XXVI

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Eu acordei de repente olhando para um quarto completamente alaranjado pelo sol, encarei Pedro que dormia profundamente ao meu lado e levantei-me com um pulo assim que notei que eu havia passado tempo demais por lá.

- Ai, droga – praguejei indo em direção a lavanderia de Pedro, pegando minhas roupas dentro da secadora e vestindo-as com pressa.

Eu rapidamente peguei meus pertences e sai da casa de Pedro deixando para trás as roupas que eu vestia em cima de sua cama dobradas – eu já havia passado tempo demais por lá.

Quando cheguei em casa o céu estava completamente escuro e sem vida, meus irmãos assistiam a tv na cozinha enquanto comiam uns lanches com presunto e queijo, eu afundei na cadeira ao ínterim que seis pares de olhos me encaravam.

- Onde você estava?

- Na casa da Verônica, pai – respondi meio distraída.

- E o que você estava fazendo lá?

- Nada, não. Só conversando.

Eu encarei a tv pendurada no topo da parede, mas eu não estava realmente a assistindo até Cauã fazer um comentário:

- Esse francês não sai das notícias, mas não é de se estranhar já que ele fez um patrimônio de mais de um bilhão de reais em menos de dez anos, bem admirável.

Meus olhos moveram-se em direção ao monitor para olhar o francês, eu já havia o visto antes, ele era bem bonito e carismático.

- Por que será que tenho a sensação de que o vi em algum lugar? – perguntei para os meus botões.

Eu continuei encarando o senhor, admirando seus movimentos leves e elegantes, o trejeito de seus dedos e seu olhar calma e penetrante.

- Ele não lembra um pouco o Pedro? – indagou meu pai fazendo com que todos na mesa olhassem em sua direção.

- O que exatamente? – zombou Cauã.

- Acho que o papai está certo – murmurou Carlos analisando seriamente o CEO -, como posso explicar? O jeito que ele se move, a fala mansa, sabe? A expressão carismática.

- Nada haver – repliquei levantando de maneira abrupta. – Eu vou tomar um banho.

Minhas sobrancelhas franziram enquanto eu tirava minhas roupas e entrava no box do chuveiro, sentindo o jato de água fria nas minhas costas esquentar gradualmente.

“Se me lembro bem, Pedro sabe falar francês” pensei com os meus botões enfiando minha cabeça de baixo da água e segurando a respiração.
Eu terminei rapidamente meu banho e deitei na minha cama sentindo os fios de meus cabelos castanhos embebidos tocarem meu pescoço ao mesmo tempo que o aroma de shampoo se espalhava pelo ar do meu aposento.

“Será que...?” continuei ponderando “não, não! Que besteira Carmen, de jeito nenhum.”

De repente o porta retratos dos pais de Pedro irrompeu pela minha mente e eu tive uma epifania; o pai de Pedro naquele foto era a mesma pessoa daquele presidente francês de uma companhia imobiliária na tv, claro, uma versão mais jovem, mas definitivamente o pai de Pedro.
- Caralho!

Eu me ergui com um pulo, pegando a chave de casa e correndo por seus corredores.

- Onde você está indo Carmen? – gritou Carlos da janela de casa enquanto eu corria pelas ruas mal iluminadas.

- Esqueci um negócio na casa da Verônica – gritei de volta.

- Mas você está de pijama!

Eu olhei para baixo somente para ver minhas calças largas do Mario Bros e minha camiseta de abacaxi, mas eu não tinha tempo para isso agora.
Nunca pensei que eu tivesse tal habilidade de corrida contudo eu a tinha, mesmo assim, saber correr bem não era o suficiente, eu tinha que me lembrar o caminho que fiz mais cedo com Pedro; por pelo menos quatro vezes eu entrei em lugares que não deveria ir, e até mesmo quase me meti em sérios problemas com pessoas que eu não deveria. Ainda assim, depois de muita confusão eu finalmente consegui chegar em frente do condomínio de Pedro e logo mandei uma mensagem para ele:

“Tô na frente do seu condomínio, aparece aqui por favor!”

Não demorou muito para ele me enviar uma resposta então eu pacientemente esperei enquanto enfiava as mãos no bolso da minha calça.

Nesse meio tempo eu devo ter trocado olhares com o porteiro pelo menos umas dez vezes, talvez o fato de eu estar suada, ou talvez o meu pijama fez com que ele não conseguisse desviar seus olhos de mim.

- Nossa, você parece desesperada – comentou Pedro rindo enquanto saia pelo portãozinho de madeira após uma curta espera.

Eu corri em sua direção e segurei as pontas de sua blusa enquanto olhava profundamente em seus olhos. – Pedro, jure  que só vão dizer a verdade!

- O quê?

Eu balancei suas roupas. – Jure!

- Tá, tá. Eu juro solenemente dizer a verdade e somente a verdade. Agora me diz, qual foi?

- Qual a sua nacionalidade?

- Você é um bicho astuto Carmen, me fez jurar e agora...

- Responde logo.

- Depende do ponto de vista. Em um contexto geral, você pode me chamar de mestiço.

- Seu pai é francês?

- Até onde eu saiba, ele é.

- É aquele CEO francês que tem aparecido na tv quase que toda a semana?

Pedro ficou em silêncio por um tempo. – Eu tenho direito de permanecer calado?

- Tem sim, mas então a culpa de todas as acusações cairão sobre você.

- Então é, você acertou.

Eu soltei uma grande lufada de ar e meus olhos se arregalaram. – Uau!

- Pois é.

- Por que você não queria me contar sobre isso? – indaguei ainda perplexa.

Pedro ficou em silêncio por um momento, tudo ao nosso redor era abafado e quente, o céu enegrecida e sem estrelas pulsava ao nossos arrabaldes.

- Eu não queria que você me tratasse diferente por causa disso. – Ele abaixou os olhos e suspirou como se sofresse em demasia. – As pessoas tendem a se afastar quando descobrem isso, ou tentam me usar para tirar aquilo que eu tenho, e isso é doloroso, ver as pessoas que você confiava usarem você para seu próprio benefício.

- Eu nunca faria isso – balbuciei –, se bem que agora eu não vou me segurar quando formos a encontros pagos por você.

Pedro riu e passou seus braços ao redor dos meus ombros enquanto me guiava para dentro de seu condomínio. – Hoje estou de bom humor, então vou deixar você conhecer meus pais.

- Jura? Mas eu estou de pijama, eles não vão achar estranho?

- Nem, eles também estão.

- Então vai ser uma festa do pijama, né?

- É, tipo isso.

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora