- Cr... Cristina?
- Não, é a tua vó. – disse Cristina, ríspida.
- Tu... leu a carta?
- Li. E vim aqui jogar de volta na tua cara.
- Por favor... entra, vamos conversar.
- Eu vou entrar, sim. Quero dizer tudo que não disse naquele tempo.
Max deu passagem. Já eram mais de duas da manhã. Cristina sentou-se em uma cadeira e Max mal podia acreditar que ela estava ali. Rodrigo ainda estava em Milonga. Eram só os dois em casa.
Cristina permanecia em silêncio. Max tentou puxar assunto pelo fato do dia.
- Que tristeza o seu Reinaldo, né? Acho que a gente nunca tá pronto pra isso.
- A gente nunca tá pronto pro inesperado, Max. A gente nunca tá pronto pra ver alguém que a gente ama nos trair.
Max baixou a cabeça pelo peso do chapéu que encaixou.
- Acha que é fácil assim? Me meteu um par de chifres sem a menor cerimônia há dez anos, saiu pegando todo mundo que viu pela frente e agora, de uma hora pra outra, só porque eu me separei, acha que pode chegar devastando a minha vida de novo?
- Tu tem razão sobre tudo isso, Cristina. Eu sei que tem. E não é balela, não é por nada. Eu sei que não tenho muito crédito contigo, mas eu juro que o que escrevi na carta é verdade. Eu não consegui namorar com mais ninguém porque, no fundo do meu coração, ainda tinha uma esperança da gente voltar. Mesmo quando tu se casou. Mesmo quando a gente perdeu contato.
- Tu só pode ser louco.
- Eu até posso ser louco, mas disse na carta que se tu não quisesse mais se incomodar comigo era só não me procurar mais. Essa visita representa alguma esperança de tu me perdoar um dia e a gente tentar de novo?
Cristina ficou sem ação. Seu discurso não se alinhava com sua atitude. Ainda assim, foi firme:
- Não. Eu só precisava vir aqui e falar tudo isso na tua cara. Desengasgar o que tá na minha goela há dez anos. Eu fui muito feliz com o Olavo, mas a gente nunca esquece uma traição. Nunca, Max. Nunca.
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- Eu te entendo, Cristina. Eu não acho que mereça perdão por aquilo. Mas sei que tu é maior que isso. E eu juro, pela minha vida, que caia um raio na minha cabeça, que se agora, dez anos depois, tu me der outra chance, eu nunca mais vou te decepcionar nesse sentido.
- Não sei se dá pra confiar. Não acredito em ti.
- Tu vai achar que é mentira, mas faz mais de seis meses que eu não fico com ninguém. Antes de entregar a carta pra Joana, passei algumas vezes na frente da loja de vocês e fiquei pensando se era o certo a fazer. Entenda, Cristina, não faria sentido eu me expor desse jeito se realmente não quisesse voltar contigo. Não faria sentido eu chorar todas as noites. Não faria sentido eu não conseguir me envolver com ninguém por mais de um dia depois de todos esses anos. Às vezes aquele que parece mais feliz é o mais triste.
Cristina baixou um pouco a guarda. Logo depois, a raiva deu lugar à vulnerabilidade.
- Tu tem noção do quanto eu chorei naquele dia? Tu tem noção do quanto eu era apaixonada por ti?
- Era?
- Era. Não força as coisas. Se tudo que tu diz é verdade, o erro foi teu de não ter dito antes, ter sido covarde.
Max silenciou. Cristina tinha razão.
- Eu pensei numa vida contigo, Max. Eu tinha planos pra nós dois que, até onde eu sabia, tu compartilhava comigo. Tudo bem que não foi tanto tempo, tudo bem que a gente namorou escondido da Joana e do Rodrigo pra que eles não botassem pressão em a gente ser a duplinha de casais tradicional. Mas eu sonhava com isso no futuro, sabe?
- Eu nunca mais consegui conversar com a Joana direito depois que a gente terminou. Sempre me afastei ou impliquei com ela porque tinha medo que ela me falasse de ti, que tu tava feliz. Apesar de eu querer muito a tua felicidade, queria que fosse do meu lado.
- Tivesse pensado melhor antes de fazer merda. Olavo me fez muito feliz.
- Fez mesmo? Então por que se separaram?
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- Porque histórias podem acabar bem, sua criança barbada. Eu vou amar Olavo pra sempre pelo respeito que ele teve comigo em todos os momentos. A gente não combinava mais como casal, mas ele me deu muita alegria na vida. Bem ao contrário de ti.
Os argumentos de Max se esvaíam a cada fala de Cristina. Depois de um pequeno hiato em que os dois começaram a chorar discretamente, Cristina pegou a bolsa e foi em direção à porta.
- Tem alguma chance de tu me perdoar nessa encarnação?
- Eu não sei, Max. Provavelmente não. Mas eu realmente precisava vir aqui pra olhar no teu olho e entender se esse arrependimento é real. Ainda não sei se é. Preciso pensar.
- Eu te espero. O tempo que for. Vou estar aqui sempre pra ti.
- É tu quem sabe.
- Posso pelo menos te dar um abraço antes de ir embora?
- Não. Tu não merece.
Max ficou observando Cristina ir embora com lágrimas nos olhos. Foi então que ela completou com um olhar ingênuo e contraditório:
- Não merece ainda.
Aquela pequena frase foi um alento para a dor que Max sentiu no peito ao ver o sofrimento que causou a ela no passado. Aquelas três palavras eram a esperança a que Max se agarraria nos próximos tempos.
Os meses se passaram e Rodrigo estava focado em conseguir o emprego na rádio de notícias de Novo Porto, a NVP News. Contudo, a oportunidade não surgia e, para equilibrar as contas, Rodrigo acabou voltando para a Rádio Novo Porto, onde seu “Manhã de Alegria” ainda o esperava.
O dono da Rádio Novo Porto realmente gostava muito de Rodrigo e imediatamente o colocou de volta ao ar. Contudo, apesar da insistência do funcionário, nunca permitiu um novo formato de programa, nem mesmo agora que Rodrigo tinha novos conhecimentos e podia empregá-los na pequena rádio.
- A gente pode se tornar a fonte das notícias das pessoas no carro, das 6 às 9h da manhã, com tudo que quem sai de casa precisa saber... notícias na maioria locais e um pouco de Brasil e mundo. O senhor realmente acha que não daria certo?
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- O povo daqui gosta é de música, Rodrigo. Tu vai tão bem nisso... pra que mudar?
A contragosto, mas por respeito ao empregador que por tanto tempo o acolheu, Rodrigo voltou ao ar.
A falta de contato entre Joana e Rodrigo não era apenas pela conversa triste que tiveram no dia da morte de seu Reinaldo. Ambos estavam com problemas profissionais.
Em certa tarde, Joana abriu para Cristina as contas da loja. As dívidas se acumulavam há alguns meses e o medo de não conseguir dar a volta era gigantesco. Joana dormia pouco, mas dessa vez, por pensar no que poderia fazer para salvar a loja que tanto batalhou para construir.
Mais seis meses se passaram e, envolvidos em seus problemas profissionais, Joana e Rodrigo acabaram por, naturalmente, se afastar quase que definitivamente. Joana ainda pensava no tanto de amor que sentiu naquela noite em Milonga, mas a ausência de Rodrigo era tão presente que ela entendeu que, de fato, ele falava sério. Não queria mais que suas vidas se cruzassem.
Em uma manhã qualquer, no intervalo de um “Manhã de Alegria”, Rodrigo recebeu uma ligação.
- Rodrigo Meira?
- Sim, é ele. Quem é?
- É Edson Silva, gerente de jornalismo da NVP News.
O coração de Rodrigo parecia ter parado.
- O... oi Edson! Tudo bem? Diga! Como eu posso te ajudar?
- Então. A gente viu teu currículo aqui e temos ouvido teu programa na Novo Porto. Tua voz é boa e estamos precisando de alguém das 6 às 9h pra um noticiário bem dinâmico. Topa o desafio?
Rodrigo estava incrédulo e já ia aceitar a proposta antes de ouvir qualquer outra coisa. Foi quando o gerente de jornalismo completou.
- Eu não sei quanto tu ganha aí, mas a gente te oferece o dobro pra vir pra cá. Realmente gostamos de ti e queremos teu conhecimento de fora do Brasil pra renovar a NVP. E então? Quanto tu quer pra sair daí?
- Estou indo pra aí. Só vou terminar o programa aqui.
- Assim que se fala! Te espero!
Rodrigo desligou o telefone e imediatamente ligou para Max para poder contar a novidade.
- Cara, o pessoal da NVP me ligou!
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- Tu tá de brincadeira... o teu programa? Vai rolar?
- VAI! ACONTECEU, CARA! Tô indo lá agora à tarde!
- Que demais, meu. Tu merece muito. Vai ser um sucesso. Que horas vai ser o programa?
- 6 às 9. Pra pegar o pessoal que tá saindo de casa e no trânsito.
- Desculpa, nunca vou te ouvir. Mas parabéns!
Rodrigo riu do outro lado da linha. Parecia que, finalmente, as coisas estavam se encaixando. Era uma pena que não pudesse ligar para o pai para dividir aquela conquista. Contudo, sabia que, de algum lugar, seu Reinaldo abençoaria sua nova etapa.
Joana, sozinha na loja depois da saída de Cristina, pensava em quanto tempo ainda sobreviveria. A dívida era grande e as vendas, pequenas. Num último ato de desespero, juntou as economias que tinha para contratar uma consultoria financeira. Naquele dia, seria a primeira reunião.
Às 19h, entrou pela porta um homem alto, de terno e gravata. Tinha olhos que se apertavam quando sorria. O cabelo era alinhado e ele usava um perfume muito agradável. O queixo quadrado dava forma a um rosto razoável, mas estava longe de ser um galã. Contudo, o modo de se portar o tornava mais bonito do que realmente era. Joana se levantou para recebê-lo e, depois de um aperto de mão firme, se apresentaram.
- Muito prazer, Joana Teixeira.
- Patrício Moreira, e o prazer é todo meu. Vamos fazer essa loja decolar de novo?
- Vamos, pelo amor de Deus.
Os dois riram.
Depois de mostrar todos os números e a forma com que a loja chegou àquela situação, Patrício se mostrou surpreso e deu um diagnóstico:
- Olha, teu problema não foi falta de organização. Definitivamente. Tu só teve, impressionantemente, muito azar com algumas coisas. Algumas pequenas falhas estratégicas também, mas nada impossível de corrigir. Olha, eu tenho 35 anos de idade e 15 de consultoria. Posso te garantir que já fiz empresas em condições muito piores dobrarem de tamanho.
- É sério isso? Não tá dizendo só pra me tranquilizar?
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Patrício olhou no fundo dos olhos dela e disse:
- Eu te garanto que, em seis ou sete meses, tu vai estar ganhando dinheiro como nunca ganhou antes. Só precisa confiar em mim.
Patrício falava com tanta certeza que era praticamente impossível não confiar.
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Meu caminho sem você
Romance(HISTÓRIA COMPLETA) Rodrigo e Joana se conheceram ainda crianças. Foram o primeiro amor um do outro e começaram a namorar com 15 anos. Aos vinte, casaram. Aos trinta, numa cidade maior, se separam. Tudo parece tomar outro caminho. Mas, afinal, como...