XXIV

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A cozinha parecia completamente ínfima com a minha família inteira ocupando seu espaço, estavam todos presentes, Camilo, Carlos, Cauã, papai, Suzana e até mesmo a nova namorada de Carlos, Jasmine – era, num contexto geral, uma garota bonita, olhos castanhos e profundos, um cabelo enrolado e cheio de vida própria, uma bonita e balsâmica pele morena e um nariz de batata, contudo, diferentemente da beleza de Pedro e Verônica cuja a cada olhadela tornava-se mais encantadores, quanto mais eu contemplava Jasmine menos esmera ela se tornava, talvez fosse seu modo simples de falar, ou talvez fossem seus olhos que denotavam coisas como paz mundial, animais não são feitos para estar em jaulas e o famigerado você não tem que mudar para ser bonito, você é perfeito do jeito que é, coisas que faziam-nos sentir mau apenas por existir.

A quentura de sete pessoas ocupando um aposento confinado e a falácia jubiloso de suas bocas fazia com que não fosse necessário casacos para esquentar-nos, fosse por dentro ou por fora, até mesmo os ridículos armários azuis de minha mãe tornaram-se fixe perante a luz esmeralda que se erguia sobre nossas cabeças. À mesa haviam uma diversidade de pratos; frango assado, farofa de bacon, salada de maionese, feijoada. Parecia até natal.

- Você não tinha alguma coisa para nos falar, princesa? – indagou meu pai quase me fazendo engasgar com um pedaço de osso que eu vinha roendo até o momento.

Eu limpei minhas mãos suadas na minha jeans azul sentindo os olhares instigantes de todos em minha direção, afinal, este era o motivo da janta. – Bem, é.... Hum... quer saber? Por que vocês não tentam adivinhar? – eu me dei um chute por dentro por ficar enrolando, seria tão mais fácil se eu limpasse logo o meu pescoço e o colocasse na guilhotina, se meus quatro carrascos fossem rápidos talvez nem espirrasse sangue.

- Qual é? Esse jogo não tem o menor sentido, ninguém nunca adivinha! – implicou Cauã.

- Bem, não custa nada tentar.

-  OK então, deixe-me tentar, você por algum acaso ganhou na loteria? – inquiriu com sarcasmo.

- O quê? Claro que não!

Ele estalou a língua fazendo uma expressão de desgosto cínica. – Puxa, que pena! Então o que poderia ser? São apenas infinitas possibilidades!

Jasmine abruptamente se ergueu do assento entusiasmada. – Eu sei! Eu sei! Você ganhou a prenda do bingo desse mês!

- Jasmine, não caia na dela, está só tentando nos distrair do que realmente importa -  disse Cauã ainda carrancudo, mas ninguém o ouviu.
- Não, aliás, quem joga bingo hoje em dia?

- Eu jogo! – retrucou dando de ombros.

- Menina do céu, eu sei! Você ganhou aquele sorteio para um dia no Spa com tudo que você merece! – exclamou Suzana aplaudindo e dando gritinhos antes mesmo de ouvir a resposta.

- Não seja boba Suzana! – Camilo ascendeu com uma austeridade que eu nunca vira em todos os dezessete anos que passamos juntos. – Você ganhou uma bolsa de estudos para Havard, não é?

- Não seja bobo, quantos jovens brasileiros de uma família classe média baixa você já viu ganhando uma bolsa de estudos para Havard? – indaguei enquanto ele cruzava os braços emburrado e sentava em sua cadeira ao lado de Suzana. – Foi o que pensei.

- Então o Spa....

- Também não!

- OK Carmen, está na cara que ninguém vai adivinhar, que tal você ir direto ao ponto agora. – Cauã me fitou um tanto quanto irritado.

Eu mordi minha boca e encarei a porta da cozinha com o canto do olho, as coisas que eu ouvira até então eram tão ridículas que eu tinha até mesmo perdido o fio da meada, o que de fato era bom.

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora