Capítulo 50

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Rodrigo ficou petrificado. Max sorriu para ele. Cristina também. Max usou a desculpa mais absurda do mundo para deixá-los a sós:

- Cristina, vamos lá fora que eu tenho que te mostrar aquele negócio...
- Que negócio? – respondeu Cristina, debochando.
- Aquele negócio que a gente conversou que fica lá no coiso... Ah, vamos logo, vem!

Max puxou a mulher pela mão. Rodrigo e Joana estavam sozinhos mais uma vez.

Rodrigo já enxugava algumas lágrimas das mãos. Foi Joana que quebrou o silêncio.

- Isso que tu disse é verdade?
- Qual parte?
- Que quer me escolher como amor da tua vida de novo... é verdade, Rodrigo?
- É.
- Isso não parece meio errado? Depois de tudo que aconteceu, a gente tentar voltar com dúvida?

Rodrigo hesitou por um instante. Joana continuou.

- Eu me afastei nos últimos dias, Rodrigo. Não sabia bem o que pensar. Tentei te ligar várias vezes e tu não me atendeu. Fiquei pensando que o que aconteceu em Milonga tivesse sido uma besteira pra ti. E isso me doeu muito. Porque pra mim não foi. Pra mim foi decisivo.
- Decisivo? Decisivo pra quê?
- Pra me dar conta que acho que meu amor por ti nunca morreu completamente. Só adormeceu. Naquela noite, no terraço do Clube, nós o acordamos.

Rodrigo não queria mentir.

- Eu não atendi tua chamada porque não queria te magoar. Estava confuso. Estava tudo uma bagunça. Camila falou comigo de novo.
- Eu ouvi tu falando dela também.

Os dois ficaram em silêncio mais uma vez. Joana rompeu o silêncio de novo:

- Tu amou ela mesmo?

Rodrigo hesitou por um instante.

- Amei.
- Entendi.
- E tu, amou aquele cara?
- Amei também. Achei que isso nunca aconteceria.
- Teu verbo no passado está bem conjugado?
- Sim. Eu já te disse. Naquela noite, o meu amor por ti acordou. Mas tive medo quando tu não me atendeu. Tive medo porque tive certeza que tu já é um homem muito diferente e que, talvez, não tivesse mais vontade de ficar do meu lado.

Rodrigo olhou com sinceridade para Joana.
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- Isso tudo que aconteceu com a gente é uma loucura. Mas, se tu quer saber mesmo o que aconteceu, tenho que te dizer que Camila já tirou tudo que tinha na nossa casa e nossa relação tá zerada. Eu fui demitido da NVP...
- Demitido?! Como assim?
- Isso eu conto depois. Vou voltar pra Rádio Novo Porto. Acho que já é hora de voltar pra casa. Encontrar de novo a paz que eu tinha e que achava que não era suficiente.

Os dois permaneceram em silêncio por mais alguns instantes:

- E isso te inclui, Joana.

Joana sentiu o coração saltar para a garganta, mas tinha medo de demonstrar euforia. A angústia de ver Rodrigo se distanciar de novo nos dias anteriores tinha sido grande demais. Na defensiva, ela tentou validar e ter certeza que podia confiar no sentimento de Rodrigo agora:

- Rodrigo... eu mudei muito. Acho que não sou mais aquela pessoa que ficava amargurada por qualquer coisa, amadureci muito com as pauladas que levei da vida depois que vi o nosso casamento acabar... Por isso não quero que encare a pergunta que vou te fazer com nenhum tipo de cuidado, porque ela não é carregada de amargura. É carregada de uma ansiedade e de um medo que eu levo aqui dentro do meu peito e que não consigo fazer passar.

Rodrigo olhou para Joana, preocupado, e a tomou pelas mãos. Ela, nervosa, olhou para o gesto do ex-marido e fitou-o nos olhos, já com os seus marejados, para perguntar:

- Como eu posso ter certeza que dessa vez vai dar certo? Como eu posso ter certeza que a gente não vai se machucar mais do que já se machucou no passado?
Rodrigo sentia o coração pulsar mais forte. A dúvida que tinha entre Camila e Joana começou a se desmanchar na conversa com Maria. Depois, cada pequena atitude lhe dava mais confiança. E agora, ver a mulher que lhe apresentou o amor com os olhos cheios d’água e plena de uma fragilidade emocional que poucas vezes tinha visto nela, era o ponto final na decisão que seu coração precisava tomar.
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Naquele instante, ele soube que se apaixonava de novo por alguém que já conhecia. Naquele instante, o amor que era dúvida gritou em seus olhos, coração e ouvidos. Naquele instante, Rodrigo sabia exatamente o que fazer.

Mesmo sem saber bem se estava pronto para fazer isso, ele revirou seus objetos para encontrar algo muito importante. Diante da certeza que as lágrimas de Joana lhe davam de que ali estava renascendo, muito mais forte, um amor sincero que já era velho conhecido, Rodrigo não teve mais medo.

Rodrigo tirou do bolso uma caixinha que Joana reconheceu de imediato. Com a caixinha em mãos, o jornalista respondeu a pergunta:

- No dia em que a gente decidiu se separar, lembro que brigamos muito, falamos coisas muito tristes um para o outro e, a cereja do bolo, foi quando tiramos nossas alianças e jogamos no chão. Nós dois fizemos isso. Nós dois estávamos com raiva. Depois que o mínimo de raiva passou, eu guardei as duas alianças nessa caixinha. É claro que eu estava irado, cheio de mágoa, querendo que tu se ferrasse só pra ver como era bom ficar sem mim. Só que, pra ser sincero, eu guardei as alianças porque algum cantinho do meu coração dizia que, em algum momento, a gente ia se acertar. Não posso ser hipócrita, Joana. Eu vivi outras coisas depois de nós dois. E vivi, sim, um amor que achei que fosse definitivo. Só que não foi. E quando isso que eu achei que fosse o meu sonho de vida simplesmente desmoronou na minha frente, eu me lembrei disso aqui. Lembrei da esperança muda e quase invisível que eu tinha de que, um dia, a gente se acertasse. Lembrei da dor que eu sentia cada vez que o meu pai... – Rodrigo parou um instante porque o nó na garganta foi inevitável. – Hum... Cada vez que meu pai dizia que tu era uma guria boa, Joana. Ele sabia das coisas. O velho sabia das coisas...

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Eu sei que tudo parece estranho e confuso, mas eu queria te dizer que nos últimos dias eu não te atendi porque não queria ser precipitado, não queria te assustar, não queria me assustar, não sei... algo aconteceu. Só que agora, aqui na tua frente, olhando pra esse teu olho cheio de água, eu sinto que te amo mais do que te amei em qualquer momento do nosso namoro, noivado e casamento. E sei que, por mais que pessoas incríveis tenham passado na minha vida, no fim, é tu que fica. Tu sempre fica. Eu te amo, Joana. E eu quero casar contigo. De novo. Joana... tu casa comigo de novo?

Joana não conseguia conter as lágrimas que caíam em sequência e vigorosamente. O discurso de Rodrigo não era vazio. Era cheio de significado e verdade. Ela podia ser ingênua para algumas coisas e intolerante para outras, mas não havia ninguém que conhecesse Rodrigo melhor do que ela. Além de todo o sentimento pelo qual se deixou preencher nos dias anteriores, sentiu o amor se potencializar em cada palavra que Rodrigo dizia, olhando no fundo de seus olhos.

Joana não respondeu com palavras. Só se levantou e beijou Rodrigo com todas as forças que tinha. Ele retribuiu, sorrindo. Joana sentiu uma lágrima salgada dele invadir sua boca. Se emocionou também. Depois do beijo, o abraçou com intensidade também e disse, num sussurro gritado:

- Meu amor... eu caso... caso contigo quantas vezes tu quiser... Me perdoa por ter sido uma esposa tão chata no passado...

Rodrigo a afastou por um instante e completou:

- Eu nunca mais quero que tu me peça perdão pelo passado... eu também fiz muita coisa errada e tu sabe disso... nada foi gratuito. Se nossa primeira tentativa fracassou, nós dois somos responsáveis. Foi tu mesma que me disse isso. Mas eu só sei de uma coisa: se nossa desunião destruiu o nosso amor, tenho certeza que a nossa união constrói ele de novo. Maior, mais forte e mais bonito do que era antes.
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- Eu tenho certeza que sim. – disse Joana. – Eu quero ficar contigo o resto da minha vida, Rodrigo...
- Mesmo quando eu for um velho rabugento?
- Mesmo assim. – disse ela, sorrindo entre as lágrimas.
- Mesmo quando eu reinar pra ir no médico e furar bolas de crianças que caírem no nosso pátio?
- A bola eu não perdoo, coitadas das crianças, mas do velho reinento eu cuido. Não é muito diferente do jovem reinento.

Joana e Rodrigo riram abraçados. Fazia muito tempo que isso não acontecia.

Max e Cristina entraram na casa radiantes e os quatro se abraçaram.

- Já tava na hora, né, teimosos? – disse Cristina.
- Finalmente vamos ter um casal de amigos pra sair! – completou Max.
- Que antissocial, rapaz... – debochou Rodrigo.
- Ah sim, porque vocês eram super sociáveis, né?
- Acho que as coisas estão bem mudadas depois de tudo que aconteceu... – completou Joana.
- Será que somos amigos como éramos no passado? – perguntou Max.
- Não. – respondeu Rodrigo. – Mas eu acho que temos a chance de reconstruir tudo e deixar tudo mais forte. Né, Joana?
- É. Pelo menos a disposição pra tudo isso nunca foi tão grande.

Joana e Rodrigo se beijaram como um casal adolescente apaixonado. Max e Cristina fizeram o clássico sinal de enjoo que adolescentes do perto de casais grudentos demais. Todo mundo sorriu. Todo mundo sentiu a paz que idealizou mais de vinte anos antes.

Joana olhou para Cristina com ternura. Rodrigo olhou para Max com saudade. Ambos pensaram a mesma coisa ao mesmo tempo e um olhar bastou para que se entendessem. Foi Joana quem rompeu o silêncio.

- No nosso primeiro casamento, vocês estiveram no altar em lados opostos. Já que vamos fazer isso de novo, acho que é a oportunidade perfeita pra que vocês estejam do mesmo lado dessa vez.

Rodrigo completou:

- Vocês já sabem que serão nossos padrinhos por todos os casamentos que virão pela frente, né?

Todos riram.

Os quatro se abraçaram. Ali existia uma conexão que palavras não explicam. O amor transbordava.
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As semanas passaram com serenidade. Rodrigo, depois de duas semanas da primeira conversa com o dono da Rádio Novo Porto, abria seu antigo microfone pela primeira vez:

- Bom dia, queridos ouvintes, minha estimada audiência da Rádio Novo Porto. O bom filho à casa torna, afinal de contas, não é mesmo? Vocês não sabem o quanto estou feliz em estar de volta à minha primeira casa para poder continuar prestando serviço e conversando com vocês todos os dias sobre os nossos assuntos mais importantes. Quero agradecer com muito carinho à direção da rádio por essa nova oportunidade e espero de todo o coração que vocês gostem desse novo projeto. São 6h02min e esses são os destaques do Novo Porto Notícias, comigo, Rodrigo Meira.

O velho senhor que operava o áudio soltou a escalada com os destaques daquele dia e Rodrigo se sentiu mais em casa do que nunca. Não sentia aquele passo como um retrocesso, mas sim como um avanço. A NVP News tinha sido uma montanha russa em sua vida, mas, no fim das contas, tinha adquirido uma experiência que jamais teria tido se tivesse ficado no primeiro emprego para sempre. No fundo do coração, Rodrigo não se arrependia de nada. Sabia que cada etapa do que tinha vivido era muito importante.

Precisava, agora, de energia e disposição. O primeiro dia de Novo Porto Notícias registrou uma audiência que a modesta rádio da zona sul de Novo Porto jamais tinha conhecido. Contudo, ficou um ponto atrás de um concorrente pesado: a partir de agora, o NVP News era ancorado somente por Camila Ventura.

Entretanto, Rodrigo tinha o coração leve. Agora, que a pressão por audiência por parte da direção era muito menor, ele podia, de fato, se concentrar em melhorar o conteúdo de seu trabalho e ver o sucesso ser consequência.

Estar de novo na Rádio Novo Porto e estar prestes a se casar com Joana pela segunda vez não parecia, de forma alguma, um deja vù. Rodrigo sabia bem o quanto o contexto era diferente.
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Camila não demorou a assumir publicamente seu relacionamento com o operador de áudio. Sim. Aquele.

Joana recontratou Cristina para ser gerente geral das lojas. As amigas voltaram a se falar diariamente, sobre tudo, e a prosperidade se desenhava ali na frente.

- Tá feliz, amiga? Como é se casar com o mesmo cara duas vezes?
- Eu ainda não casei pela segunda vez, Cristina.
- Pois eu acho loucura.

As duas riram.

- Nunca pensei que tudo isso aconteceria na minha vida, sabe? William, Artur... meu Deeeeeus... Artur... tu lembra a dificuldade que foi pra eu fazer o guri sair da minha casa?

- Lembro, amiga. Pior que lembro. Mas tu se arrepende de ter ficado com ele?

- Não, não... não me arrependo. É só minha boca maldita que às vezes ainda fala umas coisas desnecessárias. Eu aprendi muito com todos que me envolvi depois de me separar. William foi um gentleman por boa parte do tempo comigo. Foi grosseiro em uma ocasião. Não consegui superar. Mas conversaria com ele de novo hoje, pra acertar os ponteiros. Sei lá, só pra zerar essa história, sabe?
- Sei. Mas fiquei sabendo que ele nem mora mais aqui na cidade. E do Artur, o que tu acha?
- Primeiro que ele me conquistou comigo achando que ele era o cara que tinha roubado a minha casa, né?
- É mesmo... mas, fala sério, Joana... quando aquele guri se aproximou com aquela cara e com flores, nunca daria pra acreditar que ele tivesse algum tipo de envolvimento com o crime.

Joana riu.

- É verdade. Mas enfim... ele era sensível, talentoso, gente boa. Se perdeu um pouco depois e eu também acabei dando muita corda pra situação. Mas não guardo mágoa dele também. Cumpriu um papel muito bonito na minha vida. Me fez uma pessoa melhor.

Cristina ouvia a tudo atentamente. Quando Joana terminou de falar, arrematou com a última pergunta:

- E Patrício?

Joana hesitou.
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- Patrício talvez tenha sido o único cara que eu possa dizer de boca cheia que AMEI, depois do Rodrigo. A gente tinha uma sintonia muito boa, tinha tudo pra dar certo. Mas não deu. Eu não sei se fui exagerada por não perdoá-lo, mas eu precisava fazer o que meu coração dizia naquele momento, sabe?
- Sei. Já fiz dessas também. Perto dos quarenta. E casei com o Max... enfim. Só pra fechar o ciclo, amiga... e Rodrigo? O que tu sente por ele hoje?
- O que sempre senti em intensidades diferentes. Eu amei Rodrigo mesmo quando a gente tava se separando. Apesar de muito desgastada, eu queria separar logo pra poder guardar as coisas boas que tinha dele. Em todos os momentos críticos, críticos mesmo, mesmo separados, mesmo com outras pessoas, ele sempre esteve lá. E é isso que me faz acreditar que a gente vai ser muito feliz. Não foi só o Rodrigo que mudou e se tornou ainda mais humano que já era. Eu mudei. Muito. Intensamente.
- Eu sei, amiga. Dá pra ver. Tu tá um mulherão. Em todos os sentidos.

Joana sorriu. Cristina fez uma expressão travessa e disse:

- Tem mais uma coisa. Isso aqui é teu.

Cristina entregou uma caixa com uma estampa de corações. Joana abriu. Ali estavam todas as cartas que, em um acesso de fúria, ela pediu que Cristina queimasse alguns anos antes.

Não soube descrever a emoção com palavras. Abraçou Cristina com toda a ternura que podia e se resumiu a dizer:

- Obrigado por ter feito isso por mim. Obrigado por cuidar da minha história quando nem eu mesma consegui.

Algumas semanas depois, o grande dia chegou. Rodrigo não estava nervoso, nem Joana. Estavam fazendo algo que já era muito maduro em seus corações. Essa segurança se manteve até o momento em que Rodrigo avistou Joana sendo levada, mais uma vez, por seu Valdir em sua direção. Minutos antes, Dona Ana fez questão de levar Rodrigo pelo braço até o altar improvisado num descampado de um parque.
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Ao deixá-lo lá, ela não lhe fez nenhuma recomendação sobre a filha ou sobre o casamento. Deixou a emoção tomar conta e disse, apenas:

- Eu não disse quando tu tinha 15 anos que era tu? Sempre foi tu. E eu vou esperar vocês lá em casa sempre com torta de limão pronta, porque eu sei que tu gosta.
- Obrigado por tudo, dona Ana.
- Eu não quero que tu chore, nem fique triste, mas eu preciso te dizer o quanto tua mãe deve estar orgulhosa de ti. Tu é um homem feito, guri Rodrigo. Eu nunca me esqueço que um dia ela tava contigo lá em casa, te viu brincando com a Joana e me disse: “esses dois vão terminar casados”. Acho que ela tinha razão.

Rodrigo se sentiu invadido por uma emoção quase inédita. Tinha poucas lembranças claras da mãe, então, toda vez que alguém citava alguma fala sua textualmente, tinha o carinho de guardar em um local seguro da memória.

Respirou fundo e observou Joana entrar, de braços dados com seu Valdir. Ao entregá-la ao genro pela segunda vez, não deixou escapar:

- Que seja a última vez, hein, Meira? – e riu uma risada seca.

Rodrigo riu também e prometeu que sim.

Olhou nos olhos de Joana e beijou sua testa. Se aproximou do ouvido dela e sussurrou:

- Tá ainda mais linda que da primeira vez.
E estava mesmo. O vestido era mais simples, a flor no cabelo realçava os olhos e acompanhava a estampa delicada e quase imperceptível que se repetia por todo o vestido claro.

Rodrigo vestia um terno cinza sem casaco, apenas com o colete. Trazia consigo uma flor que incorporou ao buquê que Joana trazia nas mãos.

Max e Cristina os esperavam. A cerimônia não chegou a quarenta convidados. Rodrigo e Joana se limitaram a convidar quem realmente era importante em suas vidas. As pessoas que sabiam que veriam significado em tudo aquilo.

O cerimonialista encaminhou alguns protocolos e, na sequência, pediu que os noivos lessem seus votos.

Foi Rodrigo quem começou. Tomou Joana pela mão. Achou uma pena não ter podido ter esse momento no casamento tradicional, mais de quinze anos antes.
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Joana olhava para ele com serenidade e contendo as lágrimas.

- Joana. Naquele dia em que eu te vi no terraço do Clube Milonguense, eu não queria chegar perto de ti. Não queria ser o cara que simplesmente ia substituir o Zé, que te deu um bolo. Eu desconfio que sei o porquê. Talvez, no fundo, eu soubesse que se chegasse perto de ti eu casaria contigo, tu seria o amor da minha vida, e todas essas coisas que todo adolescente morre de medo. Pois foi justamente isso que aconteceu. Contudo, a gente sabe bem que as coisas não foram exatamente do jeito que a gente imaginava. Só que isso não importa mais agora. Ou melhor. Importa sim. A gente foi viver outra vida, conhecer outros caminhos, mas voltamos pra cá, porque na verdade acho que a gente nunca foi completamente embora. A única diferença é que nós usamos só a segunda parte das promessas de casamento. Depois de separados, estivemos juntos na tristeza, na doença, na pobreza e em poucos dias da nossa vida. De qualquer forma, o que viemos fazer hoje aqui é corrigir tudo isso. É aceitar de volta as alegrias, a saúde, a riqueza. Aceitar de volta o que é nosso. E nada, pra mim, é mais nosso do que o amor que a gente construiu. A obra pode até ter ficado parada por um bom tempo, mas nunca ruiu completamente, porque aquilo que a gente constrói com o coração nunca é em vão. E eu sei que, nem pra mim, nem pra ti, nossos encontros e desencontros dessa vida foram em vão. Eu precisei ir embora, é verdade. Mas precisei ir embora pra ter certeza e firmeza nesse momento. Precisei ir embora pra poder te dizer que eu quero te dizer todo dia pra fechar aquela janela, te dizer coisas por código no meu programa de rádio, ir te buscar na loja que tu construiu com tanto suor. E, se a gente se perder de novo, eu já sei o caminho das pedras pra fazer tudo ficar bem de novo.
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É só lembrar do terraço do Clube Milonguense. É lá que está a nossa história de verdade. Nosso começo e nosso recomeço. Eu quero cuidar de ti como cuidei aos quinze, aos vinte, aos trinta (mesmo que de um jeito torto) e agora, perto dos quarenta. Eu te amo, Joana. Quero ficar contigo pro resto da minha vida. Não andar meu caminho de mãos dadas contigo me fez ter, hoje, ainda mais certeza que eu quero a tua companhia pra atravessar essa vida. Queria que meu pai estivesse aqui hoje pra eu poder dizer bem alto que ele tinha toda a razão. Quando ele dizia que tu era “uma guria boa”, queria dizer que era lógico que tu era a pessoa certa pra mim. Seja bem-vinda de volta ao lugar que te pertence: o meu coração.

Joana sorriu.
Os convidados choravam copiosamente. Cochichando, disse a Rodrigo que não se preocupasse. Seu Reinaldo com certeza estava ali.

O amor exalava do casal de meia idade que se perdoava, definitivamente, diante de todos. Foi a vez de Joana falar.

- Rodrigo. São poucos os momentos importantes da minha vida que não te incluem. Na verdade, eu nem sei se existem. Eu te conheço desde criança. Eu conheço a tua alma. Eu sei quem tu é e nunca tive nenhuma dúvida do teu caráter e tua índole. Mas isso é o de menos. A verdade é que, tendo sido a principal testemunha da tua história, me emociona estar aqui agora e ver o homem incrível que tu se tornou. Penso no guri tímido, penso no namorado atencioso, no marido preocupado e vejo o quanto cada um deles te tornou melhor. Quando me perguntavam por que a gente não estava mais junto, eu não respondia. Porque na verdade eu sempre estive um pouco em ti. E tu sempre esteve um pouco em mim. Mesmo que isso aqui não acontecesse. Mesmo que a gente passasse o resto da vida separado e sem se falar. Nada apagaria o que tu significa pra mim, Rodrigo. Sou muito sortuda de poder casar contigo pela segunda vez.
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Nem todo mundo tira essa sorte grande. Sou muito realizada por tudo que conquistamos juntos e sei que, por mais que existam dificuldades daqui pra frente, nós somos pessoas melhores. Tudo o que vivemos juntos – e separados – nos trouxe a esse momento. E, sinceramente, eu sei o tamanho da minha felicidade porque não me lembro de me sentir num lugar e momento tão certo quanto me sinto agora. Ao teu lado desde muito nova eu me senti segura e mais capaz. Depois, tive que aprender a fazer isso sozinha, tu não estava mais lá pra me ajudar. E, agora, eu tenho a sorte de ter o melhor dos dois mundos. Tu era meu herói, meu príncipe de baile de debutante, meu parceiro de risadas, meu colo nas horas difíceis. Que bom poder te ter de novo no meu caminho. Eu aprendi. Aprendi que não existe atalho ou passo acelerado que compense a conquista de cada metro de um caminho longo ao lado de alguém que a gente ama. E é isso que eu quero contigo a partir de hoje. Completar, do jeito mais lindo possível, a nossa história.

Rodrigo a beijou com intensidade. Os noivos ficaram abraçados diante da plateia.

Depois de uma festa inesquecível e um retorno triunfante à tradicional casa do casal em Novo Porto, Joana e Rodrigo partiram para uma nova lua de mel. Curta e próxima dali.

Se essa história fosse um conto de fadas tradicional, Rodrigo e Joana jamais teriam se separado. A verdade é que Camila era, sim, o verdadeiro amor da vida de Rodrigo. Enquanto estiveram juntos, ele a amou mais do que amou Joana.

Só que o destino não tem força diante das escolhas.

A escolha de Camila mudou o curso do destino. Abriu espaço para que um amor antigo e também gigantesco pudesse ressurgir e, com o tempo, se fortalecer a ponto de se tornar destino.

Joana e Rodrigo se reconheceram pelo passado, mas sabiam que suas almas estavam completamente renovadas.

Em sua curta viagem de lua de mel, em uma reta de centenas de quilômetros, Rodrigo sugeriu:
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- Eu não quero falar muito sobre isso daqui pra frente, porque é pra frente que se anda, mas... como é que foi o teu caminho sem, mim, Joana?
- Foi difícil. Mas foi maravilhoso também. Conheci o melhor e o pior de outras pessoas pra entender, hoje, o quanto eu gosto de ti e valorizo as tuas virtudes. Coisa que não conseguia fazer antes. Ficar sem ti me obrigou a lutar por mim. E isso foi muito importante pra mim, Rodrigo. Eu cresci. E cresci sozinha. E tu? Como foi teu caminho sem mim?
- Foi uma loucura. Me canso só de lembrar. Será que valeu mesmo a pena tudo isso? Quero dizer, todo o desgaste do divórcio, pessoas que nos magoaram, anos perdidos... Valeu a pena?
- É claro que valeu, Rodrigo. Prefiro mil vezes que a gente tenha que ter passado por milhares de turbulências e dificuldades pra entender que nos amávamos do que ter arrastado uma relação por anos. Se nós não tivéssemos nos separado, talvez fôssemos miseravelmente infelizes hoje. Tu não acha?
- Olhando por esse lado, faz sentido. Tu ficou bem sabida depois de tudo isso.
- Pois fiquei mesmo. E digo o mesmo de ti também. Tenho certeza que a gente tem muito pra ensinar um pro outro.
- Ah... eu aprendi uns negócios muito bons.
- Negócio de quê?
- Ah, de tudo um pouco. É surpresa.
- Tu fazendo surpresa? Mais uma novidade. Nunca gostou...
- Eu sei. Mas agora gosto.

Naquele instante, Rodrigo lembrou de Maria levando-o até o alto da cidade no meio de um dia útil. Aquela vista mudou sua vida. Aquela preocupação em não se preocupar o havia ensinado muito. Rodrigo continuou falando com a mulher:

- Tem suco de abacaxi na térmica. Tu quer um pouco? Tá um calor dos infernos e ele tá geladinho... PUTZ! Eu esqueci! Tua gastrite, não consegue tomar, né?
- Quem disse, rapaz? Já curei! Pode passar pra cá.
- Desde quando? Quanto eu dormi?
- Bastante, Zé Ronco.
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Joana lembrou das dicas simples que William lhe havia passado pra se livrar daquela gastrite crônica. Agradeceu mentalmente a ele e pediu perdão por ter reagido no mesmo nível à grosseria dele.

Rodrigo hesitou um instante e continuou:

- Eu marquei o check-in para o meio dia, acho que vamos chegar com uma meia hora de antecedência. Dá pra tirar umas fotos na cidade. Mas depois do almoço eu já tenho todo um cronograma do que dá pra visitar, dos horários e tudo mais. Vai dar pra aproveitar bem o dia.

- Desde quando tu é tão organizado, marido? Tu não conseguia nem levantar com o despertador!

- Aprendi com a vida. Me respeita.

Larissa também tinha deixado a sua marca na vida de Rodrigo.

- Olha a revoada daqueles passarinhos ali... caramba, que bonito. Eu só tinha visto isso aí naqueles programas de “sei-lá-o-quê selvagem”.
- Tá bonito mesmo. – respondeu Joana. – Isso me lembra um poema com esse nome de “Revoada”, que li esses dias. Eu não me lembro de cor, mas lembro que chorei quando li.
- Tu lendo livro de poesia? Sempre me disse que era besteira, que tinha que ler livro de empreendedorismo e não sei o quê...
- Ué. Mudei. Agora eu gosto.

Artur tinha feito escola.

- Já que tu começou essa conversa dizendo pra gente encerrar logo esse assunto de passado e olhar pra frente, posso fazer uma última pergunta?
- Posso. – respondeu Rodrigo. – Mas depois deu.
Riram.

- O que tu leva de mais precioso desse tempo sem mim?

Rodrigo pensou por alguns instantes.

- Acho que é a capacidade de olhar pra uma relação com mais calma. Entender que ninguém é dono de ninguém, que cada um tem vontades e que tudo bem ter um ou outro conflito de vez em quando. Conversar, acima de tudo, resolve as coisas.

Rodrigo lembrou das longas conversas com Camila. Joana, ouvindo a resposta, lembrou da serenidade de Patrício.

Rodrigo estendeu a mão direita e Joana a segurou com a esquerda. Entrelaçaram as mãos e olharam para frente.
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Ficaram em silêncio, contemplando a estrada e deixando o vento bater no rosto pela janela do carro.

O ciclo do passado estava encerrado. As mágoas estavam enterradas. Eles estavam prontos.

No fim das contas, os atalhos os tornaram mais sábios.

Agora, eles sabiam exatamente para onde ir.

FIM

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⏰ Última atualização: Dec 14, 2018 ⏰

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