III. O Inventor

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Ao sair do Instituto Millenium, a enorme mansão que pertencia a nada mais, nada menos do que o próprio Stewart Romckpay, joguei o capuz do sobretudo e tentei me esconder ao máximo. Por baixo daquela capa longa, vestia meu habitual uniforme, apenas por precaução.

Ainda ouvia as vozes do lado de dentro da mansão, mas enquanto meus passos ecoavam com o ruído dos cascalhos do pátio, sentia o peso do frasco em meu bolso. Nunca tive problemas em sair na rua sozinha para fazer meu trabalho, mas já era tarde e naquela noite eu devia ser apenas uma garota normal, não uma caçadora experiente em serviço de Stewart Romckpay. Não era uma boa atriz, não sabia fingir ser comum e frágil quando era exatamente o oposto. O risco para mim era grande e eu não iria arriscar, não com tanta coisa em jogo.

Também não podia arriscar meu futuro na Caçada por medo, de qualquer forma. Então apenas deixei minha preocupação em um canto selado do meu cérebro, longe o bastante para não me influenciar nas horas erradas.

Olhei uma última vez para o casarão às minhas costas, as luzes ligadas no salão de festas, onde todos deviam estar jantando, a julgar pelo relógio. Conferi o horário antes de sair de fininho pela porta dos fundos, tendo a certeza de que ninguém me seguiria. Mesmo depois de tanto tempo, a permissão de Romckpay ainda não havia chegado, então a interpretei como um não. Talvez estivesse errada, mas não tinha o luxo de esperar por uma resposta diferente, então decidi que era hora de quebrar algumas regras. Nesse caso, era bom que ninguém me visse fora da mansão àquela hora.

Virei-me, cortando a visão da casa de pedra vermelha e tijolos propositalmente expostos e parti pelas ruas de Londres, olhando no meu aparelho localizador o endereço que Robert Fletcher havia me dado por telefone durante a tarde. Felizmente, a Caçada da Meia-Noite não tinha o costume de encher as janelas com luzes de Natal, porque a construção já era pomposa o suficiente, principalmente àquela época do ano, quando a maioria das árvores já tinha perdido a maior parte de suas folhas e as ruas já demonstravam aquele cenário vazio e de poucas cores do inverno.

Me mantive silenciosa, tentando agir de uma forma que já não era há muitos anos. Não era sempre que os Caçadores precisavam se disfarçar para andar pela própria cidade e eu não era suficientemente experiente no assunto para ser convocada para o tipo de missão que exigia encenação.

Sabia que estava quebrando regras por sair no meio da noite sem avisar e tinha plena consciência disso. No entanto, valeria a pena quando conseguisse o que precisava. Se tudo desse certo, planejava voltar antes que qualquer um notasse minha falta.

Caminhei por entre a multidão ao chegar à Piccadilly Circus, o centro movimentado e sempre barulhento de Londres, então virei em uma rua lateral. Ali, não havia sinal dos veículos de transporte a vapor do resto da cidade e as ruas eram de pedra e bem menos espaçosas do que do outro lado da avenida, e a casa no fim da rua era uma coisa decrépita e escura, mas Robert não devia se importar, pois estava sempre ocupado demais em suas invenções malucas para se preocupar em cuidar da sua casa.

Mary Shelley teria ficado orgulhosa da arquitetura da casa de Robert, já que era algo que Victor Frankstein talvez também amasse. Isso é, considerando que essa fosse a intenção. Caso contrário, aquele lugar precisava de uma pequena, ou grande, reforma o mais rápido possível. Eu apostava mais na segunda opção. Nunca havia estado lá, mas conhecia a cidade o bastante para me encontrar naquela região usando o localizador que marcava o endereço anotado em uma folha de caderno da biblioteca.

Verifiquei o aparelho piscando uma última vez. Com certeza aquele era o lugar certo. Por sorte, lugares escuros como aquele deixaram de ser um problema para mim quando tinha 14 anos.

Com as costas da mão, bati na porta de madeira gasta da casa de Robert. O barulho do material cheio de cupins reverberou na parede e vi alguns insetos pequenos escalando a porta em direção a outro buraco perto da parede de concreto.

A Caçadora da Meia-Noite Onde histórias criam vida. Descubra agora