XII

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Eu fechei a loja quando o sol se punha. Pedro estava sentado nos degraus da calçada cinzenta e rachada na frente da floricultura contemplando a incrível visão perante nós; apesar do inerente frio tudo era laranja, o céu, o ar, a luz, as casas, era como se todas as outras cores tivessem tirado um tempo para descansar. O arrebol se estendia por toda a extensão do céu acompanhado da lua que acabava de brotar apenas para ter um vislumbre do sol. A brisa tinha cheiro de chuva e detergente. As crianças já sem muita energia brincavam de fazer bolhas de sabão e estas resplandeciam como fagulhas desaparecendo no longínquo horizonte. Os adultos empertigavam seus pescoços pelas janelas rindo das travessuras infantis e da nostalgia de outrora.

Sentei-me ao lado de Pedro deliciando-me com sua pintura. Seus olhos lilases e duros refletiam o astro, seu cabelo descia em camadas até o início de sua mandíbula emoldurando seu rosto sem expressão.

- O que você quer conversar Carmen? – instigou esticando seus lábios para cima.

- Sobre muitas coisas. – Ele fez sinal para que eu continuasse. – Não sei por onde começar.

- Comece por onde você quiser.

Abaixei minha cabeça analisando o meu pé pálido, sua cor destoava da do restante do meu corpo como se fosse o pé de outra pessoa, eu podia ver o contorno de algumas veias e alguns ossos quando movia-o de determinada maneira.

- Por que se apaixonou por mim? – perguntei timidamente.

Pedro cruzou os braços como se ponderasse. – É complicado, não existe efetivamente uma razão. A coisa toda é extremamente lógica na minha cabeça mas quando eu coloco em palavras soa quase insano.

- Mesmo que seja difícil de explicar eu ainda vou me esforçar para entender.

Seus olhos vagaram. – Quando a vi entrar pelo estacionamento aquele dia minha atenção teve total foco em você embora eu não entendesse o porquê. Não me leve a mal Carmen mas você é exatamente o tipo de pessoa que eu não notaria até você por uma melancia no pescoço e pular na minha frente.

- Eu não me senti ofendida.

Ele sorriu. – Enfim, no momento em que você se instalou de maneira completamente esquisita eu soube que você estava me espionando, eu me irritei com aquilo, quem você pensava que era? Por causa disso decidi te atormentar um pouco, uma vingança inocente, ou pelo menos foi disso que me convenci.

“Quando te vi ali parada é verdade que me aborreci mas não porque você estava xeretando, estava com raiva de mim mesmo porque havia algo em você que me instigava, fui lá ter contigo apenas porque suas expressões me fascinavam e tudo piorou quando você me apontou as coisas que eu fazia de tudo para que ninguém percebesse.”

“A coisa toda passou e eu esperava que eu não precisasse mais te ver, não queria mais me sentir daquela maneira contudo eu não parava de pensar em você nem por um segundo, você estava na minha cabeça quando eu acordava, quando eu estudava, quando ficava com outras garotas, quando dormia e até mesmo nos meus os sonhos.”

- Eu não sabia o que você possuía de tão especial para me atrair de tal maneira, por isso....

- Você decidiu me investigar – completei enquanto ele afirmava com a cabeça.

- Eu esperava que ao fazer isso descobrisse coisas escabrosas ao seu respeito mas o que eu vi em você não me surpreendeu em nada, você era exatamente o tipo de pessoa que eu esperava que fosse e ainda assim, Carmen, você era inacreditável, eu não pude evitar ficar ainda mais fascinado por sua pessoa.

“Foi aí que decidi me aproximar uma segunda vez de você e dessa vez não teve volta, você me prendeu completamente. Nesse ponto eu já estava apaixonado contudo eu nunca tive esse tipo de sentimento antes então não percebi logo de cara. Naquele dia na janela enquanto você descrevia a chuva eu pude perceber que estava louco por você, o meu sentimento transbordava de tal maneira que não pude conter-me e te disse as palavras que escondi de mim mesmo.”

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora