XV

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A brisa cortante entrava por cada poro do meu corpo que conseguia alcançar enquanto eu me dirigia para o parque, era como se estivéssemos em uma luta sangrenta – enquanto o vento desferia-me golpes violentos em todos os pedaços de pele exposta, eu deveria aguentar sem me render e continuar prosseguindo.

O parque de dia tinha um ar completamente diferente do de noite; eu podia ver com clareza as pessoas andando com seus cachorros, suas crianças, seus amigos e seus maridos; sem tetos dormindo nos bancos cobertos por papelões, barraquinhas vendendo doces, o quiosque de madeira ainda molhado pela chuva de domingo e a banquinha de jornal ainda fechada. As árvores tinham cascas grossas, escuras e duras, eram tão grandes quanto uma casa de quatro andares, suas raízes faziam os paralelepípedos cinzentos se erguerem do chão e os muros das estruturas próximas racharem, seus frondes tinham uma tonalidade verde azeitona e eram tão cheios que cobriam parte do céu.

Quando cheguei lá Pedro já me esperava no mesmo lugar em que nos encontramos da primeira vez, ele se encontrava na mesma situação em que todas as pessoas, o vento batia com toda a sua vitalidade em seus corpo bagunçando suas roupas e desgrenhando seu cabelo todavia diferente de todos nós ele poderia ser um comercial de roupas ou a capa de uma revista.

- E aí Carmen – cumprimentou sorrindo.

Seus lábios estavam meio arroxeados e sua pele meio pálida o que me fez pensar que talvez eu estivesse atrasada. Olhando o meu celular eram nove e cinquenta e cinco, eu definitivamente estava no horário.

- Quanto tempo você ficou me esperando aqui? – indaguei enfiando minhas mãos enregelados nos bolsos do meu casaco preto.

- Eu cheguei aqui só um pouco antes de você. – Ele deu um daqueles seus sorrisos deslumbrantes e cândidos de uma beleza quase infantil.

“Eu sequer sei dizer se ele está contando a verdade ou está mentindo” pensei comigo mesma.

- Vamos indo? – perguntou enquanto levantava-se da cerca vermelha metálica que rodeava o parque com um pulo.

Como sempre Pedro vestia preto dos pés a cabeça (apesar de que desta vez a blusa de dentro era de lã alva), no entanto algo nele me chamou mais atenção do que suas vestimentas, em seus rosto, apoiado na protuberância com dois orifícios comumente chamada de nariz por nossa sociedade, havia uma armação preta de plástico que estendia-se até suas orelhas e cobria parcialmente sua face. Um óculos.

- Eu não sabia que você precisava de óculos – comentei enquanto acompanhava seu caminhar para fora do parque.

Pedro me olhou confuso por alguns segundos. – Eu não preciso.

Eu apontei para seu rosto.

- Isso? – inquiriu tocando a armação opulenta em sua face, eu fiz que sim. – Eu não preciso deles, não tem grau, são só para enfeitar.

- Jura? – exclamei.

- Juro, quer ver? – Pedro tirou os seus óculos e me entregou com diligência, suas mãos estavam frias como gelo.
Eu coloquei-o em meus olhos, não fazia a menor diferença se eu os usava ou não. – E aí? Eu pareço estilosa? – inqueri fazendo pose.

- Com certeza! – respondeu enquanto gargalhava.

Fiz a alusão de tira-los mas antes que eu o fizesse Pedro me parou. – Pode usar se quiser, na verdade, eles ficam melhor em você do que em mim.

- Tem certeza?

- Absoluta.

Conforme andávamos eu percebi que era impossível não reparar no quanto ele parecia estar com frio, sua pele estava pálida, seu nariz rosa e seus lábios faziam par com seus olhos.
Eu languidamente tirei minha mão do bolso abafado do meu casaco e esgueirei-a com peripécia até conseguir fazer a ponta dos meus dedos tocarem no bloco de gelo que eram as mãos de Pedro.

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora