Capítulo 1: Riviera

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- Então, acho que está tudo pronto por aqui! - minha mãe diz, olhando ao redor do quarto, como se estivesse buscando algo errado por ali, algo que pudesse fazer com que prolongasse sua estada. Sorrio e balanço a minha cabeça, pois esta não é a primeira vez que ela faz isso na última semana.

O céu já estava bastante escuro quando terminamos de ajustar alguns detalhes da arrumação do meu quarto e lá fora não havia uma movimentação muito diferente da esperada para um domingo. Ao contrário do que tínhamos dentro do meu apartamento, cujos últimos dias tinham sido todos agitados e também um tanto cansativos. Mas não havia nada diferente do esperado, afinal estamos falando de uma mudança. Porém a agitação que predominava o ambiente também era um efeito colateral do que viria: a nossa despedida.

Quando, no meu último ano do colégio, dividi com meus pais o meu desejo de estudar em outra cidade, imaginei que não seria fácil. E de fato foi um tanto... delicado. Os meus pais inicialmente não gostaram muito da ideia. Eles tentaram de tudo, desde me convencer a esperar mais um pouco antes de sair da casa deles até de que ainda não estava pronta para me virar sozinha. Mas quando notaram que não havia muita saída, acabaram se conformando e me apoiando. Só que mesmo assim não é fácil para eles. Agora que tudo está ficando mais real então. Realmente não deve ser fácil ver a sua garotinha indo viver longe de você - mesmo quando o "longe" esteja a duas horas de distância.

Riviera não é um lugar desconhecido. Ao contrário da minha cidade, o seu destaque não é o litoral, mas sim as universidades. Por mais que ainda traga algumas características de cidade interiorana, a comunidade universitária acaba trazendo um ar mais jovem para a cidade e uma movimentação a mais. Se havia algo que fazia com que ela se destacasse entre as demais cidades do estado, a sua agitação e as possibilidades para aqueles que estão buscando conhecimento, sem dúvidas, seriam os pontos mais citados. E era essa a impressão que tinha todas as vezes que vinha à cidade para visitar alguns parentes nas férias ou em datas comemorativas.

Não sou a maior exploradora da cidade, mas tem um lugar em especial que sempre faz os meus olhos brilharem: a Universidade de Riviera. Todas as vezes que passava por sua fachada, a minha vontade de fazer parte daquele lugar crescia. Ali parecia o lugar perfeito para realizar o meu sonho de um dia publicar um livro e trabalhar em uma grande editora. Foi dessa universidade, ou melhor, do prédio de Letras dessa instituição que saíram grandes escritores da minha região e até alguns fundadores de editoras bem conhecidas. E seria ali que subiria o primeiro degrau em direção ao meu sonho, cursando Letras no mesmo prédio em que os autores que admiro estudaram.

Alguns dos meus amigos não entendiam o porquê de escolher esse curso. Para eles o meu gosto pela leitura e escrita talvez fosse melhor aproveitado num curso de Jornalismo ou de Direito. Mas não quero seguir os passos do meu pai e conhecer todas as leis e quando falo em contar as minhas histórias, não é com um viés jornalístico que desejo fazer isso. Quero conhecer um pouco mais sobre as palavras e estudar mais a fundo toda a literatura que existe por aí. E, quem sabe, inspirada por todos esses nomes que conhecerei em breve, não consiga escrever algo além e muito melhor do que os meus rascunhos de ficção e as fanfics de The Debate Club. Talvez algo digno de um best seller, se não for sonhar alto demais.

Mas se os meus amigos não entendiam, os meus pais sim. E foi por saber desse meu desejo e me apoiar nesses meus grandes sonhos que, na última semana, minha mãe deu um tempo em alguns dos seus projetos e meu pai pediu uma folga no escritório para que pudesse me ajudar com a mudança. Até porque eles não iriam deixar que a única filha deles precisasse passar por isso sozinha.

Nos últimos dias tivemos que lidar com aquele turbilhão de emoções trazido pela certeza de que muito em breve haverá uma despedida. Mas posso afirmar que meus pais fizeram tudo o que estava ao alcance deles para que essa mudança, por mais dolorosa que estivesse sendo, também tivesse o seu lado divertido. Optamos por fazer tudo juntos. Assim, enquanto meu pai ficava responsável pelos serviços que apenas ele conseguia realizar (as mulheres da casa não aprenderam a fazer o uso correto da furadeira - por enquanto!), junto com a minha mãe estava fazendo algo que nós duas gostamos muito: pensar e organizar a decoração da casa. O meu pai enlouquecia todas as vezes em que pensávamos em mudar algum detalhe dentro de casa, mas nós amávamos ter esse tempo juntas. E bom, com a minha mudança não foi diferente. Embora estivesse sentida por ver seu ninho ficando vazio, ter ela me ajudando a comprar os móveis do meu novo apartamento e a organizar as coisas que tinha trazido naquelas várias caixas fez com que tudo fosse um pouco menos assustador.

Leitor AnônimoOnde histórias criam vida. Descubra agora