André.

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André estava caminhando pelo corredor de sua casa quando escutou alguns gemidos vindo de um dos quartos. Era um cômodo que seu pai só utilizava para guardar algumas bagunças.

Talvez, André só houvesse imaginado que havia escutado algo, mas ao se aproximar da porta, os gemidos se tornaram mais altos. O rapaz virou a maçaneta, mas a porta não abriu.

-Desculpa, senhor Murilo. Mas não será uma porta trancada a chave que irá me impedir de entrar. -Ele sussurrou e revirou os olhos. Já havia arrombado até portões com cadeados, o que era uma simples porta de madeira?

Em menos de três minutos, André conseguiu abrir a porta e deu de cara com Jennifer deitada no chão. Ela estava pálida, com as roupas sujas e sangue seco em suas mãos.

-Jennifer? -Ele se aproximou e o cheiro de urina era forte.

-Dé... -Ela sussurrou fracamente. -Mamãe...

-Há quanto tempo você está aqui?

-Segunda-feira...

-Hoje é quarta. -Ele a olhou preocupado, mas Jennifer não o respondeu mais. Ele se agachou a pegando nos braços e engolindo em seco seus pensamentos sobre a maldade de Murilo.

***

Depois de algumas horas, Jennifer havia tomado banho, limpado seus ferimentos e comido até dizer chega, André caminhou até o seu quarto e observou a garota cochilar tranquilamente.

Ele se virou para ir embora, mas acabou empurrando uma cadeira, despertando Jennifer.

-Dé? -Ela o chamou sonolenta.

André caminhou até ela:

-Seu pedido foi concebido, pirralha. -Ele deu um breve sorriso. -Assim que você se recuperar, eu a ensinarei a lutar de verdade. Por hora, fique fora do caminho de Murilo.

Jennifer concordou animada, todo dia ela e André treinavam durante a madrugada no porão. Por mais que o corpo do rapaz pedisse o consumo da droga, enquanto ele ensinava Jennifer, ele se esquecia momentaneamente de seu vício.

No começo dos treinamentos, Jennifer apanhava mais do que na escola, mas ela era esforçada e por mais que seus músculos reclamassem, ela não dava o braço a torcer. Com três semanas de pura determinação, Jennifer pela primeira vez conseguiu transferir um soco no rosto de André.

O rapaz sorriu:

-Você só precisa de mais força, assim parece que você está fazendo carinho em alguém!

Os dois começaram a rir e Jennifer se jogou no chão respirando fundo e limpando o suor da testa. André estava vermelho por conta de seu esforço físico e logo tirou a blusa de frio.

Os olhos de Jennifer rapidamente percorreram os braços de André e uma leve confusão posou sobre si.

Ambos os pulsos do rapaz tinham diversos cortes, alguns profundos, outros como a gata de Jennifer às vezes deixava no braço da garota. Mas por mais nova e inocente que Jennifer fosse, ela sabia que aqueles cortes não eram por acaso, eram propositais.

Como se percebesse o olhar de Jennifer, André a olhou interrogativamente:

-Quê?

-Seus braços...

-O que tem?

-Estão machucados...

André pensou em uma resposta ácida para dar a Jennifer, mas olhou para aquela menina de apenas onze anos. Ele caminhou e se agachou até estar em frente a ela:

-Jennifer, às vezes a vida não é fácil e todo dia é um golpe diferente que nos machuca na alma. É um vazio grande lá dentro e a gente tem que dar um jeito de tirar... -Ele sorriu francamente. -Você é uma menina forte, não deixe ser controlada pelas dores.

Jennifer queria abrir a boca para dizer a mesma coisa.

Ou nem isso, às vezes ela só precisasse dizer uma coisa.

Mas ela ficou em silêncio.

Naquele dia, veio a notícia terrível:

André havia se suicidado no banheiro.

Feita de AmbiçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora