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Eu o conheci em um dia fastidioso e miserável como milhares antes deste; um dia a qual rebobinei incessantemente em minhas memórias apenas para recordar-me do quão tola eu fui.

O sinal ecoou por toda escola, os alunos organizaram-se rapidamente e saíram para os corredores amontoados empurrando uns aos outros vorazmente enquanto eu permanecia no recinto mirando o intangível céu azul repleto por nuvens cândidas. Aquele era um dos meus momentos favoritos do dia, havia tanta balbúrdia quando os alunos ocupavam o colégio que eu quase não podia ouvir meu próprio resfolegar, mas depois que que eles partiam era possível até mesmo contemplar as odes da brisa.

Quando eu senti que havia passado tempo de mais com os meus pensamentos a esmo, levantei-me do meu assento e segui para sala dos professores no intento de ir para casa com meu irmão como eu usualmente o fazia; a saleta dos professores estava sempre soterrada em pilhas e mais pilhas de papel, trabalhos escolares, boletins, bilhetes, advertências, livros, fichas, materiais didáticos, apostilas e outros não identificados – como um reflexo disso os tutores aparentavam estar sempre ocupados e cansados, com as vozes roucas de quem havia passado o dia todo falando alto e cabeças que pesavam uma tonelada sobre seus frágeis ombros.

- Carmen! – chamou Camilo com uma vozinha gutural.

Eu segui seu ruído desviando habilmente dos vários móveis e professores até chegar ao fundo do aposento onde ele se escondia.

- Estou aqui – anunciei.

Ele me encarou por cima dos óculos quadrados que haviam escorregado até a ponta de seu nariz romano e suado, apenas para empurrá-lo novamente para cima num trejeito desengonçado.

Camilo não era um cara que se encaixava nos estereótipos de padrão de beleza, cortava seu cabelo rente ao coro cabeludo o que deixava sua testa duas vezes maior do que era de fato, seus lábios recordavam duas salsichas eternamente esticadas para cima e as suas protuberantes maçãs do rosto davam-lhe um ar esfaimado; tinha um corpo alto e magro que em conjunto com vestimentas relaxadas tornava-o desnutrido e negligente, por fim seus olhos que eram exatamente como os da nossa falecida mãe – gentis e brilhantes, adornados com uma doçura ardilosa e pouco prática que enfeitiçava a todos.

- Eu ainda vou demorar um pouco aqui, mas você adiantaria muuuuuito meu trabalho se pudesse me dar uma ajudinha, que tal? – inqueriu melindrosamente.

- Certo... – eu estava entediada e de qualquer maneira eu não poderia ir para casa enquanto ele não fosse.

- Ótimo! Poderia recolher as bolas da quadra de basquete para mim? O professor de educação física faltou e o clube de basquete não tem nenhuma atividade hoje então esse trabalho acabou sendo jogado nas minhas costas.

- Que acabou sendo jogado nas minhas – resmunguei.

- Não seja mal-humorada, Carmen.

- Eu não sou – retruquei.

Eu já seguia para quadra quando Camilo levantou-se de sua cadeira e parou-me de súbito. – O que foi agora? – perguntei revirando os olhos.

- Já conseguiu fazer algum amigo? – Camilo me perguntava isso todo santo dia e eu não conseguia ver como aquilo poderia ser produtivo já que eu sempre dava a mesma resposta.

- Sem um ou com um minha vida não mudará em nada, por isso não vejo qualquer necessidade disso, é um esforço inútil. - Seus lábios soltaram um suspiro longo e profundo. – Aliás, deixe de me perguntar sobre isso, Camilo, minha resposta será sempre a mesma no fim.

- Para o bem ou para o mau eu ainda preservo a minha esperança de que você entenda, Carmen, que nenhum esforço é inútil e que nenhum amigo verdadeiro é supérfluo se você olha as coisas de maneira correta, por este motivo não posso deixar de perguntar essas coisas.

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora