"Foi no segundo ano que eu me apaixonei"
Todos os seres deste mundo são instintivos, inclusive os seres humanos a qual se vangloriam por sua insigne racionalidade.
Carmen, como qualquer ser humano, tinha seus próprios instintos, tal como aquele que...
Foi em torno das seis da manhã - o sol ainda ascendia pela alvorada espantado a bruma noturna e colorindo o firmamento com tua paleta de cores – que Pedro me ligou.
Levantei-me abruptamente espantado todo o sono e agarrando aquela coisa antiquado e barulhenta do meu criado-mudo antes que acordasse toda casa, mesmo meu cérebro estando completamente ativado meu corpo ainda se encontrava meio grogue, foi quase uma missão impossível fazer meu dedo deslizar de maneira correta pela tela.
- Alô? – Minha voz soou meio rouca e irritada.
- Bom dia, Carmen!
- Bom dia só se for para você – retruquei mal-humorada, Pedro riu. – O que está fazendo?
- Correndo num parque perto do meu condomínio. – Eu relevei a parte do condomínio, estava mais atenta a sua voz ofegante e o barulho leve de um trotar.
- Não foi isso que eu quis dizer. – Eu sai do meu quarto silenciosamente enquanto colocava o leite para esquentar no caneco, provavelmente não ia conseguir voltar a dormir. – Por que está me ligando nesse horário?
- Eu ia te convidar para ir ao parque comigo.
- Desculpa, eu sou meio sedentário, não gosto de correr. – Coloquei o leite já quente dentro de uma xícara vermelha da Nescafé que minha mãe possuía antes mesmo de eu nascer e comecei a bebericá-lo puro.
- Não estou falando desse parque, estou falando do parque de diversões que abriu no centro recentemente. – Podia sentir um sorriso formando-se em seus lábios.
Sentei-me na cadeira fria da cozinha enquanto observava o céu tomando uma tonalidade coral com nuances lilases. – Você sabe que eu preciso abrir a loja, né?
- Só hoje não tem problema, as férias estão quase acabando, você precisa aproveitar um pouco Carmen, preferencialmente comigo.
Eu parei para ponderar o que Pedro tinha dito, ele não estava exatamente equivocado.
- Além do mais, você disse que queria me conhecer melhor, o que melhor para fazer isso do que um encontro. – E ele tinha outro ponto.
- Se for só hoje acho que não tem problema – murmurei enquanto deixava meu leite de lado e ia em direção ao meu guarda-roupa para escolher o que ia usar.
- Beleza, eu posso te buscar na frente da sua casa umas dez horas. Eu parei para analisar a situação, não queria que meus irmãos descobrissem que eu estava namorando, pelo menos não ainda, se eles vissem um cara incrivelmente chamativo me esperando no portão de casa, eles me fariam um monte de perguntas impertinentes, lidar com isso seria um saco. – Não, vamos nos encontrar no parque que tem perto da minha casa, aquele onde passa o trem.
- Aquele onde você se declarou para mim? – Ficava óbvio apenas pela tonalidade de sua voz que Pedro queria me embaraçar, bem, ele conseguiu.
- Sim, esse mesmo – balbuciei sentindo o sangue da minha face esquentar.
- Então beleza, já vou desli...
- Calma aí! - parei-o enquanto colocava o meu casaco preto básico com botões brancos e o meu casaco cinza com estampa xadrez em cima da minha cama. – Ainda não entendo porque você me acordou tão cedo.
O leve trotar que eu ouvia antes parou abruptamente contudo Pedro continuava ofegante. – Não podia arriscar que você abrisse a loja antes de eu te convidar para sair ou a chance de você recusar era maior, e eu também não sei quanto tempo você demora para se arrumar.
Encarai indecisa as minhas vestimentas na minha cama ao mesmo ínterim em que tirava um cachecol branco e outro preto de dentro das gavetas de minha cômoda. – Que exagero, eu não demoro tanto, meia hora para me arrumar e quinze minutos para o café é mais do que suficiente.
Pedro riu. – Foi mal.
- Foi muito mau mesmo. – Eu cacei em meu armário minha jeans azul favorita. – Quanto dinheiro será que eu levo?
- Uns duzentos reais – a respiração de Pedro languidamente retornava a sua normalidade.
- É muito caro – reclamei pegando minhas botas marrons de cano baixo com uma fivela dourada do lado, de dentro da minha sapateira.
- É o dinheiro que se usa para a passagem do ônibus, os bilhetes dos brinquedos, um almoço decente, as lembrancinhas e para alguma emergência.
- Depois dessa a gente não vai a um encontro por tão cedo.
Ele gargalhou, sua risada era como os sinos de um treno. – Tudo bem, agora eu posso desligar?
- Uma última coisa...
- Sim?
- Casaco xadrez com cachecol preto ou casaco preto com cachecol branco? – indaguei mirando os dois ao mesmo tempo.
Do outro lado da linha eu ouvi o som de um baque baixo de algo batendo. – O casaco xadrez soa legal mas por que tem que ser um cachecol, não poderia ser uma touca?
- A touca pode voar na montanha russa.
Eu ouvi o som de algo sendo engolido, provavelmente água. – O cachecol também pode voar.
- Não se eu enrola-lo muito bem em volta do meu pescoço e colocar as pontas dentro do meu casaco.
- Se é assim você também poderia colocar a touca dentro da bolsa.
- Eu não quero ficar arrastando uma bolsa para cima e para baixo quando estivermos no parque.
Por um segundo paramos de conversar e analisamos a situação em que nos encontrávamos.
- Por que estamos discutindo sobre isso? – indagou Pedro.
- Eu não sei.
Nós rimos em uníssimo, eu com um tom mais baixo que o dele, estava temerosa de acordar meus irmãos.
- Eu vou desligar, Carmen.
- Tudo bem.
Segurei meu celular em frente aos meus olhos enquanto via a ligação ser finalizada, quando isso aconteceu um pequeno sentimento de solidão me atingiu.
Sentei-me na cama apreciando o silêncio enquanto o sol adentrava em cada ínfima fissura da minha casa. O céu agora era feito do mais puro lilás, da cor dos olhos de Pedro. Eu coloquei timidamente a minha mão em meu pescoço, sentindo meus dedos finos e gélidos tocando minha tez, encarando minha parede em uma quietude aprazível.
“Acho que eu vou com meu casaco preto” pensei com os meus botões.
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