XX. Longas Distâncias

1K 110 0
                                    

Consegui sair da área de corte das madeireiras nos primeiros raios de sol, depois de horas de caminhada.

Àquela altura, já estava longe demais de qualquer cidade para voltar atrás com a decisão de partir, então tentava manter o ritmo, embora notasse que Adam tinha dificuldade para acompanhar. Ambos estávamos cansados, mas eu sempre aguentaria mais tempo acordada do que ele. Agora, o único caminho que tinha para seguir era aquela trilha, no entanto. Já não podia olhar para trás. Não tinha escolha, já que a essa altura já deviam saber que estava desertando. E, o pior, estava envolvendo outra pessoa nisso.

Cerca de duas horas depois de amanhecer, comecei a sentir o cansaço e concordei com a ideia de Adam de que precisávamos de comida e um lugar para descansar o quanto antes. Não dormimos nada a noite passada, então fiquei até surpresa de que Adam tivesse resistido tanto tempo sem reclamar da exaustão e sono, apesar de ser notável.

Paramos em uma clareira causada por desmatamento para fazer uma pausa.

Aproveitei a distância de qualquer ser humano e a segurança da luz solar e deixei Adam organizando uma rede improvisada nas árvores que ainda restavam para buscar alguns galhos de madeira para uma fogueira.

Enquanto ele montava um círculo de pedras na terra que limpei da grama e folhas secas, larguei a madeira no chão e organizei a forma triangular em que Adam acenderia o fogo, conforme havia aprendido no primeiro ano de treinamento. Voltei para dentro da floresta e transformei-me para caçar algum animal que nós dois pudéssemos comer como nossa primeira refeição do dia.

Depois de tanto anos, já era capaz de me transformar conforme minha vontade, sendo possível manter minha consciência humana, apesar de ainda ser difícil, já que tive que aprender a ser lobisomem sozinha.

Se eu tivesse outro lobisomem experiente para me ensinar, talvez até um alfa, não precisaria de mais do que alguns meses para aprender tudo que eu precisava saber sobre minha nova identidade, mas eu era uma ômega sem preparo e sabia que todo o poder que estava sufocando um dia exigiria mais do que eu conseguia fazer até aquele momento.

A questão entre transitar entre o estado de animal e humana era bem complexa, e apenas um professor poderia ter me ensinado o jeito certo de lidar com a transformação, mas esse era um luxo que não tive, e algumas coisas eu simplesmente não tinha como aprender nos livros. Não na Caçada.

Não foi difícil, em minha forma animal, sentir a presença dos animais escondendo-se de um predador em suas tocas e árvores, mas eu não era um simples lobo, e não demorei para abater uma presa grande o suficiente para alimentar duas pessoas pelos próximos dias.

Quando voltei à clareira, novamente em minha forma humana, carregava nas costas uma corça bastante saudável, ainda gorda no início do inverno. Com toda aquela carne viveríamos bem nos próximos 2 dias, pelo menos. Tomei o cuidado de não destruir tanto o corpo do pequeno cervo, escolhendo mirar direto no pescoço da criatura, mas ainda precisei limpar parte do sangue que escorria quando voltei para o corpo humano.

Adam tentou esconder seu medo, embora não soubesse fazer isso tão bem, quando soltei a caça pesada na grama ao seu lado, mas não disse nada quando passei o pulso sobre minha boca ainda com gosto de sangue, e desviou o olhar rapidamente.

Ignorei sua reação e sentei-me na grama, preparando a carne perto do fogo. Apontei com a faças nas minhas mãos para o espaço de grama limpa à minha frente, indicando que Adam se sentasse. Eu não tinha nada a dizer, não sobre suas reações a meu respeito. Se queria vir comigo, teria que cumprir sua promessa e aceitar meu lado sobrenatural.

Adam, ao contrário de mim, estava inquieto e nervoso, mas me obedeceu. 

Não ia conseguir ficar em silêncio por muito tempo. Eu o conhecia bem.

A Caçadora da Meia-Noite Onde histórias criam vida. Descubra agora