Capítulo 10

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No fim daquele dia, Rodrigo e Max estavam na sala vendo o jornal e tomando chimarrão. Os efeitos da ressaca ainda não tinham abandonado o corpo de Rodrigo. Max, já sabendo das condições do amigo, resolveu brincar:

- Eu tô muito feliz que tu entrou pro time dos “vidaloka”, cara.

Rodrigo não respondeu. Max continuou, entregando a cuia para o amigo:

- Mas sério, tu não gostou de nada mesmo? Tu parecia tão feliz na hora, meu...

Rodrigo esfregou os olhos e respondeu:

- É claro que eu gostei, Max. Maria é uma guria intensa. Sendo assim, tudo com ela é muito intenso. Da conversa à ação. Só que eu não tenho mais alma pra isso, cara. Tu ouviu o programa hoje?

Max riu alto.

- Tu parecia uma gralha, cara...

- E tu ri ainda? Pelo amor de Deus. Olha, eu vou dizer pra Maria que ela pode fazer o que ela quiser, mas que não consigo mais acompanhar esse tipo de coisa. Eu sei que sou meio quadrado e tal, mas ela me fez aprender em pouco tempo que posso confiar nela.

Rodrigo hesitou um pouco.

- Posso confiar nela, né?

Max adotou o tom sério que assumia sempre que ia falar algo importante. No resto do tempo, o que lhe importava era brincar e dar risada.

- Cara, ela dançou feito uma doida, mas nenhum cara chegou perto dela. É o tipo de guria que, se te dá a palavra, dá pra confiar. Eu sinto isso nela. Eu conheço muitas gurias e posso dizer que dá pra perceber quando uma é especial. A Maria é uma dessas. Não abre mão da liberdade que tem, mas parece gostar mesmo de ti. Vai sem medo, meu.

Rodrigo sorriu como forma de agradecimento. Max seguiu:

- E ela vem aqui hoje?
- Vem sim. A gente combinou. – respondeu Rodrigo.
- Tá certo. Manda um abraço pra ela. Eu vou dormir. Apesar de termos a mesma idade no papel e eu ser bem mais jovem que tu na teoria, também canso depois de passar uma noite inteira acordado.

Max deu aquele sorriso besta mostrando só os dentes da frente, como um coelho, e se recolheu. Rodrigo permaneceu na sala vendo TV e esperando Maria.
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Naquela mesma hora daquela sexta-feira, Joana preparava um jantar especial para William. Ela estava decidida a virar a página, fazer com que ele fosse seu namorado, nesses termos mesmo. Tudo era muito recente, muito rápido, mas ela já tinha vivido uma relação lenta. Precisava experimentar o outro extremo. Ignorou as palavras que Cristina disse mais cedo naquele dia:

- Amiga, eu incentivei muito no começo, mas agora tô bem preocupada. Tu tá decidida a pedir William em namoro um dia depois de chorar porque Rodrigo veio te devolver um título eleitoral, é isso mesmo? Será que tu não tá se precipitando um pouco?

Na hora, Joana fingiu não ouvir a recomendação da amiga, mas agora as palavras ecoavam em sua memória. Tratou de afastar tudo o mais rápido possível. William chegaria a qualquer momento e ela tinha preparado tudo com muito capricho e esmero. Comida simples, mas gostosa e que fizesse William se sentir em casa.

Ele chegou às 23h e elogiou o aroma da comida.

- Tá uma delícia esse cheiro na cozinha. Pra que tudo isso?
- Pra ti, meu lindo. É uma noite especial pra nós.
- É mesmo? – perguntou ele.
- É. Mas só vou te contar mais pra frente. Vamos comer?
- Vamos. – respondeu ele. – Nem jantei quando tu me disse que ia preparar algo especial pra mim.

Joana ficou feliz com o retorno afirmativo de William.

Sentaram-se à mesa e conversaram animadamente. William falou sobre novos programas de exercícios que estava aprendendo, a vontade de fazer uma pós-graduação na área de nutrição e sobre o quanto sua profissão tinha mudado sua vida. Joana ouviu atentamente e dividiu algumas coisas sobre a loja. O papo fluía muito bem, mas Joana sentiu que, de vez em quando, William parecia incomodado com algo. Ignorou a sensação por umas três vezes. Mas na quarta, perguntou se estava tudo bem. William disse que sim.
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O silêncio reinou na sala de jantar. Joana se admirou com o resultado de sua empreitada na cozinha e continuou comendo, sem perceber que William tinha comido apenas uma pequena porção de cada coisa. Feliz com a noite, apesar de alguns estranhamentos, sentiu o chão sumir debaixo de seus pés quando William a chamou:

- Ei, Joana...
- Sssim? – disse ela, meio de boca cheia, rindo e limpando os lábios com o guardanapo.
- Tu não acha que anda comendo demais?

Joana fingiu não entender.

- Como assim? – perguntou.
- Pizza quase todo dia, hoje já comeu quase o triplo do que eu comi, sendo que eu sou o triplo do teu tamanho... não vai adiantar muito fazer o treino que tá fazendo se continuar desse jeito...

Joana sentia as mãos suarem e as pernas tremerem. De raiva.

- Tá me chamando de gorda, William?

Ele estava sereno.

- É o meu papel como personal, não acha? Eu não posso me prender a padrões. Preciso dizer a verdade.
- A gente não tá numa academia... – respondeu Joana, incrédula com o que estava acontecendo.
- Tudo bem mas, é isso que tu quer? Ser gorda?
- E se eu quiser, qual é o problema? – Joana já estava furiosa.

- Eu era bem magrinho, fiquei forte. Quem me zoava era mediano e hoje é gordo. Eu rio muito deles quando encontro na rua. São muito engraçados. São fracassados, tu sabe, né? Não conseguem resolver os problemas que têm e resolvem comer até explodir. Gente ridícula.

Joana estava com o sangue na cabeça. Sentia o coração bombear sangue cada vez mais rápido.

- Sai da minha casa. – disse ela.
- Quê?
- Sai da minha casa agora.
- Joana, tá tudo bem, eu só tô te fazendo um alerta. Não disse que tu tá gorda, mas que comendo desse jeito vai ficar.

Joana respirou fundo.

- Tu tem razão. – disse ela. – Eu vou parar de comer agora.
- Tu não vai se arrepender. Quando ver o quanto a vida muda quando a gente vive regrado, vai me agradecer, linda. – e sorriu.
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Joana desistiu das palavras. A panela de macarrão com molho ainda estava na metade. Sem cerimônia, ela derramou tudo na cabeça dele, manchando a camiseta branca, a calça e a falta de vergonha na cara daquele ignorante.

Enquanto William ainda tentava entender o que tinha acabado de acontecer, Joana explodiu a mão na sua face direita, jogando o que restou de macarrão na cortina branca do apartamento.

- Nunca mais olha na minha cara. Volta pra tua academia e se enterra lá com teus amiguinhos do frango com batata doce, idiota.
Ela era forte por fora, mas não acreditava que aquele homem até então incrível pudesse ter aquele comportamento tão desprezível.

William foi embora sem dizer nada, mas deixando claro com o olhar que não perdoaria aquela indelicadeza, julgando que o que ele fez foi apenas avisá-la de algo que ela agradeceria depois.

Joana chorou no meio do macarrão espalhado pelo assoalho.

Rodrigo e Maria assistiam TV no sofá da sala, distraídos. Do nada, Rodrigo sentiu um aperto no coração. Vontade de chorar. Conteve com dificuldade. O nó na garganta era consistente.

Respirou fundo e abraçou Maria.

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora