II

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"Foi em meio as flores que eu me
apaixonei."
Carmen

- Não quer entrar? – ofereci a Camilo quando ele me deixou na porta de casa como de praxe.

- Nem, Suzana vai ficar irritada comigo se eu começar almoçar aqui todos dias. Ao invés disso, por que você não vai comer conosco? Ela realmente gosta das suas visitas. – Suzana era a esposa do meu irmão, uma pessoa de fácil convívio se você soubesse como fazê-lo.

- Não, eu preciso cuidar da floricultura, mas obrigado pela oferta.
O rosto eternamente sorridente de Camilo se transformou periodicamente em um esgar de preocupação como ele usualmente o fazia quando eu comentava sobre a loja. - Carmen, é muito bom que você queira cuidar da floricultura da mamãe e tudo mais, mas não acha que você tem gasto tempo demais nela?

Eu não pude refutar já que não parecia errado contudo também não pude concordar pois ia contra os meus princípios:

– Tudo bem Camilo, eu sei o que faço.

- Eu sei que você sabe, Carmen, e isso me preocupa mais do que me alivia.

Por fim, quando a taciturnidade arrebatou nosso diálogo Camilo deu partida no carro, me deixando completamente a sós com os meus botões.

Minha casa ficava em cima do meu estabelecimento, tinha um ar diferente das outras residências daquela rua que aparentavam estar sempre meio mortas; por fora era opulenta e verdejante, por dentro tinha um brilho opalescente e um perfume balsâmico ...

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Minha casa ficava em cima do meu estabelecimento, tinha um ar diferente das outras residências daquela rua que aparentavam estar sempre meio mortas; por fora era opulenta e verdejante, por dentro tinha um brilho opalescente e um perfume balsâmico que fazia cócegas no nariz das pessoas.

Antes da loja ser minha, ela pertencia a minha falecida mãe, Camila, que havia fenecido dois anos antes devido a um conjunto de fatores tais como uma doença pulmonar que ela sequer sabia da existência, e o uso excessivo e indevido de cigarros - creio que a pior parte foi vê-la deteriorando-se pouca a pouco, ver a mulher que eu achava gigantesca e invencível tornar-se tão miúda e débil ao ponto de desaparecer.

Aquele estabelecimento era o mundo para minha mãe, a sua essência - Camila nunca ia querer que aquilo se desfizesse -, o problema é que quando ela se foi, a loja foi completamente negligenciada, meu pai e meus irmãos estavam sempre demasiado ocupados com suas respectivas atividades e não tinham tempo de velar por ela. Eu não podia deixar que a floricultura tivesse o mesmo fim que minha mãe, convenci o meu pai e meus irmãos, com muito esforço, que eu podia e devia assumi-la ao invés de deixá-la naquele estado caquético, e eles cederam com muito pesar a floricultura para mim a qual eu atualmente tomo conto em meu tempo ocioso – geralmente aos sábados e as tardes após as aulas.

Uma loja de flores não é um negócio que rende montanhas de dinheiro, contudo, da mesma maneira que qualquer outro estabelecimento, tinha seus clientes frequentes, como um homem que morava numa casa propínqua e estava sempre a discutir com sua cônjuge a despeito de coisas frívolas e para se reconciliar com ela, comprava-lhe constantemente suas flores prediletas; uma velha senhora que colocava narcisos no túmulo do falecido marido; e uma garota loira e angelical que comprava orquídeas para sua irmã menor que encontrava-se em estado de coma num hospital próximo dali – eram estes clientes que proviam a sustentabilidade da floricultura.

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora