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- Cacete, cacete, cacete - gritei de dor quando uma das caixas com enlatados caiu no meu pé. Yuri ergueu as mãos em legítima defesa enquanto o Ciro filho (vamos chamar ele de Junior) me pedia perdão e tirava a caixa de cima do meu pé.

Pulei em um pé só até um banco de madeira velho que tinha no depósito e me sentei massageando o meu pé.

- Vocês vão ter que me dar um pé cibernético.

- Como iremos te dar um pé cibernético?

- Estamos aqui há anos, com certeza a tecnologia lá em cima avançou.

- Ainda é junho de 2019, e muito pelo contrário, a tecnologia retrocedeu, a nova onda é o Nokia Tijolos do Taj Mahal - Junior me respondeu revirando os olhos e saindo com a caixa. Yuri me estendeu a mão e eu me levantei com a ajuda do meu namorado.

- Quer que eu te leve como noiva?

- Não, me leve como o macho submisso que você é a mim - ele riu me pegando no colo e me levando até a enfermaria.

Chegando lá, a enfermeira enfaixou meu pé que havia distendido. Yuri me levou até nosso quarto e me deixou lá.

- Eu vou contar tudo pro pai de vocês - ele me mostrou a língua antes de sair e eu sorri me ajeitando na cama e ligando a pequena tv que tinha.

Antes de mais nada, não era um quarto para cada um, em cada quarto dormiam dez pessoas, homens ou mulheres. Aqueles que formavam famílias possuíam um quarto para sua própria família contanto que tenham quatro membros no mínimo, o que resultava em um esconderijo subterrâneo abafado e úmido cheio de crianças, para piorar tudo.

No meu quarto, porém, estavam eu, Yuri, Junior e Maria Laura. Éramos privilegiados, então possuíamos um quarto apenas para nós quatro.

Naquele cana global que não irei citar o nome, já citando, passava uma entrevista com a família Bolsonaro. O três filhos mais velhos continuavam com cara de encubados, Jairnete e sua esposa mantinham Laura (que estava maior do que da última vez que a vi) no meio, e Renan estava na ponta do sofá.

Ele estava meio acabadinho, coitado. Olheiras profundas e cabelo bagunçado. Todos sorriam felizes enquanto Renan cutucava sua unha, indiferente.

Ele estava sofrendo.

Quando o meu ex noivo olhou diretamente para a lente da câmera, pude ver que ele tinha certeza de que eu estava assistindo e vi seu lábios formarem - mesmo que sem som - as palavras:

- Me ajude.

A militanteOnde histórias criam vida. Descubra agora