IV. Mais perigoso que a Realeza

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Não sei quanto tempo passou antes de perceber que Robert já estava terminando o que tinha imaginado para o meu pedido.

Eu não podia ver, de qualquer forma, já que estava tão debruçado sobre sua mesa que era impossível tentar deduzir o que ele estava criando. Porém, quando o homem se levantou sorrindo, vi que segurava seu mais novo trabalho concluído.

Aquele tempo todo fiquei sentada em uma cadeira razoavelmente limpa de graxa à sua mesa, bebendo aos poucos um café com creme que havia comprado na Piccadilly Circus por alguns poucos trocados, embora tivesse aproveitado que ainda haviam vendedores anunciando os produtos que sobraram no estoque das festas de fim de ano para olhar algumas vitrines. No entanto, sua reação exagerada pelo trabalho feito havia conseguido me assustar, principalmente pela forma brusca que se moveu, fazendo barulho e me tirando de meus próprios devaneios.

Embora de tempos em tempos me focasse no clic, clic do relógio de parede do outro lado da sala, fazia tempo que eu tentava ver o que o cientista fazia. E para piorar, não conseguia parar de me perguntar se já haviam notado minha falta no casarão.

Robert não devia ter sequer notado o tempo passar, mas eu certamente notei como a rua foi se tornando silenciosa e escura, conforme as horas passavam na madrugada.

Bem, eu só esperava conseguir chegar à mansão de Romckpay sem confusões, o que, segundo meu histórico, seria quase um milagre.

— Consegui!-gritara, me fazendo tirar os olhos da janela graças ao susto.- Eu não sei se será a mesma coisa tendo feito tudo agora, mas mesmo assim, está concluído!

Ele me estendeu uma espécie de colar, com um pingente de vidro cheio de alguma substância furta cor em tons de branco, roxo, azul e prateado. Eu nunca havia visto algo assim, e, sinceramente, tinha medo de descobrir do que se tratava. No entanto, não devia ser assim tão perigoso, visto que ele o segurava com tanto orgulho e um sorriso estampado no rosto.

Olhando com atenção o cordão vermelho que o envolvia, me lembrei vagamente de Robert o confeccionando com a ajuda de uma pequena máquina de metal que extraia o conteúdo do frasco em uma pequena cavidade na borda.

O cordão era vermelho como o sangue de lobisomem que eu o entreguei, e tinha inclusive o cheiro forte de ferro que eu podia sentir mesmo com certa distância, do outro lado da mesa em que Robert trabalhava. Poderia dizer que esse dom com o olfato era culpa dos meus sentidos apurados depois de anos treinando com os Caçadores da Meia-Noite, mas a verdade é que sempre fui mais perceptiva do que os outros, exatamente como eram as criaturas que eu devia caçar.

Felizmente, minha habilidade em notar e sentir o que os outros não podiam era mais que útil, na maioria dos casos.

— Pode pegar, é totalmente inofensivo.- Robert insistiu ao notar minha hesitação em tocar naquele colar de aparência tão estranha. Parecia errado, como algo que não deveria existir.- Pelo menos, para humanos é.

Tomei coragem e arranquei o colar da mão de Robert, segurando-o pelo pingente de vidro. Certamente só podia ser vidro.

Quase instantaneamente, me arrependi de agarrar o objeto com tanta confiança. Tão rápido quanto eu o tirei das mãos do inventor, senti uma forte pontada de dor assim que minha mão cobriu o material refletindo a luz. Contive um grunhido e soltei o colar por um instinto que há muito esqueci que tinha. Era uma sorte que não tivesse feito isso com força o suficiente para quebrar, mas deixei o colar jogado sobre a madeira da mesa que há pouco me apoiara enquanto observava o cientista trabalhar e me esforcei para controlar a respiração, escondendo a mão que estava machucada, embora não soubesse como.

— Estranho, isso não era para ter acontecido.- murmurou Robert, parecendo confuso. Ainda massageava o lugar dolorido onde tinha sentido com mais força aquela pontada. Disfarcei o movimento das minhas mãos enquanto o via franzir o cenho.- A senhorita está bem?

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