Capítulo 33

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Rodrigo e Joana se beijavam com vontade. Havia ânsia e urgência do outro. Havia uma vontade de nunca mais ir embora daquele abraço. Os dois não conseguiam parar para conversar. Parecia que havia uma conta altíssima de carinho e entrega a ser paga. Foi Rodrigo quem voltou do devaneio, dando alguns passos para trás e se desvencilhando do abraço de Joana, levando as mãos ao rosto e com um semblante de arrependimento:

- É melhor a gente não confundir as coisas, Joana.

Ela estava confusa também, mas não estava com medo daquele momento.

- Eu sei que parece tudo estranho... mas acho que eu saí de casa pensando em te encontrar.

Rodrigo olhava para sua ex-mulher, agora, com medo.

- Eu não sei por que saí de casa.
- Porque tu queria encontrar o passado, Rodrigo. Eu te conheço como a palma da minha mão. – disse Joana, com carinho.

Rodrigo permaneceu em silêncio. Joana continuou:

- Não é possível que tu não tenha sentido o que eu senti agora...
- Eu não estou sentindo nada, Joana. Meu pai morreu hoje. Ainda estou anestesiado por essa pancada.
- Eu entendo. Entendo mesmo. E te peço desculpas se fui impulsiva agora há pouco... mas não posso negar que quando te encontrei me senti em casa de novo. Bem como me sinto aqui nessa cidade, nessa praça. Isso aqui é a nossa história. Nós dois somos isso aqui. Eu tenho sentido muitas coisas há muito tempo... embora tenha ficado com outras pessoas, é inevitável pensar em ti e em tudo que a gente viveu. Olha... eu sei que cometi muitos erros e ficar longe de ti talvez tenha sido o melhor remédio pra eu perceber todos eles. Talvez a gente tenha uma chance, Rodrigo.
- Eu acho que a gente tá misturando as coisas.
- Pode até ser. Mas eu não tenho dúvida do que estou sentindo agora.
- Pois eu tenho. – ponderou Rodrigo.
- Tem certeza?
- Tenho.
- Não é só teimosia?
- Olha como tu é. Quer sempre dizer o que é que eu sinto ou deixo de sentir.
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Joana recuou. Percebeu que estava repetindo um padrão de comportamento do tempo de casados. Respirou fundo e sentou-se ao lado de Rodrigo em um banco cercado de flores. Tomou as mãos de Rodrigo e olhou no fundo de seus olhos:

- Então deixa eu te dizer uma coisa importante. Sabe aqueles momentos da vida da gente em que dá um clique? Esse é um desses. Hoje de manhã eu nem poderia entender o que estava sentindo, mas agora está tudo muito claro. Não sei se foi esse fato triste que aconteceu, mas por alguns instantes, esses que estou aqui contigo, eu me reconectei comigo mesma. Sempre foi tu, Rodrigo. Eu contribuí muito pra que o nosso casamento desse errado. Hoje sei disso. Quando estava dentro dele, não sabia.

Os dois permaneceram por silêncio alguns instantes. Joana olhou para o céu estrelado e, quando percebeu, sua garganta agiu sozinha:

- Eu ainda te amo, Rodrigo.

Rodrigo, ao lado dela, de mãos dadas, deixou uma lágrima grossa rolar do rosto. Sem olhar para Joana, respondeu.

- Eu também te amo, Joana. Só que não sei se da mesma forma de antes.

Joana não se permitiu reagir com entusiasmo. Sabia, pelo tom, que Rodrigo não estava confortável com tudo aquilo. Rodrigo levantou-se e, depois de alguns passos desorientados, olhou para o fundo dos olhos dela para dizer:

- Tem outra. Nossa história foi bonita demais, por muito tempo, pra gente arriscar de novo. Eu não quero arriscar de novo. Ainda tenho muito respeito e amor por você, Joana. Não quero jogar isso fora também.

Joana tentou outra abordagem.

- Tu quer ficar sozinho um tempo? Eu te espero... pode pensar o tempo que quiser, é sério.
- Não, Joana. Eu não quero pensar.
- É isso mesmo que tu quer?
- É. Eu quero que tu se afaste de mim definitivamente. – disse Rodrigo, com firmeza.

Joana começou a chorar. Rodrigo permanecia irredutível.

- O que a gente sentiu aqui hoje não valeu nada pra ti?
- Eu tô muito triste pela partida do meu pai. Acho que aceitaria qualquer abraço.
- Entendi. – disse Joana, esgotada.
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- É sério, Joana. Segue a tua vida. Isso aqui nunca mais vai dar certo e, se a gente ficar fazendo isso, só vai se machucar mais.
- Tem certeza que é isso que tu quer?
- Tenho.

Joana levantou-se e tomou o rumo de onde veio. Rodrigo estava com o rosto firme e uma expressão grave. Não parecia estar dizendo aquilo apenas pela fragilidade de seu momento. Parecia algo claro para ele. Antes de perdê-lo de vista, Joana se permitiu um último argumento:

- Acho que, no fundo, eu nunca quis te esquecer. Eu posso te esperar mais um pouco, Rodrigo, mas não posso te esperar pra sempre. Preciso cuidar de mim.

Rodrigo deu de ombros e respondeu:

- Cuide de você. Eu vou me cuidar também. Prometo.

Naquele mesmo instante, Cristina, em Novo Porto lia a carta de Max, escrita há mais de dez anos:

“Me desculpe pelo que eu fiz. Eu nunca me importei muito com nenhuma guria, mas contigo foi muito diferente. Me arrependi da besteira que fiz no momento em que a estava fazendo. Eu sabia que estava jogando fora uma oportunidade verdadeira de ser feliz ao lado de uma guria incrível. E essa guria incrível é tu, Cristina. Eu sei que não mereço perdão mas, se te serve de consolo, tenho vivido dias miseráveis por saber que tu não quer me ver nem pintado de ouro. Se puder ser generosa comigo ao ponto de me perdoar, eu juro nunca mais trair a tua confiança. Eu sei que não te mereço, mas eu realmente te amo. Muito. Pra sempre. Se minha vida não for contigo, não vai ser com mais ninguém. Espero uma resposta tua. Qualquer dia, qualquer hora.
Com amor,
Max.
Novo Porto, 15 de julho de 2007.”

Cristina já estava em prantos. Lembrava bem da dor que foi descobrir que Max a havia traído. Ela estava apaixonada por ele. Desde o dia em que o conheceu, em uma das festas de aniversário de Rodrigo, o coração bateu forte. Em pouco tempo, estavam ficando escondidos de Joana e Rodrigo, por não saberem bem no que a história daria.
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Max jurava que estava tão apaixonado quanto mas, então, de uma hora para outra, passou a ser frio e distante até o dia em que confessou estar traindo Cristina há mais de um mês.

Ela jurou para si mesma que nunca mais se falariam. Nos eventos sociais que envolviam Joana e Rodrigo, fazia questão de estar o mais distante dele possível.

Antes que pudesse rememorar ainda mais o passado, percebeu que a carta tinha mais escritos no verso. Claramente, essa parte tinha sido escrita mais recentemente.

“Eu ia te entregar essa carta no dia em que escrevi. Eu sabia que tu iria trabalhar na loja da Joana e, por isso, fiquei próximo para poder te entregar. Mas tu estava com outro cara. Esse cara era teu novo namorado. Em pouco tempo, virou teu marido. E a minha coragem foi diminuindo em cada etapa. Fiquei com inúmeras gurias nesses dez anos, mas nunca consegui levar nada a sério. Porque, no fundo, eu ainda tinha algum fio de esperança que um dia tu voltaria. É coisa de gente louca, eu sei. Mas eu nunca fui muito certo das ideias mesmo e, por isso, alimentei a esperança sozinho. Agora, que soube que tu não está mais casada, resolvi cometer a insanidade de te entregar essa carta. Quem sabe tu comete a insanidade de acreditar em mim e a gente parte pra uma insanidade ainda maior de tentar ficar juntos? Eu tenho fé.
Falando sério, agora. Eu passei esses dez anos pensando em como seria se eu pudesse estar do teu lado. E é sério: não encontrei nenhuma guria, em toda Novo Porto, Milonga ou no raio que o parta, que seja um décimo do que tu era/é.
Se tu me quiser de volta, dez anos mais velho, com uns problemas psicológicos e completamente disposto a abrir mão de tudo por ti, eu não penso duas vezes.
Não quero mais te incomodar. Por isso mandei essa carta. Se quiser conversar, eu vou estar sempre pronto pra te receber. Se não quiser, eu prometo nunca mais te dirigir a palavra.
Com o mesmo amor de dez anos atrás,
Max.”
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Cristina soluçava profundamente. Tinha prometido a si mesma que jamais perdoaria aquela traição. Não pelo ato em si, mas pela quebra de confiança.

Não era o que ela queria, mas não dar retorno algum era o mais certo a fazer.

No alto da madrugada, Rodrigo pensou no quanto aquele dia tinha sido longo. Quando acordou, jamais imaginou que o dia seria daquela forma.

Ia só visitar o pai e voltar pra casa. No fim das contas, enterrou o pai e ficou ainda mais confuso ao reviver um passado glorioso com Joana. Contudo, parecia que aquele passado realmente não podia mais se encaixar no presente.

Depois de chorar por algumas horas lembrando do pai, Rodrigo resolveu focar totalmente em sua vida profissional. Agora, com experiência internacional e mais preparado, a chance de realizar o sonho de ser locutor em uma rádio de notícias não parecia mais tão distante.

A vida passava rápido demais para deixar os sonhos para trás. A partida do pai acendeu esse alerta em seu coração.

Joana, naquele mesmo instante, chorava abraçada em seu quarto adolescente. O coração estava apertado, mas ela tinha muito orgulho de pensar que finalmente conseguiu baixar a guarda e abriu o coração para Rodrigo. Aquelas palavras pareciam realmente sufocadas dentro de si desde o divórcio e com as experiências que o seguiram. Parecia um raro momento de lucidez.

Prometeu a si mesma que exercitaria isso dali para frente. Contudo, se Rodrigo realmente não a quisesse mais por perto, ela sabia que precisava esquecê-lo definitivamente.

Naquele instante, Joana percebeu que, finalmente, tinha crescido. Não era nem adolescente, nem criança. Se sentia, mais do que nunca, mulher.

É engraçado como o sofrimento e a alegria, em alguns momentos, podem se misturar.

Naquela mesma madrugada, em Novo Porto, alguém bateu na porta da casa de Max. Depois de certa insistência, Max levantou, de cuecas, e foi até a porta. Esfregou os olhos e abriu a porta.

Era Cristina.

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