinco horas naquele quarto, em meio a lembranças de tempos em que as coisas eram mais fáceis.

Joana, em casa com Patrício, pensava no futuro que teriam juntos e em tudo que ele já tinha proporcionado em sua vida pessoal e profissional. Sentia o coração pulsar mais forte toda vez que estavam juntos e o que vivia com ele era um amor tranquilo e maduro, que a tinha transformado.

Contudo, naquela noite, sentia o coração tranquilo ser cortado por um nó na garganta que não sabia explicar. Patrício perguntou por várias vezes se estava tudo bem. Joana confirmou.

Depois de algumas respirações profundas, sentiu a calma voltar ao coração. Abraçou Patrício com ternura e acabaram pegando no sono no sofá.

A noite passou devagar. Rodrigo não dormiu. Às 5 da manhã, estava na redação da rádio. Camila se aproximou, com a expressão fechada, e proferiu:

- Bom dia.
- Só fala comigo fora do ar se realmente precisar.

O dia seria longo e cheio de emoções.

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