"Por favor, de novo não!
Eu tentei gritar, mas a minha voz não saia. Eu tentava empurrar o corpo de Wagner, mas ele era pesado e eu não podia fazer nada. Tentei chamar pela minha mãe fazendo o homem erguer o corpo acima do meu. Não era mais o Wagner, era Murilo.
Ele me transferiu um tapa em meu rosto que eu podia sentir a dor três vezes mais. Como eu ia fugir daquele inferno? Como eu poderia acabar com tudo aquilo?
Fechei os olhos, mas a dor não parava, toquei o chão com uma das minhas mãos e senti algo cortante e gelado. Levantei para que meus olhos pudessem ver, era uma faca.
Sem pensar muito bem no que estava fazendo, enfiei com toda a minha força a faca na barriga de Murilo, mas não era mais o homem que me batia todo santo dia. Agora era André. O rosto pálido e o sangue jorrando em cima de mim."
Jennifer abriu os olhos assustada e sentiu o leve perfume de lavanda entrando em seu nariz.
Ela levantou a cabeça e sua tia estava a sua frente sorrindo.
-Bom dia, minha querida!
-Tia Mari! -As duas se abraçaram.
-Acho que precisamos conversar, não é mesmo? -Ela falou depois que ficaram um tempo em silêncio. Jennifer olhou para o cobertor e começou a puxar algumas linhas. -Jenny, se você não me falar o que está acontecendo, eu serei obrigada a ligar para a sua mãe.
-Por favor, tia! Não! -Jennifer a olhou assustada.
-Então preciso que confie em mim.
Jennifer respirou fundo e começou a contar. Contou sobre como odiava a escola e como em casa era pior ainda. Contou sobre Murilo e que como ele batia em sua mãe e certamente mataria Jennifer se soubesse aonde estava. Contou sobre André e que não entendia o que havia acontecido... Ele era feliz, tinha uma vida boa... Por que ele havia se matado?
Jennifer pensou em falar sobre Wagner, mas não teve forças. Não queria falar sobre aquilo e quanto mais ela fingisse que não havia acontecido, enterrando dentro de si, talvez acabasse se esquecendo daquilo.
Mariana passou as mãos pelo rosto e respirou fundo:
-Olha, Jenny. Eu não ligo de você ficar aqui na minha casa, sabe que eu gosto muito de você, mas sua mãe deve estar preocupada. Eu preciso avisar a ela que você está aqui...
-Mas tia!
-Vai dar tudo certo, minha amora. Confie em mim. -Ela sorriu.
-Ora! Vejo que a bonequinha acordou! -Leandro o esposo de Mariana entrou sorridente. -Como está? -Ele se aproximou e tocou no cabelo de Jennifer em um gesto carinhoso.
No mesmo instante, Jennifer se lembrou das mãos de Wagner e sentiu a garganta se fechar.
-Não, por favor! -Ela choramingou e se encolheu o mais longe possível de Leandro.
-Está tudo bem? -Ele a olhou confuso.
-Fique longe de mim! -A garota suplicou.
-Ele é o seu tio, Jenny. Não vai machuca-la. -Mariana a olhou preocupada.
-Por favor, tia!
-Eu vou te esperar lá embaixo, Mari. -Ele falou e saiu do quarto.
A mulher a abraçou e Jennifer tentou não chorar.
***
-Katia? É a Mari!
-Oi, irmã! -Katia respondeu do outro lado da linha. -Como estão as coisas aí em São Paulo?
-Tudo ótimo e aí no Rio?
-Tranquilo! -A voz de Kátia era calma e Mariana franziu as sobrancelhas. Será que sua irmã não havia dado falta de sua filha? Ou ela sabia disfarçar bem a sua preocupação?
-Como está a pequena Jennifer? -Mariana resolveu jogar uma indireta para ver se conseguia algo.
-Está tudo bem... -Ela falou e algo sendo quebrado atrás deu para ser escutado e a voz de Murilo. O homem parecia estar muito alterado.
Mariana sabia que sua irmã não tinha uma vida boa, por diversas vezes havia tentado ajudá-la, mas era difícil quando Kátia ainda aceitava as migalhas que o homem dava para ela.
-Jennifer está aqui na minha casa. -Mariana falou sem hesitar. -Ela pode ficar aqui o tempo que precisar.
Um silêncio e depois Kátia limpando a garganta:
-Não vejo a hora de ver você também, irmã. Mas acho que não irei tão cedo para São Paulo novamente!
Mariana franziu as sobrancelhas, mas logo percebeu que Kátia estava fugindo do assunto. Ela tinha medo que Murilo soubesse aonde Jennifer estava.
-Você sabe irmã, Jesus pode te ajudar!
-Espera que você fique bem! Agora eu tenho que ir fazer o jantar, até outra hora irmã! -E desligou o telefone.
Mariana suspirou colocando o celular em cima da mesa.
-Está tudo bem, meu amor? -Leandro se aproximou tocando levemente as costas de sua esposa.
-Sabe, como pode ser tão difícil ganhar uma alma para Jesus?
-Deus não obriga ninguém, Mari.
-Mas está nítido que a pessoa precisa dEle! -Mariana se levantou ajeitando a farda de seu esposo.
-Está falando da sua irmã, não é?
-Eu sei que ela sofre nas mãos daquele homem, mas ela não toma uma atitude de mudar a situação.
Os dois ficaram em silêncio até que Leandro resolveu perguntar:
-E a Jenny?
-Ela está assustada ainda com tudo, por isso reagiu daquela forma quando você se aproximou.
-Acha que aconteceu alguma coisa?
-Como assim?
-Eu trabalho com isso, Mari. Eu conheço atitudes de vítimas...
-Ela teria me contado. Ela confia em mim, amor.
Leandro concordou:
-E ela vai ficar aqui?
-Creio que sim, não acho uma boa ideia deixar ela voltar. Ainda mais sabendo que o Murilo bate nela...
-Sabe, eu estava pensando...
-No que?
-Nada, deixa para lá. -Leandro balançou a cabeça.
-Ah, por favor! Agora você tem que falar! -Ela fez beicinho.
-É besteira. -Ele sorriu.
-Por favor!
-Ok... -Ele respirou fundo. -Já pensou que talvez Jennifer não esteja aqui por acaso?
-Como assim?
-Pensa, Mari. Há quanto tempo nós estamos tentando ter um filho, e nunca da certo... Talvez, a Jenny não precise apenas de alguns dias aqui, mas de pais de verdade.
-Está pensando em adotar a Jennifer?
-Ela até se parece com você. -Leandro sorriu. -Pensa com carinho, às vezes Deus faz algumas coisas que nos impressiona. -Ele a beijou. -Agora eu preciso ir, até amanhã meu amor.
-Vai com Deus. -Ela se despediu e pensou no que Leandro havia falado.
Enquanto isso, Jennifer voltava para o seu quarto. Não sabia se ficava feliz por Mariana e Leandro gostarem dela, ou se sentia horrível por sua mãe nem sequer se preocupar.
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Feita de Ambições
SpiritualEssa é uma história que não tem um final feliz. Jennifer por toda a sua infância e adolescência fez uma única promessa para si, não deixaria que mais ninguém a colocasse para baixo como haviam feito. Ela era uma mulher que não deveria aceitar migalh...