Capítulo 45

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Depois de uma rápida reunião por volta das 5h30min, Rodrigo sentia o estômago revirado. Dormiu mal, não comeu. Não conseguiu colocar quase nada no estômago e este já reclamava com firmeza da falta de atenção.

Acima de tudo, Rodrigo queria tentar ser profissional, mesmo tão pouco tempo depois de ter descoberto com os próprios olhos a traição de Camila.

Detestava essa situação, mas procurava dentro de si, incessantemente, o momento exato em que tinha deixado as coisas saírem do controle. O momento exato em que ele passou a ser desagradável dentro de casa por conta do trabalho. O momento exato em que Camila decidiu que trairia aquela história tão lindamente construída naqueles, agora curtos, dois anos e meio.

Todos na redação sentiram a falta de sintonia e proximidade dos dois. Era totalmente aparente. Ninguém era capaz de dizer que os dois tinham problemas em casa quando se abria o microfone. A sintonia dos dois no ar permanecia intacta.

Camila se mantinha reservada e em silêncio. Sentia-se mal por tudo que tinha acontecido, mas ao mesmo tempo, não conseguia se arrepender. Sentiu Rodrigo tão distante naqueles meses de trabalho desenfreado que entendeu que só algo muito grave o faria despertar. De toda forma, nunca pensou que ele não a perdoaria. Achou que ele reconheceria seu erro e daria um novo rumo à relação.

Era triste ver como Rodrigo e Camila se perderam. Eles eram feitos um para o outro, sem nenhum tipo de demagogia. Foi uma curva na estrada. Um erro de um para um erro de outro. O peso, cabia à consciência de cada um decidir.

Ainda com o estômago revirado, olheiras profundas e muito cansado, Rodrigo sentou ao lado de Camila sem olhar para ela. Na sala em frente, estava o operador de áudio com quem ele encontrou a mulher no dia anterior. Pela primeira vez na vida, Rodrigo sentiu a pressão de entrar ao vivo. Tinha muita gente que ele não queria ver naquela sala.

Contudo, respirou fundo e se deixou ouvir a vinheta de abertura:
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“Dos estúdios da NVP News, de Novo Porto para todo o Rio Grande, começa agora o jornal que você precisa ouvir para encarar o mundo sabendo antes e sabendo melhor. Noticiário local, nacional e internacional, previsão do tempo, trânsito e os melhores comentaristas do estado com informação e opinião. Bem-vindo ao NVP Manhã, com Rodrigo Meira e Camila Ventura”.

Rodrigo empregou na voz a expressão oposta à que carregava nos olhos. Contudo, deu para perceber na primeira interação com Camila que eles não estavam mais juntos.

- Muito obrigado a você que nos acompanha. Agora, os destaques do dia, com Camila Ventura.

Os integrantes da redação que ainda não tinham ideia do ocorrido, se entreolharam. Havia um questionamento coletivo de “ele não vai fazer nenhuma bossinha? Nunca falou seco assim pra ela ler as manchetes!”

Camila continuou:

- Bom dia, Rodrigo, bom dia a todos. As obras do acesso sul de Novo Porto estão, finalmente, chegando ao fim. Pra saber melhor quando e de que forma o trânsito será liberado, vamos à nossa unidade móvel com Márcia Almeida. Bom dia, Márcia, quais são as novas por aí?

Rodrigo não ouviu nada sobre o novo acesso. Aproveitava a entrada dos repórteres externos para ficar completamente aéreo e fingir que não vivia o que vivia.

De toda forma, era ele que operava o celular da rádio durante o programa. Naquele dia, as mensagens não continham perguntas sobre trânsito ou meteorologia. Praticamente todas perguntavam: “está tudo bem entre vocês”?

Dentre todas as mensagens, uma chamou a atenção de Rodrigo. Tinha o link de uma reportagem em um site de fofocas da cidade com o seguinte título:

RODRIGO MEIRA E CAMILA VENTURA PASSAM A NOITE SEPARADOS: SERIA O FIM DO CASAL MAIS QUERIDO DE NOVO PORTO?

Rodrigo ignorou algumas vezes, mas, no decorrer do programa, o número de mensagens com aquele conteúdo aumentava. Era impossível ignorar.

Perto do encerramento, respirou fundo mais uma vez e tomou o microfone para dizer:
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- Queridos ouvintes, sei que esse é um espaço jornalístico sério e em que a notícia é levada com responsabilidade, isenção e, principalmente, relevância. Contudo, pela companhia de todos os dias, sinto que devemos uma satisfação importante para todos vocês que nos dão carona ou nos fazem de companhia no trabalho. Camila e eu não somos mais um casal.

Nesse momento, o diretor da rádio torceu o nariz em sua sala. A redação temeu que Rodrigo pudesse perder a compostura de alguma forma. Contudo, ele continuou firme:

- O fim do nosso relacionamento não afetará em nada a nossa convivência profissional. Nosso compromisso continua sendo a comunidade novo-portense e aquilo que verdadeiramente interessa: fazer um jornalismo sério.

Camila se aproximou do microfone e, calmamente, disse:

- Obrigada, Rodrigo. Faço minhas as suas palavras. Nada muda no campo profissional. Ainda mantemos respeito e carinho um pelo outro.

Rodrigo sentiu o sangue ferver. Mesmo que ela quisesse amenizar, da mesma forma que ele, o impacto da notícia sobre a audiência, dizer que ainda manteriam “carinho um pelo outro” era um pouco demais.

A vinheta de fechamento do programa tocou e Rodrigo levantou-se, impaciente, cravando em Camila um olhar de desprezo e amargura. Quando passou os olhos pela cabine de engenharia de áudio, o operador carregava um sorriso irônico discreto, porém insuportável, no canto dos lábios.

Não fosse a casca que Rodrigo tinha desenvolvido em todos aqueles anos para lidar com pessoas dos mais variados tipos, talvez tivesse jogado tudo para o alto e esfregado a cara daquele operador maldito na mesa de som.

Camila tentou uma última conversa com Rodrigo, mas ele estava irredutível.

- Rodrigo, será que a gente pode conversar?
- Não. Eu não tenho mais nada pra falar contigo pessoalmente. A partir de agora somos só colegas de trabalho. Sobre a tua vida, vai conversar com esse aí que não deve ser nomeado. Fica com ele. Vocês se merecem.

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À tarde, Patrício chegou na loja matriz de Joana animado depois de mais uma manhã de consultorias em várias empresas.

- Ficou sabendo da última? – perguntou ele.
- Não fiquei sabendo de nada... hoje de manhã fiz tanta coisa que nem sei onde eu tô... – disse Joana, confusa em meio a milhares de papeis.
- Seu Rodrigo Meira e dona Camila Ventura estão separados.

Joana não ouvia mais o programa há algum tempo. Rodrigo já não era uma preocupação há bastante tempo, mas se sentiu mal pelo ocorrido. Achou estranho também o comportamento de Patrício. Ele não era muito dado a fofocas. Depois de um breve hiato, respondeu ao noivo:

- Puxa vida. Que pena. Sinto por eles. Hoje consigo ver que eram um casal legal.
- Parece que foi traição. Eles falaram no ar que tá tudo bem, mas a cidade inteira tá falando.

Aquilo mudava um pouco de figura a reação de Joana. Ela sabia o quanto Rodrigo era uma pessoa leal. Sabia também que algo assim, provavelmente, o deixaria destruído. Mas, mais uma vez, já tinha quase dois anos que nem se viam mais. As coisas com Patrício iam bem. Ela tinha se dado uma chance de ser feliz definitivamente junto dele.

- Ah... Isso é horrível. Mas... por que tu tá se interessando nisso? Nunca foi muito dado a fofoca... mudou de ideia?
- Não, não. Não sou ligado em fofoca mesmo, mas é que só se falou disso hoje a manhã inteira. Acabei pensando em comentar contigo. Mas foi uma ideia idiota mesmo.

Joana saiu de trás do balcão e enlaçou os braços em Patrício. Havia paz entre eles.

- Obrigada por ter aparecido na minha vida. Além de estar ao lado de alguém incrível, expandi meu negócio, coisa que sonhei a vida toda. Obrigada mesmo. Eu te amo, Patrício.
- Coisa linda da minha vida... eu também te amo muito. Obrigado por ter me deixado fazer parte da tua história.
- Independente de ser meu ex-marido, sempre me doem histórias de traição. Eu não desejo isso pra ninguém.
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- Eu te entendo, linda. É que muita gente não faz o que a gente fez lá no início. Tem gente que não aproveita aquela fase do “vale-tudo” antes de firmar o namoro mesmo. Esse é o tempo pra descobrir se é com aquela pessoa que tu quer ficar de verdade e muita gente acaba abrindo mão.

Joana não sabia se tinha entendido bem. Ficou desnorteada por alguns segundos.

- Como assim, fase do “vale-tudo”? Tu ficou com outras pessoas quando começou a se envolver comigo?
- É claro que si... Ai meu Deus... não me diz que desde que tu me conheceu não ficou com mais ninguém...
- Isso não tá acontecendo...
- Meu Deus, Joana, eu nunca imaginei que...
- Nunca imaginou? E aquele dia que eu te perguntei se o que a gente tinha exigia reciprocidade e a tua resposta foi “tu é incrível, Joana”? Não deu pra imaginar mesmo, seu traste?
- Eu... é que eu...
- Eu disse naquela mesma conversa que eu não ficava com outras pessoas porque nunca gostei disso... Qual parte disso tudo tu não entendeu, Patrício? QUE PARTE TU NÃO ENTENDEU?!
- Eu não achei que tu estivesse falando sério... Caramba, a gente teve essa conversa bem antes de namorar mesmo... mas eu juro, eu juro pra ti que depois que começamos a namorar eu nunca mais fiquei com ninguém... Eu te amo, Joana.

Joana não sabia bem o que pensar. Acreditava mesmo que Patrício não tivesse ficado com ninguém depois que começaram a namorar, mas a revelação dessa “falta de entendimento” absurda que soava falsa até o mais casto dos ouvidos incomodava demais. A Joana de outros tempos jogaria algo nele. Contudo, a Joana desses dias era diferente.

- Vai embora, Patrício. Eu preciso pensar primeiro. Não sei como me sinto diante de tudo isso.

Com lágrimas nos olhos, Patrício deixou a loja. Pediu que ela lhe telefonasse assim que pudesse/quisesse conversar. Havia sinceridade em seus olhos, mas ela já não sabia se essa não era apenas mais uma técnica de persuasão de seu consultor.
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Naquela noite, Rodrigo estava sozinho no apartamento depois de dois anos de um casamento que, para ele, foi muito feliz até o dia anterior.

Joana assistia TV sozinha também, pensando no que era o melhor a fazer diante de uma situação que para tantos seria perdoável mas, para ela, doía muito.

Pela primeira vez depois de muito tempo, pensaram no outro. Joana não conseguia parar de pensar que, apesar do amor que sentia por Patrício, a circunstância que viveu horas antes na loja colocava Rodrigo em um pedestal. Ele levava tudo muito a sério. Jamais seria capaz de “se confundir” como Patrício fizera.

A dúvida corroía seu coração. Estava partida ao meio. O coração queria relevar e entender que Patrício cometeu uma falha, mas merecia perdão. A razão dizia para seguir adiante sozinha.
Joana sabia bem que essa briga sempre gera dor de cabeça.

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora