III

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"Foi em uma próxima vez que eu me apaixonei."
Carmen

Quando Pedro perguntou meu nome e disse “até a próxima vez, Carmen”, não pude evitar a esperança de que aquilo poderia ser verídico contudo quando o outro dia chegou nada realmente aconteceu, era como se ele nunca tivesse me visto na vida e eu não sabia se podia condená-lo já que para sua pessoa provavelmente não era tão importante quanto para minha; foi como se o dia anterior nunca tivesse existido, uma realidade onírica a qual o indigente eu inventou no intento de espantar a solidão.

Era imaginável que ao passar dos dias aquela sensação avassaladora e inquietante que me queimava por dentro passaria periodicamente, mas a verdade é que todos os dias eram terríveis, Pedro era a última coisa que eu pensava antes de dormir e a primeira quando eu acordava, era o que me fazia tremer e o que me deixava ansiosa, as coisas se tornaram doentias a tal ponto que antes que eu pudesse ver haviam se passado três semanas e eu me tornara um ser incapaz de seguir em frente.

A parte boa era que eu estava sempre a vê-lo pela escola – o que era de fato estranho pois nunca havia o visto antes, talvez Pedro estivesse sempre ali contudo eu tornara-o invisível como fiz a outrem -, via-o pelos corredores, no pátio, no refeitório, na biblioteca. Era um rapaz carismático, adorado como uma entidade por todos, fosse professores, inspetores, alunos ou faxineiros, todos amavam Pedro, tal como um patrimônio público, ele pertencia a todos e não pertencia a ninguém.

Apesar de estar sempre a vê-lo desta maneira, eu apenas troquei olhares com ele uma única vez neste longo ínterim: eu estava a ler um livro na biblioteca e Pedro encontrava-se algumas mesas a minha fronte fazendo o que eu suponha ser um trabalho. Eu meramente olhei-o por capricho somente para ver teus olhos vidrados em minha direção, talvez eu estivesse enganada e ele não estivesse encarando-me, talvez estivesse interessado em algo atrás de mim, mas mesmo que fosse dessa forma, aqueles solenes e frios olhos tinham o poder de tornar todo ar a minha volta pesado feito chumbo.

Tirante isso, todos os meus dias permaneciam iguais; acordar, estudar, ajudar Camilo, cuidar da floricultura, jantar com os meus irmãos, dormir e recomeçar.
Aquele dia também foi o mesmo. Todos os alunos, com exceção do clube de basquete e o de vôlei, haviam se retirado, os únicos sons audíveis em toda escola eram o estrépito dos meus sapatos batendo contra o corredor banhado por produtos de limpeza, e o da fricção das bolas com o corpo humano. Como de praxe, meu destino era a sala dos professores, mais precisamente Camilo que muito provavelmente me pediria ajuda com  algum outro empecilho na nossa ida para casa. Em algum momento da minha languida caminhada uma longa mecha do meu cabelo castanho escuro se prendeu em um dos zíperes da minha mochila e independente do quanto eu me tergiversava, não conseguia desembaraçá-lo sem magoar-me.

- Deveria cortar logo esta coisa, já está a me atrapalhar – murmurei para mim mesma, retorcendo-me feito uma lagartixa na tentativa de chegar ao meandro.

- Não acho que você deva cortar, seu cabelo longo é realmente bonito, Carmen – retrucou uma voz melódica vinda de trás de mim -, mas tudo bem se você o fizer, você ficaria bem de qualquer jeito.

Todo o meu corpo virou-se automaticamente para trás, estava tão surpresa que sequer prestei atenção ao que ele havia dito antes. – Pedro? de onde você veio? eu não te ouvi chegando.

- É que você estava distraída fazendo algum tipo de dança esquisita – explicou enquanto ria.

- Dança? Quê dança? – demorou um pouco até eu entender do que ele estava falando, mas quando eu finalmente entendi todo o meu corpo tornou-se carmesim de vergonha. – Eu não estava dançando, estava tentando alcançar o zíper da minha bolsa.

Minha justificativa apenas despertou ainda mais seu desejo de rir.

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora