Capítulo 13

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- Tu tem que melhorar essa cara de acabada, amiga. Vamos ali no depósito que eu vou fazer uma make que vai te fazer ficar plena.

Joana estava trabalhando praticamente de pijama. A grosseria de William e a comparação com o respeito de Rodrigo ainda batiam forte naquela semana.

- Eu preciso mesmo? – perguntou Joana.
- Precisa. Se os clientes entram aqui e veem que a dona da loja tá desse jeito nunca vão acreditar no poder de cosméticos e maquiagem. Vamos. Agora.

Contra a vontade, Joana seguiu Cristina que, enquanto a maquiava, retomou o discurso:

- Amiga, presta atenção em mim: tu tomou uma decisão quando terminou teu casamento. Tu sabe bem por quais motivos fez isso, a coisa já estava feia há anos. Não foi de uma hora pra outra. Então para de se culpar e achar que fez a coisa errada. Tu fez o que tinha que ser feito.

Joana ouvia atentamente. Não era do seu feitio. Ela costumava interromper Cristina tentando impor seus motivos. Esse costume começava, ali, a cair. Cristina continuou:

- Sobre William, eu até gostaria de dizer “eu avisei”, mas a verdade é que eu torci muito pra estar errada. E tá tudo bem. Eu não vou dizer “eu avisei” porque no teu lugar talvez eu fizesse a mesma coisa. O cara era lindo, gente boa, educado. Quem poderia imaginar que, do nada, largaria uma grosseria dessas?
- Ninguém. – respondeu Joana, com uma expressão digna daquele momento em que uma criança se acalma e para de chorar.
- Então é isso. Tu não é vítima, mas também não é culpada. É a vida. Tem dia que dá certo, tem dia que não. Deixa teu coração fluir um pouco mais tranquilo que vai ficar tudo bem, tá?
- Tá.
- Eu tenho uma proposta que acho que vai te fazer muito bem: vamos hoje à noite, só nós duas, pra um barzinho, ouvir uma música, tomar umas e outras, falar bastante bobagem e rir que nem loucas. Acho que vai fazer a diferença.
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Joana gostou da ideia e o dia fluiu melhor do que todos os anteriores. Joana era uma mulher muito forte, mas tinha dias frágeis em que Cristina tinha um papel determinante. Cristina era aquela amiga que devolvia a Joana a força que ela perdia em meio à dor.

No fim daquela tarde, Rodrigo passou na floricultura para buscar Maria. A menina estava radiante com a viagem do fim de semana que se aproximava e acabou contagiando ele também.

- Se tem uma coisa que eu amo nessa vida é praia e montanha. Eu mal posso esperar pra viajar contigo, Rodrigo.
- Eu também tô bem feliz, linda. Acho que vai ser muito bom, apesar de eu ter concordado contigo só pra poder dormir de novo.
Os dois riram.
- Sabe, Maria, eu nunca imaginei que uma relação como essa aqui poderia funcionar.
- Ah, é? Por quê?
- Porque eu nunca acreditei que dava pra ter vida individual quando se está num relacionamento. Talvez eu tenha sido ensinado a fazer tudo em dupla.
- Ensinado por quem?
Rodrigo hesitou por alguns instantes. Maria fez uma nova pergunta:
- Sua ex-mulher?
Rodrigo continuava pensando. Joana nunca disse a ele que não podia fazer as coisas. Nos últimos anos do casamento, reclamava pelo fato de ele passar pouco tempo útil com ela, mas não conseguia lembrar de nenhum momento de repressão a saídas com amigos ou coisa do tipo. De toda forma, a conversa era com Maria e ele precisava responder:
- Eu não sei bem de quem acabei absorvendo esse conceito.
- Tu não conversava com tua mulher sobre fazerem coisas separados?
Maria encurralava Rodrigo de novo.
Nos últimos anos, conversa foi uma coisa que faltou bastante entre ele e Joana. Muitas coisas foram subentendidas de forma errada.
Rodrigo disse que era melhor mudar de assunto e Maria concordou. Começaram a tratar da viagem animadamente e de todo roteiro que fariam.
Sairiam na sexta-feira à noite para aproveitar o sábado todo, acordariam cedo no domingo para ver o pôr do sol entre as montanhas e voltariam pelas 10h da manhã.
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Assim, haveria tempo de Rodrigo buscar Max em Novo Porto e partirem para Milonga ao encontro de carros antigos.
Rodrigo ensaiou convidar Maria para o evento, torcendo para que ela dissesse não, mas nem precisou:
- Rodrigo... tá na cara que isso é uma coisa que tu quer fazer com teu amigo. Eu não vou ter muita paciência pra isso.

Assim que Rodrigo deixou Maria em casa, ela comunicou que sairia naquela noite com um amigo para uma festa.

- Amigo? – perguntou Rodrigo.
- É. – respondeu Maria.
Rodrigo ficou desconfortável com a situação. Embora sentisse que estava se acostumando a essa nova proposta de relacionamento, não pôde conter um pouco de ciúmes.
- Desculpa, Maria, é que meio esquisito pra mim, sabe? Tu vai sair com um amigo, a gente tá junto e tal...
- E o que tem?
- É amigo de infância pelo menos?
- Não, não. É um ex-namorado. Nos tornamos muito amigos depois do fim.

Antes que Rodrigo pudesse relutar, Maria continuou:

- Eu não vou aceitar nenhum tipo de censura, Rodrigo. Ou você confia em mim, ou não confia.

Apesar da guerra que se instaurava entre seu coração e sua cabeça, Rodrigo entendeu que a prerrogativa era correta. Ou ele confiava, ou não confiava. Confiou.
Maria lhe entregou um beijo apaixonado e disse que entendia que era tudo muito novo pra ele, mas que essa era sua vida. Ela gostava de estar com as mais diferentes pessoas que lhe fizessem bem. Sua fidelidade estava com Rodrigo, mas isso não a impediria de ver, conversar e sair com quem bem entendesse.

- A gente se vê amanhã à noite pra nossa viagem. Eu tô muito ansiosa!
- Eu também. – respondeu Rodrigo, um pouco menos animado.

Naquele horário, Cristina e Joana estavam num barzinho conversando e rindo muito. Em dado momento da noite, a conversa ficou mais séria:
- Sabe por que eu acho que quis ir tão rápido com William?
- Por quê?
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- Porque ele nunca me censurou. A lembrança que eu tenho do início do relacionamento com o Rodrigo é de muitas coisas boas, mas é de muito ciúme também. Sabe como é, né? Cidade do interior, “as pessoas podiam falar”. Eu ficava indignada com isso, mas ao mesmo tempo meio que aceitava, sabe? Acho que a gente foi educada no meio disso e acabou achando que estava certo.
- É, isso é. Mas as coisas mudaram depois, né?
- Mudaram sim. Mas volta e meia ele tinha uns ciúmes meio descabidos de novo. Principalmente no final. Uma noite eu me arrumei pra sair contigo e as outras gurias da faculdade e ele me disse que eu estava “vestida pra trair”. Aquilo me ofendeu muito. Ele pediu mil desculpas no dia seguinte, mas eu nunca esqueci. Eu nunca o trairia, assim como sei que ele nunca me trairia, mas às vezes ele ia um pouco além da conta com as palavras.
- E isso pesou muito na hora de se separar?
- Demais. Embora ele tivesse me pedido desculpas depois, a cena de ele me dizendo essas coisas nunca saiu da minha cabeça. Se ele tivesse dito de outra forma eu entenderia, a gente poderia conversar pra resolver, mas ele decidiu partir pra uma acusação completamente sem fundamento. Isso me dói até hoje.
- Eu entendo, amiga. Entendo mesmo. Eu sou casada e sei que às vezes a gente diz coisas que marcam pra sempre. Mas às vezes é sem querer. O que é preciso mesmo é conversar pra aparar as arestas e seguir em frente.
- Isso faltou muito pra gente, pode ter certeza. Nos últimos anos nós éramos estranhos dentro de casa.
- Eu sei, mas você precisa perdoar esse Rodrigo que te magoou e ficar só com as lembranças incríveis do que vocês viveram. Só assim tu vai conseguir partir pra outra sem comparações. Isso é fundamental.
- Engraçado é que nenhuma das brigas que eu tive com o Rodrigo me deixou tão magoada quanto essa com William. Sei lá, com Rodrigo eu sabia que tinha muito mais coisas boas que ruins. Era algo consciente, sabe?
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- Sei. Mas já chega de falar de Rodrigo. Vamos pedir mais um chope que tá na hora. – propôs Cristina.

Rodrigo voltou para casa e começou a arrumar as malas para a viagem com Maria. A animação do início da noite tinha se transformado em preocupação. Sair para um bar com ex-namorado? Por muito menos que isso ele sabia que já tinha sido grosseiro com Joana e agora o arrependimento batia mais do que nunca. Lembrou da noite em que disse que ela estava “vestida para trair”. A verdade é que o ciúme era tanto que ele não era capaz de dizer o que realmente achou da mulher naquele dia: ela estava linda.

Esses pensamentos corroeram seu coração por quase toda a noite. Pediu perdão mentalmente a Joana por tê-la feito sofrer com seu ciúme. Com Maria, ele não poderia repetir esse erro. Tinha aprendido a lição.

Joana chegou em casa e deitou na cama. Pôs a mão no bolso do casaco e sentiu que havia um papel ali. Retirou uma folha de caderno cuidadosamente dobrada que dizia assim:

“Um riso encantador com olhar de sofrimento
Haveria contradição mais agridoce?
Parece brisa a tentar acalmar o tormento
Tão feliz seria eu se minha fosse...”

Você é linda. Obrigado por me alegrar com seu sorriso.

O bilhete era anônimo. Joana achou de uma delicadeza grande (embora o verso fosse meio brega, achou bonitinha a parte mais pessoal), ao mesmo tempo em que teve medo. Será que estava sendo observada, naquela noite, no bar?

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora