Capítulo 15

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O desespero estava estampado no rosto de Joana. Quinze anos morando ali e nunca nada parecido tinha acontecido. Será que tinha alguma coisa a ver com os bilhetes anônimos? Meu Deus. O que poderia estar acontecendo? Ainda não tinha conseguido ligar para ninguém, nem para Cristina. O policial voltou para perto dela e disse:
- Apesar do arrombamento da porta, tudo indica que os bandidos tenham entrado por aquela janela ali.

O apartamento era no primeiro andar, não era a coisa mais difícil do mundo escalar aquela parede. A lembrança imediata foi a de Rodrigo dizendo quase que diariamente para que ela não esquecesse de trancar aquela janela antes de ir para a loja. Ela sempre prometia que sim, e sempre esquecia na sequência. Em muitos dias, ele mesmo fechava. Mas quando saía atrasado para a rádio, pedia a gentileza. Ela sempre esquecia. Agora ele não estava mais ali para lembrá-la. Embora soubesse que não podia sentir culpa por ter sido assaltada, se sentiu idiota pela janela.

- A senhora deixava essa janela aberta? – perguntou o policial.
- Sim. – respondeu Joana, ainda chorando. – Esqueci aberta.

Os vizinhos chatos se amontoavam do térreo até o segundo andar, curiosos e assustados. Max ia passando por ali e estranhou o movimento intenso àquela hora da noite. Viu a viatura da polícia também e ficou preocupado. Muito tinha frequentado aquele prédio. Estava um pouco bêbado e abraçado a uma moça que conheceu na boate naquele dia. Disse a ela que daria uma rápida olhada no que estava acontecendo. Conversou com o porteiro:

- Ohhhh, seu Dias... tudo bem? Tá tudo certo aqui?
- Rapaz, não tá não. A gente tava em troca de turno aqui na portaria, assaltaram o apartamento da tua amiga. Levaram tudo que passava pela janela. Os caras eram profissionais mesmo.
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Max sentiu um nó na garganta. Ser o melhor amigo de Rodrigo implicava um carinho por Joana. Eles estavam sempre juntos, desde crianças. Depois do casamento dos dois é que as coisas tinham se tornado menos intensas, mas ainda havia muito carinho e respeito pela ex-mulher de seu melhor amigo. Voltou à sua companhia daquela noite, chamou um carro no aplicativo para que a levasse para casa e explicou toda a situação.

Voltou para dentro do prédio e subiu as escadas. Um monte de gente murmurando, policiais tomando nota e tirando fotos. Lá no canto, sentada em um banco, Joana. Max deu alguns tapas no próprio rosto na intenção de ficar mais consciente sobre o que estava acontecendo e pediu licença. Assim que Joana o viu, deu um sorriso amarelo.

- Jo... Joana... que que aconteceu?
- Os caras levaram tudo, Max... Tudo... Só sobrou o que não passava pela janela...

Apesar do estado de choque, Joana estranhou a visita.

- Desculpa mas, como é que tu veio parar aqui? Como é que essa notícia correu tão rápido?
- Eu tava passando aqui na frente, por acaso... tava voltando da boate... Me diz aí qualquer coisa que tu precisa, qualquer coisa que eu possa fazer pra te ajudar...
- Tu não me deve nada, Max. Te agradeço por ter vindo aqui ver como estou mas, agora não tem muito o que fazer... – disse Joana, mais desanimada que desesperada.
- Pelos tempos de criança em Milonga. Tem alguma coisa que eu possa fazer por ti?
- Não tem não, Max. Obrigada. Me passa teu telefone, se quiser. Amanhã, quando passar essa loucura, eu te ligo e digo se preciso de algo.
Max puxou um cartão do bolso e deixou com ela.
- Eu sei que a gente nunca foi tão próximo, apesar de ser amigo desde a infância. Mas quero que tu saiba que tenho muito carinho por ti, Joana. Tu fez meu melhor amigo muito feliz por muito tempo.
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- Eu sei. – respondeu Joana, já chorando um pouco de novo. – Apesar de ser cismada contigo eu sempre soube que tu era um cara legal. Obrigada por passar aqui. Mesmo. E desculpa por todo esse passado de antipatia.

Max se emocionou um pouco também. A bebida contribuía. Ele não se importava com a indiferença de Joana, mas o reconhecimento dela de que era antipática com ele foi, de certa forma, redentor. Deu ainda mais vontade de ajudá-la.

Max deixou o apartamento com o nó na garganta somado a um aperto no coração. Nunca tinha visto aquela guria que sempre foi tão vigorosa assim, tão frágil.

Jamais faria isso sóbrio, parecia ser um contrassenso. Mas quando viu, já estava na rua, a algumas quadras do prédio, com o telefone no ouvido, ligando para Rodrigo.

Na serra, Rodrigo acordou assustado com a ligação de Max à uma hora da manhã. Depois de um dia extenuante, ele e Maria dormiam profundamente na casa alugada. Quando viu o nome do amigo na tela, não acreditou. Atendeu rabugento:

- Que que é, Max, não vai me dizer que foi parar na delegacia ou que tem um cara querendo te bater...
- Meu, desculpa a hora, mas é que...
- É que o quê, meu? Fala logo o que tu precisa!
- O apartamento da Joana foi assaltado.
// Silêncio. Rodrigo respirou fundo.
- Ela estava lá? Ela está bem? Pelo amor de Deus, Max, fizeram alguma coisa com ela?

Max estava chorando.

- Não, meu, tá tudo bem. Ela não tava em casa. É só que eu passei lá e vi o aglomerado de gente e polícia e sei-lá-o-quê e aí fui ver o que aconteceu... ela tá bem triste. Tá de um jeito que eu nunca vi.

Rodrigo chorava timidamente no outro lado da linha. Max continuou:

- Cara, eu nunca faria isso. Sei que sempre critiquei teu relacionamento com ela em muitas coisas, a gente teve uns desentendimentos, ela nunca foi um poço de simpatia comigo, mas a real é que a única coisa que eu pensei naquele contexto ali é que faltava tu. Eu tô meio bêbado, mas senti isso e não consegui segurar. Tive que te ligar, man. Faz o que tu achar melhor.
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Max desligou sem dar tchau. Rodrigo entrou no quarto e começou a juntar tudo que estava lá e fazer as malas. Maria acordou assustada:

- Rodrigo? O que aconteceu? Tá tudo bem? Tu parece assustado...
- A gente vai ter que voltar.
- O quê? Mas é madrugada... tu tá louco?
- Pode ser, mas a gente vai ter que voltar. Se apronta, por favor...
- Mas o que foi que aconteceu, guri? Pelo amor de Deus... – Maria não entendia todo aquele movimento.
- Joana foi assaltada. Levaram muita coisa.
Maria tentou usar de sua tradicional paciência para dizer.
- Eu entendo. Tudo bem. Mas não tem ninguém que possa estar com ela agora? Tu é a única pessoa?
- Eu não sei se tem alguém com ela agora lá. Max não me falou.
- E não seria melhor ligar pra ele pra confirmar isso do que se jogar na estrada a essa hora?

Pela primeira vez naquela relação, Maria é que parecia sensata.

- Provavelmente. Mas eu não posso ficar aqui. Não consigo.
- E aquela história de esquecer o passado, começar vida nova e tudo mais? Viver um dia de cada vez, lembra?
- Eu não sei bem o que tudo isso significa, Maria. Mas tem coisas que não morrem depois de uma relação de 15 anos. Mesmo que tenha sido horrível, mesmo que tenha acabado por causa de brigas homéricas, mesmo que tenha tido todos os problemas do mundo. Ainda sobram algumas coisas positivas. Uma delas é o meu respeito por Joana.

Rodrigo se perguntou que cara faria se chegasse lá e encontrasse aquele brutamontes que viu Joana beijar na academia. Max não tinha mencionado o nome dele, mas disse que tinha muita gente lá. Estava bêbado. Pode ser que nem tenha percebido. Mas isso, de alguma forma, não importava.

Maria estava ficando profundamente irritada. Tentou uma última fala:

- Rodrigo... e se tu ligasse pra alguém que vocês conhecem pra que vá lá com ela? Em 15 anos vocês devem ter feito algum casal amigo que possa ajudá-la até a gente voltar amanhã de manhã...

Rodrigo se limitou a responder com três palavras:
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- Você não entende.

Quinze minutos depois, estavam no carro. Maria estava irreconhecível. A jovem sempre alegre e pronta para todo tipo de situação estava apática. Clara e obviamente, com muita raiva de Rodrigo.

Depois de duas horas de viagem, perto das três da manhã, Rodrigo deixou Maria em sua casa. Ela não olhou para ele. Pegou sua mala e entrou. Ele também não estava com cabeça para dizer mais nada. Foi direto para o apartamento em que morou por dez anos com Joana.

Quando seu Dias o viu, nem disse nada. Conhecia os dois há tempo suficiente para saber que Joana esperava a visita dele.

Rodrigo bateu na porta que estava trancada com um trinco improvisado. Quem abriu foi o marido de Cristina, que estava ali também. Apenas sorriu para Rodrigo e deixou que ele entrasse. Cristina se surpreendeu ao ver Rodrigo. Mais que depressa, tomou o marido pelo braço e foi para a cozinha. Joana parecia dormir, mas só estava com a cabeça encostada no travesseiro e com os olhos fechados.

Ao abrir os olhos para procurar Cristina, viu Rodrigo.

Ele olhou para ela e começou a chorar.

Ela se levantou, num pranto que brotou feito enxurrada, e correu para aquele abraço tão conhecido.

Meu caminho sem você Onde histórias criam vida. Descubra agora