Capítulo 21

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- Então, pai. Eu deixei pra falar isso no final da minha visita.

Seu Reinaldo fez aquela expressão de quem se prepara para uma notícia ruim. O rosto se contraiu. Rodrigo continuou:

- Eu ganhei uma bolsa de pós-graduação nos Estados Unidos, pai. Vou ficar lá por um ano.

O velho se dividiu entre um sorriso de alegria e outro de nostalgia. Rodrigo não visitava tanto assim, mas era o único filho. Um ano longe podia ser muito. Ainda assim, deu a sua bênção sem deixar a emoção atrapalhar. Seu Reinaldo não gostava de chorar na frente do filho.

- Então vai, meu filho. Vai. Tu merece muito isso aí. Sempre te esforçou muito. O pai tá muito contente por ti.

Seu Reinaldo sorriu sem graça e abraçou Rodrigo com muita força. A recíproca foi verdadeira. Rodrigo se entregou ao abraço do pai como nunca.

Foi a Milonga na sexta-feira à noite e colocou o celular no modo avião. Ele pegaria um avião de verdade em alguns dias, mas também queria estar isolado de qualquer comunicação para passar um fim de semana à moda antiga com o pai.

Na sexta à noite foram ao pequeno bar da esquina em que Rodrigo sempre ganhava fichas de fliperama na infância. Os amigos de seu Reinaldo se surpreenderam com o tamanho do guri que não viam há bastante tempo.

No sábado, foram juntos colher algumas frutas e, à tarde, para o centro da cidade ver um jogo de futebol do campeonato amador. Riram. Conversaram.

No sábado à noite, só os dois, prepararam um generoso arroz carreteiro com linguiça e comeram até morrer no sofá com uma xícara de chá de boldo no colo.

Seu Reinaldo roncava alto. Rodrigo riu. Há bastante tempo não fazia isso com o pai e ficou feliz como nunca de estar ali. Nenhum de seus problemas amorosos fazia diferença naquele momento.

Dormiu ao lado do pai, no chão da sala, enquanto o velho roncava alto no sofá.
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Pensou na dinâmica de sua vida. Em algumas semanas, estaria tão longe do pai que chegava a dar medo. Ao mesmo tempo, sabia que sempre teria para onde voltar. Naquele fim de semana, Rodrigo era só um gurizinho sob a guarda do pai.

No domingo, fizeram churrasco juntos, assistiram futebol na televisão e, por fim, conversaram sobre coisas do passado. Conversaram sobre como a vida muda.

Seu Reinaldo retomou o fim de semana enquanto abraçava o filho. Sentia muita saudade dele todos os dias. Mas não queria parecer carente demais. Não se permitia transmitir fraqueza.

Rodrigo saiu do longo abraço e foi até a mochila. Dela, tirou um smartphone e entregou ao pai:

- Eu sei que tu não gosta muito de tecnologia, mas vai ter que aprender pra poder falar comigo. O Max vai vir aqui de vez em quando pra poder te ajudar com qualquer dúvida.

- Eu não sei mexer nesses troços, Rodrigo! Sou do tempo do rádio a bateria, não tem jeito de eu aprender isso aqui...

- Pai... pra falar comigo...

- Tá bom, tá bom. Me ensina, vamos ver se aprendo alguma coisa.

Pai e filho continuaram ali por algumas horas e seu Reinaldo achou tudo mais fácil do que realmente imaginava.

Quando Rodrigo já ia saindo pela porta, seu Reinaldo lançou um último apelo:

- Filho...
- O que foi, pai?
- Não tem mais volta com a Joana mesmo?

Rodrigo engoliu em seco. Lembrou do abraço nela no dia do assalto, que não tinha contado para o pai. Na sequência, lembrou da indiferença dos dias seguintes e da mensagem que ouviu no rádio no dia que voltava de Milonga com Max. Contendo uma lágrima, respondeu:

- Não, pai. Mas tá tudo bem, viu?

- Tá certo, meu filho. Era só pra saber mesmo. Vai com Deus.

- Obrigado, pai.

Voltando a Novo Porto, não pôde deixar de escapar os olhos para a casa de Seu Valdir e Dona Ana, pais de Joana. Tantas vezes ele passou por ali em metade da vida, mas agora precisava passar reto. Devia passar reto. Da casa, de Joana, de Maria, do Brasil. Era hora de pensar em si, exclusivamente em si.
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Durante aquela semana, as conversas entre Joana e Artur evoluíram consideravelmente via WhatsApp. Eles falaram sobre música, literatura, programas de TV, capitalismo e mais um monte de papos-cabeça. A conversa de Artur fluía bem, e Joana gostava disso.

Em nenhum momento ela permitiu que a conversa evoluísse, por mais que Artur tentasse levá-la para o lado sentimental. Havia muita coisa em jogo. Ele sabia disso. Abriu mão de uma bolsa nos Estados Unidos por Joana. Estava verdadeiramente apaixonado.

No fim de uma tarde qualquer, Joana viu uma carta na caixa de Correio que não era boleto.

Abriu.

“Oi, Joana.
Sei que a gente se fala pelo celular, mas eu ainda sou meio analógico.
Nada de poemas hoje.
Eu só quero dizer o quanto estou feliz de poder conversar contigo e saber as coisas que tu pensas.
Há muito tempo estou sozinho e me encantei por você desde a primeira vez que te vi. Percebi que não é só por fora que tu és bonita.
Conhecer os teus gostos e ter o privilégio de te conhecer é uma coisa que eu nunca vou esquecer.
Independente do que acontecer daqui pra frente, tu já está marcada na minha alma, Joana.
Com amor,
Artur.
P.S.: Eu ficaria muito feliz se um dia desses a gente pudesse tomar um café.”

Na loja, Joana mostrou a carta para Cristina.

- Meu Deus, que coisa mais fofa esse guri, Joana! Pelo amor de Deus! O que tu tá esperando pra sair com ele?

- Eu não sei. Não quero me envolver tão cedo. O papo tem fluído bem à distância e sobre coisas legais de se conversar. Não quero estragar isso.

- Eu não vou nem responder. Não teria a tua paciência.

- Na última vez que não tive paciência um cara lindo me chamou de gorda.

- O que gerou mais impaciência e tu tacou uma panela de macarrão nele, né miga?

Cristina riu. Joana permaneceu séria. Cristina retomou:

- Enfim, desculpa. Como eu te falei, a tua vida é mais emocionante que a minha. Por isso minha euforia.
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Cristina disse isso com certa tristeza.

- Tem certeza que tá tudo bem, Cristina?

- Tenho sim. Só as coisas que estão um pouco difíceis lá em casa.

Um cliente entrou e elas não conseguiram continuar a conversa.

No fim do dia, Joana disse para Cristina que estava ali para o que ela precisasse. A amiga agradeceu, mas disse que era só uma fase ruim mesmo.

Ao chegar em casa, Joana resolveu, como uma adolescente, guardar a carta de Artur em uma caixa de lembranças. Esqueceu, por um instante, que a caixa de lembranças era praticamente um HD externo de sua vida com Rodrigo.

Ao retirá-la de cima do armário, viu a caixa se abrir e esparramar tudo que estava dentro. Uma carta do Rodrigo de 15 anos caiu sobre seu peito. Não resistiu e releu:

“Joaninha,
Aquele beijo no clube foi incrível. Eu tô gostando muito de ti.
Não me importa que o Max diga que eu tenho que sair por aí e te esquecer um pouco.
Eu quero passar o resto da vida contigo. Já tenho certeza disso.
Na verdade, a gente sempre esteve junto. Eu só quero continuar o que é natural.
Te chamei de Joaninha porque sei que tu não gosta. E quando tu fica brava, fica mais bonita ainda.
Teu Rodrigo.”

As lágrimas vieram como uma cachoeira.

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora