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A relva onde eu me assentava era macia como um colchão, não havia uma árvore sequer aos meus arrabaldes, o gramado se estendia por milhares de quilômetros até o horizonte cujo arrebol fora tingido de vermelho sangue, não havia nuvens no firmamento.

Eu olhei para os meus pés reparando que meu corpo estava menor do que era de fato e meu cabelo estava tão grande quanto foi a um mês; eu olhei para trás, reparando que lá havia uma grande estrutura imponente e branca, seus vidros blindados com grades refletiam o sol do crepúsculo iluminando a tudo (minha escola do fundamental); ao olhar para o lado percebi que havia uma outra pessoa comigo, um garoto, seu rosto era apenas um borrão ainda assim eu sabia que ele era delicado como uma garota. Ele era humano, disso eu estava certa, ainda assim não respirava, não se mexia e nem piscava tal como uma estátua.

- Todos querem que eu faça amigos, mas você não, você não é como os outros, você não se importa, por quê? – Minha voz estava aguda e suave, era como se não me pertencesse.

Eu sequer lembrava de ter pensado aquilo, apenas disse.

- Ninguém te entende, nem nunca vai entender. - O menino sorriu, não da maneira gentil e inocente que as crianças sorriem, era um sorriso malicioso. – E é melhor assim, se você estiver em uma gaiola não vai poder sair, vai ficar para sempre presa e eu poderei admirá-la.

Nos dois pulamos assustados, um barulho abrupto começou a soar de todos os lugares, todas as coisas começaram a embaçar e sumir e eu ascendi.

Eu levantei automaticamente de minha cama e desliguei o despertador barulhento. O suor frio escorria pelo meu rosto fazendo o cabelo grudar em minha tez.

“Isso foi um sonho? Um pesadelo?” inquiri para os meus botões “ou um prelúdio?”.

Como esperado eu fui uma das primeiras pessoas a chegar na sala de aula

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Como esperado eu fui uma das primeiras pessoas a chegar na sala de aula. O ar era prata e dourado e entrava pelas janelas abertas espalhando-se por todo aposento, tinha um cheiro peculiar de cobre oxidado e detergente, banhando as mesas com o brilho pálido da bruma todavia isso perdurou por apenas poucos minutos.

Com o passar do tempo a sala foi enchendo-se por alunos tagarelas, que conversavam eloquentemente sobre as férias, matando a saudade uns dos outros com beijos e abraços.
Tinha esquecido, havia passado tanto tempo com Pedro naquelas férias que uma névoa pairou sobre minha frágil memória. Adolescentes comuns não eram como ele, não cheiravam ao balsamo doce da mais régia primavera em ascensão e sim a um suor fétido, abafado e hormonal, não moviam-se daquela maneira esmera e opulenta onde até mesmo seus ínfimos trejeitos assemelhavam-se a um pulquérrimo tripudio e sim esbarravam nos objetos, tropeçavam sobre seus próprios pés, derrubando tudo ao alcance de suas mãos estabanadas, suas vozes não eram veludosas, suas línguas não falavam cada sílaba como se cantassem, não conseguiam te prender com os olhos ou girar-te entre os dedos como uma moeda, eram bobos, um bando de quase adultos com síndrome de Peter Pan.

Apesar das dificuldade eu os aturei, até o ponto onde suas presenças não eram um total estorvo.
A primeira aula foi vaga e ao ínterim que todos papeavam eu fitava a janela, contornando com os olhos o formato dos passarinhos da árvore mais próxima e imaginando o que estes fazem para passar o tempo além de assoviar empoleirados em um galho.

- Você cortou cabelo? – indagou uma voz anasalada e nociva. – Está bonita.
Letícia riu nasalmente enquanto batia as unhas postiças rosa choque na mesa.

- Obrigado – respondi sincera.
Eu não gostei de Letícia na primeira vez que a vi, nem na segunda contudo eu podia ver com clareza que aquele era seu jeito de ser, não fazia por maldade, o mínimo que podia fazer era tentar ignorar aquele seu lado.
Ela jogou o cabelo para trás com a mão direita chamando o garoto com cabelo tingindo de vermelho a minha frente. – Ei Francisco, ela não está bonita?

Francisco virou para trás olhando para mim com indiferença. – Quem é ela?

- É a garota que sentou atrás de você por meio ano - respondeu dando uma risadinha.

- Não tente me enganar sua cadela – Ele franziu os sobrolhos – tinha uma outra garota aqui, ela era sombria, tinha um cabelo enorme, sabe?

Eu arregalei meus olhos quando Francisco xingou-a, atônita, e então encarei Letícia que estava próxima de cair numa gargalhada. – Eu estou contando a verdade! Se acha que estou mentindo pergunte ao Guilherme.

- Ôh Guilherme – chamou ao garoto com as pontas do cabelo tingido de azul que ria com o celular às minhas costas. Ele ergueu o rosto. – A quanto tempo essa garota senta aqui?

Eu o olhei, ele me olhou. – Desde o começo do ano. – E voltou ao celular.
Francisco bateu em minha mesa fazendo-a tremer, eu pulei assustada uma segunda vez. – Vocês acham que eu sou idiota? Eu sei o que vi, e não foi essa menina!

- Você é idiota – afirmou um garoto loiro que sentava-se atrás de Letícia. – Ela sentou aqui o ano inteiro.

O garoto ruivo a minha frente não retrucou, ao invés disso me encarou como se direcionasse sua frustração para mim. – Desde quando você se senta aqui?

- Eu sento aqui a meio ano – respondi olhando diretamente para sua íris de ébano.

Francisco fitou a todos como se os acusassem. – Vocês estão me tirando? Eu não fiquei louco, tenho certeza que a pessoa que sentava aqui era uma garota com cabelo longo.

- Eu cortei o cabelo – respondi edulcorada. – Aliás eu me chamo Carmen.

O rosto de Francisco tornou-se da mesma cor de seus cabelos, ele se apresentou e então voltou a olhar para frente soltando alguns resmungões, ainda assim eu ainda conseguia ver seu pescoço e suas orelhas rosas.

Letícia, que até aquele momento tinha se segurado muito bem desatou a rir de maneira estridente, quase toda a sala olhou em sua direção para ver o que se passava.

- Ah Carmen, você é incrível – comentou jogando o corpo para trás e batendo os pés animada. – Você tem que ficar no intervalo com a gente, sério!

- Eu não sei se... – eu segui minhas mãos já me desculpando.

- Por favor – implorou o que fazia sua voz ficar ainda mais nasal. – Você vai gostar.

Eu encarei os olhos implorativos de Letícia cedendo enfim. – Acho que tudo bem.

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CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora