- Foi muito estranho, cara. Muito. Parecia que eu não conseguia conversar com ela, parecia que tudo era muito travado. – disse Rodrigo.
- Mas isso é bem normal, tu sabe né? – perguntou Max.
- Eu sei de tudo que passou, - continuou Rodrigo – mas que coisa estranha conversar com uma Joana que namora outro cara. É meio fora da realidade pra mim. Ela parecia muito diferente. Não sei bem se ainda sinto alguma coisa por ela, mas sei lá, foi estranho.
Max já ia perdendo a paciência, mas tentou conduzir o amigo por um caminho diferente:
- Cara, não vai adiantar ficar pensando nisso. Tu vai só se afundar cada vez mais. E a tal Maria? Não esquece dela, hein?
- Claro, Maria faz toda a diferença. Eu falei sobre ela para Joana inclusive. Mas acho que foi mais uma forma de defesa mesmo.
- Vamos relembrar umas coisas... – propôs Max – quero que tu enumere pra mim os motivos pelos quais esse divórcio aconteceu. Agora.
Rodrigo hesitou alguns instantes e continuou:
- Nos últimos tempos ela me pressionava demais. Tu sabe disso... essa pressão me fez pensar em coisas que deixei de fazer pela minha vida por pensar que Joana não fosse gostar. Sabe como é isso? Agora é muito claro, mas na hora não. Deixei de fazer uma, duas, dez coisas. Agora me sinto trouxa.
- Tu é um pouco mesmo, mas continua o raciocínio. – riu Max.
- Obrigado pela gentileza. – respondeu Rodrigo.
Max sentou na mesa de centro à frente do amigo e continuou:
- O que eu propus é algo que tu devia fazer com mais frequência. Pensa no que te levou a terminar essa história, não no que era bom há 10 anos. Isso já passou. Eu já te disse pra aproveitar mais a vida, conhecer mais gente, mas respeito se não for isso o que tu quer. Nesse caso, aproveita pra conhecer melhor essa guria que tu diz que é o oposto da Joana. Talvez seja isso que tu precisa mesmo.
- Olha quem virou psicólogo agora...
- Só me falta um diploma. Nos bares eu já atendo há muito tempo. – respondeu Max.
Os amigos riram.
*********************************
Joana chegou em casa cansada de mais um dia de trabalho e de um treino da academia. Outra vez ela não resistiu e convidou William para passar a noite por lá. Precisava apagar da memória o encontro recente com Rodrigo. O fato de ele estar com outra mulher. O Rodrigo dela. Estava com outra mulher.
William a acompanhou e pelo caminho, parabenizou Joana pelo empenho:
- Tu tem se esforçado muito. Vai conseguir resultados expressivos. Tenho certeza!
Joana agradeceu e continuou:
- Hoje eu só quero alcançar uma pizza. Tô morta de fome!
William permaneceu em silêncio.
Chegaram no apartamento e Joana estranhou a introspecção de William que costumava, frequente e discretamente, puxar alguns assuntos.
- Tá tudo bem?
- Tá sim. Tudo certo.
- Prefere algum sabor de pizza específico?
William fez uma careta pedindo desculpas e respondeu:
- Eu já trouxe meu jantar de casa mesmo. Obrigado, linda. Pode pedir só pra ti mesmo.
A pizza chegou e Joana praticamente se lançou para cima dela. Estava faminta. Ao seu lado, Rodrigo comia frango e batata doce.
Ambos estavam cansados. Estavam no sofá, prontos para dormir às dez da noite. Joana adormeceu rápido. William ficou acordado.
Pela primeira vez desde o início daquele lance, ele se perguntava se estava fazendo a coisa certa. Gostava muito de Joana, teve um encantamento imediato quando a viu e tudo fluía muito bem, mas parecia que as coisas iam rápido demais. Algo o incomodava.
Maria chegou à casa de Rodrigo e Max a convite do primeiro. Abraçou Rodrigo com força e beijou-lhe com vontade. Se afastou por um instante e franziu as sobrancelhas para afirmar:
- Tu tá com uma energia ruim, lindão... Tem alguma coisa que tu quer dividir comigo, né?
Rodrigo não exatamente queria, mas Maria parecia extrair suas verdades do subconsciente com uma facilidade impressionante.
- Na verdade tem, sim.
Rodrigo teve medo da reação de Maria por ter omitido o encontro com Joana, mas não sentiu que tivesse alguma escolha.
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- Eu encontrei minha ex-mulher hoje. Tive que ir devolver um documento que estava comigo. Foi um pouco difícil.
- Difícil por quê? – perguntou Maria, com serenidade.
- Porque foi estranho. Ela está com alguém e tudo isso é muito novo pra mim ainda. Eu não devia ficar falando essas coisas pra você.
- E o que tem? Eu super entendo isso. Já disse pra parar de se julgar. Amo quando alguém me fala a verdade, Rodrigo. Eu não tenho medo dela, nem ciúmes de você. Sei que existe um caminho e que estamos percorrendo ele, tudo é muito recente. A gente é muito recente.
Rodrigo sentia-se um adolescente ante à maturidade de Maria.
- Sabe o que a gente faz pra deixar coisas assim cicatrizarem?
- O quê, minha loirinha? – derreteu-se Rodrigo.
- Que brega. – disse Maria – Me chamar de “loirinha” é coisa de gente velha.
Os dois riram. Maria retomou, já no colo dele.
- É isso aqui que verdadeiramente importa pra mim. Teu sorriso, Rodrigo. Eu não sei se te amo, não sei se a gente vai durar muito tempo. Mas esse teu sorriso vai durar pra minha vida inteira, mesmo que um dia eu te odeie.
Rodrigo sentiu que nutria um sentimento muito verdadeiro por aquela menina com dez anos a menos que ele. Havia algo de muito especial nela.
Maria seguiu:
- Outra coisa que ajuda muito a esquecer das coisas é sair pra dançar.
Rodrigo riu e respondeu:
- Minha coluna não aguenta mais essas coisas.
Max saiu do quarto e gritou:
- Eu sou MUITO parceiro.
Maria continuou:
- É tu quem sabe. Vamos Max e eu e tu pode dormir se quiser. A gente se vê amanhã.
- É sério isso? – perguntou Rodrigo.
- MUITO SÉRIO. – Max e Maria responderam ao mesmo tempo.
- Eu já gosto muito da tua nova namorada, Rodrigo. – afirmou Max.
- Acho que então não preciso fazer grandes apresentações, né? – perguntou Rodrigo – Vocês só se viram de longe mas já parece que se conhecem há séculos... onde eu fui amarrar meu burro, hein?
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Os três riram enquanto Rodrigo foi ao quarto para se vestir. Não estava lá muito animado, mas tentou mais uma vez colocar aquilo na conta de experiências que ele não tinha vivido.
No dia seguinte ele trabalhava cedo. A ideia de dormir pouco não era agradável. Ainda mais pra quem trabalha com a voz.
Mas Maria e Max pareciam tão empolgados com a sua presença que ele não conseguiu negar por muito tempo.
A boate era bacana e a música era boa. Rodrigo logo se despiu de seus preconceitos e estava ensaiando alguns passos. Max já estava na pista flertando com possíveis conquistas quando Maria arrastou Rodrigo para dançar. Ela sorria muito e o abraçava com carinho. Bebeu algumas doses de tequila e ofereceu algumas a Rodrigo que, empolgado com o momento, bebeu com voracidade.
Perto das duas da manhã, Maria puxou Rodrigo para uma área mais reservada da boate e eles não disseram mais nada. Tudo aconteceu por ali mesmo.
Já eram três da manhã quando Rodrigo disse que precisava voltar para casa, às 9h precisava abrir o microfone da Rádio Novo Porto. Maria ignorou o seu chamado por duas vezes. Na terceira, respondeu:
- Eu não vou. Se quiser, pode ir, lindo. O Max me leva pra casa.
Rodrigo não conseguia lidar bem com aquela informação, embora soubesse que não havia mal algum em Max levá-la para casa. É que o costume com Joana era sempre sair junto. Eles tinham horários muito parecidos e isso nunca era um problema.
De toda forma, a noite tinha sido incrível e, de alguma forma, Rodrigo tinha certeza que Maria era confiável. Ela o beijou com amor e cochichou ao ouvido:
- Foi tudo incrível por aqui, viu? Eu respeito muito você. E sei que você me respeita muito também. Só não quero que você espere que eu me comporte do jeito que você acha que é o certo. E tá tudo bem, tá bom?
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Rodrigo não estava raciocinando muito bem, então, apenas concordou. Por fim, depois de pensar um pouco (o que já gerava bastante dor de cabeça) Rodrigo se despediu de Maria e voltou para casa de táxi. Estava exausto. Dormiu de sapato e sequer tirou a roupa.
No dia seguinte, acordou às 8h55min com um feixe de sol que mais parecia um laser que causava cegueira. Quando viu o horário, saiu correndo com a mesma roupa da noite anterior e tomou um ônibus.
Nunca tinha chegado atrasado ao trabalho. O locutor do horário anterior olhou para ele com desdém e anunciou no microfone, depois de ver que Rodrigo estava claramente de ressaca:
- E, agora sim, eu devolvo as “Manhãs de Alegria” pro cara mais alegre que eu conheço: Rodrigo Meira! Parece que ele teve um probleminha, mas acho que já está tudo certo.
Largou uma música. Saiu da cadeira olhando torto para o locutor titular do horário e jogou os fones em suas mãos. Rodrigo pediu desculpas a todos com um aceno de mão.
Quando abriu o microfone para voltar aos patrocinadores e participações ao vivo, o que saiu de sua boca foi um chiado estranho. Estava quase sem voz. Estava sem ferramenta de trabalho.
Aquela manhã foi bem longa.
Bebeu muita água, fez diversos exercícios, mas só conseguiu voltar para perto de sua voz original quando o programa já estava acabando.
Enquanto colocava o último bloco musical, mandou uma mensagem de texto para Max:
“Tudo bem com Maria ontem? Conseguiu deixá-la em casa?”
Poucos instantes depois, recebeu retorno:
“Fica tranquilo. Ela ficou de boa o resto da noite e no fim eu a acompanhei até em casa. Ela disse que gosta muito de ti, cara.”
Rodrigo não conseguia pensar muito em Maria naquelas horas. Só conseguia pensar que não tinha mais idade (nem vontade) para loucuras.
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Meu caminho sem você
Romance(HISTÓRIA COMPLETA) Rodrigo e Joana se conheceram ainda crianças. Foram o primeiro amor um do outro e começaram a namorar com 15 anos. Aos vinte, casaram. Aos trinta, numa cidade maior, se separam. Tudo parece tomar outro caminho. Mas, afinal, como...