XI

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“Este garoto é um cafajeste,
o melhor que você já teve.”
Artic Monkeys

Por muitos anos eu fui um canário enjaulado.

A raposa iludiu-me pedindo que eu saísse pois tinha o intento de devorar-me e é claro que ela nunca esperou que ao sair eu me tornaria uma flor repleta de pétalas com diferentes cores e formas. Agora sem o que comer a raposa decidiu passar o tempo apenas tentando descobrir o que havia no meio de minhas pétalas, desvelando-me pouco a pouco.
Eu estava realmente em júbilo ao acordar no dia seguinte, era como se eu tivesse passado com êxito por uma difícil prova.

Com cuidado eu abri meus olhos sentindo uma leveza em minhas pálpebras, fitando com diligência o espetáculo de luzes coloridas que adentravam pelos mosaicos da minha vidraça

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Com cuidado eu abri meus olhos sentindo uma leveza em minhas pálpebras, fitando com diligência o espetáculo de luzes coloridas que adentravam pelos mosaicos da minha vidraça. Sentei-me em minha cama coberta por lençóis vermelhos, pegando a chave de minha cômoda e abrindo sua gaveta. Meus dedos tatearam cuidadosamente no escuro até encontrar uma protuberância lisa em sua extremidade, puxei para fora o belíssimo isqueiro preto e prata apenas para sentir em minha cútis um pedaço de Pedro e viajei para o longínquo de minhas memórias, apenas aquelas que recordavam-me meus felizes momentos com aquele rapaz. 

Voltei a guardar a pederneira no momento em que senti o cheiro de tapioca com manteiga originado da cozinha. Pulei de minha cama, a frieza do piso transpassava minhas meias enquanto eu seguia o eflúvio da comida.

Cauã assistia ao jornal matinal e só me notou quando beijei seu rosto para desejar-lhe um bom dia:

- Você cortou o cabelo? – perguntou, seus olhos acompanharam meu caminhar até a pia.

- Cortei, você gostou? – Eu lavei a frigideira da tapioca, a água gelada endureceu meus dedos.

- Sim! Você está linda, Carmen! Parece até outra pessoa.

Eu dei um risinho nasal.

Peguei a tapioca na geladeira colocando quatro colheres da mesma na panela. No instante em que ela bateu na chapa quente o seu eflúvio subiu formando nuvens no teto de minha cozinha. Assim que ficou pronta sentei-me e comecei a apreciar meu alimento.

De supetão Cauã tirou de algum lugar papéis vermelhos e então começou a dobra-los com diligência.

- O que está fazendo? – inqueri inclinando-me para frente para ver sua obra.

- Origami.

- Desde quando faz origami?

- Desde de que vi um vídeo no Youtube e me interessei.

Achei bonito, a maneira como ele dobrava e desdobrava era esmera, fazendo um simplório papel transformar-se em um cisne, depois em um leão. Era como mágica quando Cauã deslizava seus dedos calejados pelo carmim e então unia algumas extremidades formando desenhos tangíveis. A última coisa que ele dobrou foi uma flor e apesar do papel ter uma tonalidade clara, a flor tornou-se vermelho vivo, quase que verdadeira, eu fitei o purpúrea de suas pétalas escorrendo feito sangue pelos dedos de meu irmão.

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora