Capítulo 37: Camila e Leonardo

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Estou lendo, há algum tempo, a página em que estão as minhas conversas com o Bender98. Já estou nas nossas últimas mensagens e ao mesmo tempo em que sinto que um sorriso está se formando em meu rosto, não consigo entender porque tenho a impressão de que meu coração está sendo espremido por duas fortes mãos e os meus olhos, em breve, vão deixar as lágrimas escaparem. É aquela sensação de sorrir chorando que certa vez li em algum lugar.

Não devia estar lendo essas mensagens. Na verdade, devia estar estudando para a prova de Filosofia que terei amanhã e, inclusive, tenho grandes chances de me sair mal. Mas não consigo me concentrar, principalmente porque não consigo me ver livre de todo o turbilhão de sentimentos que ouso dizer que fazem parte da minha composição desde quando descobri, há um mês, que Leo não só é o meu leitor anônimo como, dentro dele, há sentimentos muito maiores e mais fortes do que o de um amigo.

Hoje consigo ver com um pouco mais de clareza que, talvez, o maior problema de tudo isso é que não sei lidar com alguém gostando de mim, principalmente quando não tenho certeza se realmente conseguirei corresponder aos seus sentimentos. Leonardo abriu o seu coração para mim, mesmo do jeito todo tímido dele, e não sei o que lhe dizer, o que fazer para nos manter intactos.

Achei que sabia como reconhecer quando um novo sentimento surge por uma pessoa, sempre acreditei ser capaz de identificar quando sinto paixão, desejo, amor ou quando nenhum desses sentimentos estão presentes. Foram muitos anos trabalhando em me conhecer melhor e até mesmo me deixando levar por aqueles típicos sintomas descritos nos livros e filmes. Nunca tive dificuldade em apontar o que sinto por alguém. Mas com ele parece que as coisas não funcionam assim. Não saber o que realmente sinto por Leo e, talvez, estar morrendo de medo de me entregar novamente para alguém e para esse sentimento, fez com que as coisas ficassem bem estranhas entre nós dois. Mesmo sem me dar conta, acabei fazendo com a nossa relação o que mais temia que acontecesse.

O meu melhor amigo acabou se tornando apenas um... amigo. E o mais louco de tudo isso é que se alguém me dissesse alguns meses atrás que a nossa amizade chegaria a esse ponto, a minha primeira reação seria gargalhar na cara dessa pessoa. Mas agora não vejo graça nisso tudo. Não quando me sinto cheia de dúvidas sobre o que dizer, o que fazer logo em seguida, como devo me portar, até onde devo ir, qual intensidade devo empregar nos meus gestos. Também não é divertido ver que a nossa relação, que sempre foi tão espontânea, ficou parecendo uma peça de teatro muito mal ensaiada.

Eu sinto falta dele todo dia. Sinto falta de nós dois juntos.

E o mais contraditório disso é que estamos juntos todos os dias, sentados um ao lado do outro, assistindo quase a todas as aulas juntos, fazendo trabalhos em dupla ou grupo, participando de alguns grupos de estudos e até fazendo algumas refeições na mesma mesa, um de frente para o outro. Mas nós não somos a Camila e o Leonardo de alguns meses atrás. Da minha parte há sempre um cuidado, mil perguntas que me faço antes de agir. E, como consequência, o meu melhor amigo também se tornou uma pessoa cautelosa, como nunca foi antes - pelo menos não comigo.

Leo tem sido bastante fiel a sua promessa de nada mudar entre nós. Durante todo esse tempo, ele vem tentando se aproximar nas pequenas brechas que lhe dou. Mesmo recusando alguns dos seus convites e evitando certas conversas, de vez em quando ele me manda uma mensagem puxando assunto, me convida para um lanche no Johnny's ou uma tarde de estudos na nossa mesa preferida da biblioteca e chegou até a usar o perfil do Bender98 para deixar comentários nos poucos novos capítulos que publiquei nessas semanas.

Apesar de isso me dar uma vaga sensação de que ainda não o perdi completamente, não torna as coisas mais fáceis e nem diminui esse aperto no peito que sinto agora. Todos os dias tenho travado uma espécie de guerra interna para decidir entre nos preservar (ou pelo menos continuar achando que estou fazendo isso) ou me jogar de cabeça, sem pensar muito nas consequências. Mas arrisco dizer que, a cada dia, faço escolhas erradas, sem levar isso como aprendizado e errando um pouco mais em seguida.

Leitor AnônimoOnde histórias criam vida. Descubra agora