XXII

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Não importava o quanto a professora Joana falasse, eu não ouvia.
Não sabia ao certo se tinha ou não brigado com Pedro contudo tudo apontava para o sim. Meu coração estava aos frangalhos, choramingando como um cão abatido; um filete de carne pulsante e ensanguentado.

Em determinado momento eu não me contive e escrevi uma mensagem ao meu sicário:

“Por favor, vamos conversar, me encontre na sala depois da aula, eu vou te esperar”.

Alguns minutos depois eu voltei a encarar meu celular, Pedro visualizou mas não respondeu. Eu soltei um suspiro.

- Carmen – chamou Letícia bem baixinho quando a professora saiu da sala. – Você ainda gosta do Pedro, né? Desiste, ele te odeia, nunca vi ele ficar tão irritado com alguém, para falar a verdade eu nunca vi ele irritado.

Às vezes eu ainda sentia vontade de dar um murro em Letícia.

- E você não pode competir com Verônica, sabe? – continuou. – Você viu, ela é uma deusa.

Eu senti o sangue esquentar minha face, estava a um fio de soltar minha raiva, tinha até mesmo aberto minha boca mas fui interrompida por Guilherme. – Você tem razão Letícia, é a primeira vez que vejo Pedro irritado, ele nunca se irrita com nada, nem comigo, nem com você e nem com Verônica.

Suas palavras fizeram meu sangue esfriar e a garota de cabelos negros aquietar sua matraca. Devo dizer que depois da Deusa e Deus grego a pessoa que eu mais gostava naquele grupinho era ele.

- Do que estão falando? – indagou Francisco girando seu corpo para trás.

- Não tente cair na conversa alheia de paraquedas, idiota – retrucou de imediato Gabriel.

- Sabe, quantas vezes você vai me chamar de idiota ho...

De repente a professora voltou para sala e parou no umbral da porta, todos fizeram silêncio quando seus olhos de falcão brilharam mas ela não ligou para o barulho passado, estava olhando para minha direção. – Carmen, o professor Camilo está te chamando na sala dos professores.

Levantei calmamente do meu assento sentindo os olhares fulminantes de curiosidade furarem minhas costas e caminhei novamente pelos corredores com cheiro de água sanitária rumo a saleta dos professores; Camilo estava no mesmo lugar em que sempre esteve, no fundo, na parte mais escura do aposento (era coisa de família não querer chamar atenção), seu corpo magricelo quase que completamente soterrado pela pilha de papéis a sua frente. Eu passei pela trilha de mesas, cuidadosamente esquivando-me das cadeiras e materiais de escritório, sentindo um leve déjà-vu.

- Estou aqui – avisei quando ele não olhou para mim.

- Ah sim! – Camilo me encarou por cima dos óculos redondos e embaçados que escorregaram até a ponta de seu nariz. – Um minuto.

Ele continuou a rabiscar algumas coisas em seus papéis e eu esperei, e esperei, e esperei, daí eu esperei mais um pouco até perder a paciência. – Preciso voltar para aula.

Camilo voltou a me encarar como se tivesse saído de um sonho muito profundo e inclemente. – Você está certa, me perdoe.

- O que você queria falar?

- Bem... – Ele ergueu-se nervosamente e começou a ajeitar tudo que sua visão alcançava, fosse sua mesa ou não. – Não me leve a mau, sobre seus amigos.... bem, em fato, não é que eu não esteja feliz de você ter feito amigos... por favor não confunda minhas palavras, mas de todas as pessoas dessa escola precisava ser eles?

- O que você quer dizer? – Eu realmente desejava que ele não estivesse dizendo o que eu imaginava estar.

- Existem uma diversidade de seres humanos nessa escola, inclusive os que são mais semelhantes a você, sabe? – Ele esfregou suas mãos suadas na calça - Eles não chamam tanta atenção, nem são tão agitados...

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora