XXVI. Ekatherine

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Esperei até Khan desaparecer em uma das casas no centro do acampamento e não me movi até que as luzes se apagassem outra vez lá dentro.

Quando não podia mais ver nenhum movimento na rua, me certifiquei que as pessoas ainda acordadas em seus quartos não pudessem me ouvir, caminhando da forma mais silenciosa possível, como havia aprendido há muito tempo. Tomei uma decisão e pulei a janela do quarto que me estava hospedada nos alojamentos e troquei de roupa, colocando algo mais confortável. Sabendo que Adam ainda dormia, caminhei pelas ruas, tentando me manter às sombras dos postes de iluminação espalhados entre as casas.

Tudo do que eu não precisava era que um lobisomem me visse saindo do lugar onde eu deveria estar, justamente quando ninguém mais estava por perto para servir de testemunha a meu favor. Sabia o quanto estava parecendo suspeita.

Estava sendo imprudente e minha atitude certamente seria mal vista caso alguém me encontrasse ali, mas meus anos como Caçadora da Meia-Noite me ensinaram a ser sorrateira e silenciosa, mesmo entre criaturas parte demônio, e esperava que meu treinamento continuasse funcionando.

Eu só não podia ficar trancada em um quarto por mais uma noite inteira agora que finalmente percebi que podia ser livre. Aquela prisão tinha me deixado com aversão a lugares fechados, e eu simplesmente queria aproveitar a luz da lua e a liberdade depois que ela me foi tirada. Com a conversa com Khan ainda recente, não iria conseguir voltar a dormir nem que me esforçasse para isso.

Andando pelas ruas escuras, deixei que meus olhos se ajustassem à falta de luz e sabia que se alguém me visse agora, iria enxergar uma garota de olhos dourados de lobo selvagem. Não tinha certeza de quanto tempo caminhei perdida em pensamentos, sequer notando os lugares pelos quais passava, mas levantei o olhar quando escutei o som de água corrente e percebi que tinha chegado à uma espécie de reservatório de água artificial, talvez a fonte de toda a água desse acampamento, a julgar pelo tamanho daquele lago.

Um grande fosso fora escavado na terra de forma que a água subterrânea circulasse em um córrego até um pequeno lago artificial represado por pedras escuras em sua volta, com um tipo de telhado de madeira feito de frágeis telhas construído para proteger a água limpa das folhas das árvores e qualquer animal que passasse por ali em uma espécie de poço de pedras. Me sentei sobre o pequeno cercado de concreto em volta da fonte esculpida no centro do córrego e encostei a cabeça em uma das colunas de madeira que sustentavam o toldo.

Me permiti fechar os olhos e descansar enquanto escutava o som da água corrente. Era uma noite silenciosa e eu não tinha uma dessas desde que eu passei a viver no centro de Londres. Eu vivi com a Caçada mais tempo do que com os meus pais, mas ainda me lembrava dos sons da natureza que me acompanhavam durante a noite na minha antiga casa. Sentia falta daquela vida, algumas vezes.

— Não está muito tarde para ficar perambulando por aí?- Uma voz me despertou quando já estava quase pegando no sono e com o susto virei-me na direção que havia escutado aquela voz, dessa vez, feminina.- Sabe, temos guardas de olho no Acampamento 24 horas, se algum deles te vir aqui fora no meio da noite agindo de maneira que eles consideram estranha, terá problemas que suponho que você não vai querer ter.

O sono pesando meus olhos já tinha desaparecido e me peguei observando a loba que me acordou. Era uma mulher na casa dos 50 anos, talvez quase da mesma idade da minha mãe. Não muito alta, ela tinha olhos azuis um pouco cinzentos e cabelo ruivo, puxado para o castanho talvez pela pouca luminosidade, mas a cor destacava o tom de pele pálido dela e as sardas sobre o nariz e as maçãs no rosto. A mulher era muito bonita, e se vestia de maneira muito elegante para quem vivia no meio da floresta, por sinal. A reconheci imediatamente como a mulher do refeitório que estava sentada junto com Morgan, e agora que estava tão perto, entendia quem ela era.

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