Eu corria o mais rápido que podia dos homens atrás de mim, tudo que podia fazer era correr.
Me lembrava de todas as coisas horríveis que podiam fazer comigo se me alcançassem. Alimentava minha disposição mantendo acesa a cena da forma bruta que arrancaram as dobradiças da porta de minha casa e de como me assustei ao reconhecer suas armaduras de couro e o broche de metal em seus peitos, lembrando-me do problema que eles eram.
A forma como pouco explicaram à minha família sobre a carta que jogaram sobre a mesa da cozinha, aquela intimação que me reivindicava como recrutada para a Caçada havia me assustado muito. Doeu quando me agarraram pelo braço com força suficiente para machucar e sorriram com malícia ao explicar para minha mãe que eu havia passado no teste formal. Sua filha de 8 anos havia passado no temível teste anual que todas as crianças e jovens eram obrigados a prestar pelas cidades e vilarejos da Inglaterra a fim de alistar novos recrutas. A Caçada da Meia-Noite não fazia qualquer distinção entre ricos, pobres, homens, mulheres ou crianças, eles só queriam soldados para morrer no lugar deles. Era muito azar que em meu primeiro ano de teste, já havia passado com louvor em todos os testes físicos e mentais que os soldados nos submetiam.
Enquanto fugia, me arrependia de ter pedido ao meu pai que me levasse para caçar com ele. Todas as cenas de brutalidade que presenciei me faziam continuar, mesmo que a dor em meus pés já se tornasse excruciante. Estava exausta, e tudo graças ao gelo duro que cobria aquelas colinas naquela época do ano, forçando-me a pisar mais firme a cada passo, atrasando minha fuga. Tinha esperanças de que a Neve também atrapalhasse os soldados de Londres, se tivesse um pouco de sorte. Só não podia desistir.
Ao desviar o olhar para ter certeza de que tinha alguma vantagem, acabei tropeçando em um galho e em um segundo, já afundava os joelhos no chão congelado. Foi puro instinto ter tido reflexos rápidos o bastante para botar minhas mãos à frente para não machucar meu rosto.
Percebia a aproximação dos dois homens atrás de mim, sabendo que não tinha muito mais tempo. Eu havia os deixado cegos de ódio quando consegui chutá-los, obrigando-os a me soltar por tempo suficiente para que pudesse correr até a porta. Tinha puxado a maçaneta com toda a força das minhas mãos pequenas e conseguido sair para o campo coberto de neve em frente à casa da minha família. A floresta estava tão perto e eu sabia que havia sido burra de ter acreditado que tinha alguma chance ali sozinha. É claro que viriam atrás de mim, mas se visse aquela porta se fechando, talvez não tivesse mais coragem de lutar. Eu precisava lutar, então me concentrei em fugir, era minha única escolha. Naquele momento, não me importava o destino, apenas sair e fugir dos Caçadores. Porém não iria estar na frente por muito mais tempo.
— Anda, levanta-te! Eu vou te ajudar a fugir. - Ouvi uma voz dizer. Levantando a cabeça, notei o garoto de cabelos brancos como a neve, estendendo-me sua mão. - Rápido! Levante-se, por favor.
Os soldados estavam próximos demais, então desistir de pensar e alcancei a mão que me oferecia, e o garoto prontamente me ajudou a levantar. Se eu já tinha começado com tudo isso, teria que ser como aqueles Caçadores e confiar apenas no que eu julgava certo fazer.
Quando me levantei com a ajuda do garoto com olhos dourados, no entanto, vi o cenário ao meu redor se desfazer e se tornar outra coisa, outra cena, bem diante dos meus olhos.
A neve começou a derreter em poucos segundos, sendo substituída por grama e a escuridão total de um bosque durante a noite, contrastando completamente com as roupas branco-acinzentadas que vestia. O frio desapareceu também, e agora sentia calor e uma brisa calma silvava pelas árvores, tocava meu rosto. Era fim da primavera, tinha certeza. Eu já não era mais uma criança assustada de 8 anos, era uma garota já no começo da adolescência, com 14 anos, aprendendo a lutar. Quando soltei a mão do garoto, o observei com mais calma, notando, agora que estávamos lado a lado, que não era muito mais alto do que eu, porém não era tão novo quanto pensava antes. 16 anos, talvez 17. Me lembrou de outra vida, outros tempos, considerando que o jovem provavelmente era um camponês, e eu estudava grimórios e combatia monstros. A pouca diferença de idade não significava nada, mas havia um abismo entre nossos dois mundos.
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A Caçadora da Meia-Noite
Fantasy[COMPLETO APENAS NA AMAZON] Durante a Era Vitoriana, um lorde poderoso fundou a Caçada da Meia-Noite, uma organização dedicada ao controle e extermínio de criaturas do submundo que passavam do limite, atacando inocentes sem razão boa o bastante. Mai...