XXIX. De volta à estrada.

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Liev não apareceu até a hora do jantar.

Já passava das 22h quando ela finalmente voltou. Nossa mãe, no entanto, já estava se desesperando por sua demora. Ela não falara muito sobre a cena que presenciou mais cedo, manteve o silêncio e não comentou nada e, de certa forma, eu a agradecia por isso.

Minha irmã caçula chegou no momento que mamãe está desligando o fogão. Ela ainda bateu a porta ao entrar, mas estava visivelmente mais calma. Suas bochechas adquiriram um tom rosado e não sabia se o motivo era a temperatura ou o fato de ter ficado tão furiosa algumas horas atrás. Sentou-se à mesa em completo silêncio e nem sequer tentou se explicar e contar para onde tinha ido.

Supus que ela não diria nada a menos que fosse obrigada e não tinha certeza se isso era bom ou ruim. Às vezes precisava ter em mente que ela só tinha 15 anos. Ela continuou em silêncio ao se servir do jantar, então desisti de esperar por explicações. Sabia que não as teria. Só me incomodava que ninguém a questionasse. Por que?

Adam sentou-se ao meu lado, certamente constrangido pelo silêncio repentino e sem ter certeza de que era uma boa ideia iniciar uma conversa. Eu também não queria manter aquela quietude, mas o clima continuava pesado, graças à minha irmã mais nova. Sentia que a situação fosse como um balão de Hélio e que bastaria uma agulha, uma palavra errada, e o balão iria estourar e nos atingir.

Larguei os talheres sobre a mesa, fazendo barulho.

—Tudo bem, já chega!-exclamei, decidida, olhando para cada um ali.-Eu vou embora amanhã cedo e não quero sair daqui sem estarmos totalmente resolvidos. Não sei quando poderei voltar e não quero estar brigada com vocês quando for embora. Podemos ser civilizados, só para variar?

—Não estamos brigados, filha. - minha mãe tentou argumentar. - Sua presença aqui é um presente para nós depois de tanto tempo.

—Ah, é? Porque não é o que parece, considerando as expressões desses dois. - apontei rapidamente para Liev e Maksim.- O que foi que eu fiz pra vocês, hein?

—Além de sair de casa e não aparecer para nos visitar por 10 anos?-perguntou Liev em tom irônico.

—Eu não...-sacudi a cabeça. -Escute, não sei o que andaram te falando sobre mim. E na verdade, acho que não me importo. Você era só uma criança, não entenderia. Eu não pude escolher. Fui intimada a ir com eles. Você acha que eu queria ir, que eu não tentei lutar para ficar aqui? Eu passei nos testes, Liev, era só o que importava para os Caçadores da Meia-Noite. Eu não tinha a escolha de não ir, e se eu não estivesse em Londres com eles, mais caçadores seriam chamados para me buscar aqui. Nenhum de nós teve escolha.

—Eu não acredito em você!-ela exclamou.

—Não interessa em que você acredita. - respondi. - Foi o que aconteceu e fim. São os fatos, Liev, não há argumentação. Não posso mudar o passado, mas não quero deixa-los pensando assim de mim.

—Já chega! As duas! -gritou minha mãe antes que Liev ou Maksim respondessem qualquer coisa. Imaginei que ela ainda se lembrava daquele dia, lembrava de como eu tentara resistir. Meu pai, por outro lado, apenas observava. Só me surpreendia por vê-la tomando uma atitude dessa maneira, não era esse tipo de mulher de quem eu me lembrava- Saphira está certa. O que aconteceu não pode ser alterado. Mas não quero meus filhos tratando-se assim depois de tanto tempo. Não quero ódio nessa casa.

—É, pra mim também já chega. - Maksim se manifestou. -Não tenho problemas pessoais com você, Saphira, se é o que quer saber. Não quero mais comer. Tenham uma boa noite. Faça boa viagem amanhã, irmã.

Arrastando a cadeira no chão, Maksim se afastou e deixou a sala de jantar sem nenhuma palavra. Eu o observei por sobre o ombro até que fechou a porta de seu quarto com um estrondo. Se estava certa, ele só voltaria a aparecer naquela sala depois que tivesse certeza de que eu não estaria mais ali. Pela primeira vez em muito tempo, me senti impotente diante de alguma situação.

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