Não sei

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- Está dorido? - Perguntou.
- Nem por isso. - Já sentiria dores mais profundas.
Ouvi um riso abafado e ao olhar, deparei com o sorriso condescendente de Justin. Semicerrei os olhos.
- Bem, o seu pai está na sala de espera, já pode ir com ele para casa, mas volte cá se sentir tonturas ou se tiver qualquer problema de visão.
- Não posso voltar pra escola? - Perguntei, imaginando o meu pai a tentar ser atencioso.
- Talvez devesse repousar hoje.
Olhei de relance para Justin.
- E ele, podr ir para a escola?
- Alguém tem de espalhar a boa notícia de que nós sobrevivemos - Arfimou Justin com comprazimento.
- Na verdade - Corrigiu Dr. Bieber - A maior parte da escola parece estar na sala de espera.
- Oh, não - Lastimei, tapando o rosto com as mãos.
O Dr. Bieber franziu o sobrolho.
- Quer ficar?
- Não, não! - Exclamei com insistência, colocando as pernas fora da cama r levantando-me rapidamente. Demasiado rapidamente, titubeei e o Dr. Bieber amparou-me. Parecia preocupado.
- Estou ótima - Assegurei-lhe novamente.
Não havia necessidade de lhe dizer que os meus problemas de equilíbrio nada tinham haver com a pancada que eu sofera na cabeça.
- Tome Tylenol para as dores - Sugeriu ao devolver-me o equilíbrio.
- Não dói assim tanto - Insisti.
- Parece que teve imensa sorte - Afirmou o Dr. Bieber, sorrindo, enquanto eu assinava a minha ficha com um floreado caligráfico.
- Tive a sorte de o Justin se encontrar junto de mim - Rectifiquei, lançando um olhar firme ao alvo da minha afirmação.
- Oh, bem, sim - Concorodou o Dr. Bieber, subitamente ocupado com os documentos que tinha diante de si.
Em seguida, desviou o olhar, pousando-o em Marcos, e dirigiu-se à cama ao lado. A minha intuição vacilou, o médico estava ao corrente dos factos.
- Receio que Marcos tenha de nós fazer companhia apenas durante mais algum tempo - Disse-lhe ele, começando a examinar-lhe os golpes.
Assim que o médico virou costas, aproximei-me de Justin.
- Posso falar contigo por um instante? - Interroguei baixinho, manifestando desagrado.
Ele recuou um passo, afastando-se de mim, mas os maxilares subitamente cerrados.
- O teu pai está à tua espera - Disse ele por entre os dentes.
Olhei de relance para o Dr. Bieber e para Marcos.
- Gostava de falar contigo a sós, se não te importares - Insisti.
Lançou-me um olhar cruel e, em seguida, voltou-me as costas e atravessou a longa sala com grandes passadas. Quase tive de correr para conseguir acompanhá-lo. Assim que contornámos a esquina, entrando num pequeno corredor, ele deu meia volta para ficar de frente pra mim.
- O que queres? - Perguntou ele, com um olhar frio e parecendo aborrecido.
A sua atitude hostil intimidou-me. As minhas palavras saíram menos severas do que eu pretendia.
- Deves-me uma explicação - Relembrei-o.
- Salvei-te a vida, não te devo nada.
Recuei de forma titubeante perante o ressaibo patente na sua voz.
- Tu prometeste.
- Sell, bateste com a cabeça, não sabes o que estás a dizer.
O seu tom de voz era incisivo. Agora, o meu gênio inflamava-se e eu olhava-o com ar de desafio.
- Não há nada de errado com a minha cabeça.
Ele retribuiu o olhar.
- O que é que tu queres de mim, Sell?
- Quero saber a verdade - Declarei - Quero saber porque motivo estou a mentir por tua causa.
- O que julgas que aconteceu? - Perguntou com busquidão.
Tais palavras foram preferidas num ímpeto.
- Sei apenas que não estavas próximo de mim, o Marcos também não te viu, portanto, não me venhas dizer que bati com a cabeça com demasiada violência. Aquela carrinha ia esmagar-nos a ambos, tal como se verificou e as tuas mãos deixaram mossas na parte lateral da viatura. Deixaste ainda uma mossa no outro carro e não tens qualquer ferimento. A carrinha ter-me-ia esmagado as pernas, mas tu estavas a erguê-la no ar...
Apercebi-me de quão disparatado parecia tudo isto e não consegui prosseguir. Estava tão enfurecida que sentia as lágrimas virem-me aos olhos, tentei reprimi-las rangendo os dentes.
Ele fitava-me incredulamente, mas o seu rosto estava tenso, defensivo.
- Pensas que levantei uma carrinha de cima de ti?
O seu tom de voz punha em causa a minha sanidade e contribuiu apenas para aumentar mais a minha desconfiança.
Parecia uma deixa perfeita proferida por um ato experiente.
Limitei-me a acenar uma vez com a cabeça, com os maxilares cerrados.
- Ninguém vai acreditar nisso, sabes?
A sua voz tinha agora uma ponta de troça.
- Eu não vou contar a ninguém.
Pronuciei cada palavra devagar, controlando cuidadosamente a minha raiva.
A surpresa atravessou-lhe o rosto.
- Então, que importância é que isso tem?
- Para mim, tem - Insisti - Não gosto de mentir, logo, é bom que haja um excelente motivo para estar a fazê-lo.
- Não podes apenas agradecer-me e superar isso?
- Obrigada.
Eu esperava, encolerizada, e expectante.
- Não vais esquecer, pois não?
- Não.
- Nesse caso... espero que gostes de sofrer desilusões.
Olhamo-nos mutuamente com um ar colérico, em silêncio.
Fui a primeira a falar, tentando manter-me concentrada. Corria o risco de ser distraída pelo seu rosto lívido e sublime. Era como tentar vergar um anjo destruidor com um olhar.
- Porque te deste sequer ao trabalho? - Perguntei friamente.
Ele deteve-se e, por um breve momento, o seu rosto de uma beleza estonteante tornou-se inesperadamente vulnerável.
- Não sei - Susurrou.
Em seguida, virou-me costas e afastou-se.
Eu estava tão zangada que só após alguns minutos consegui mexer-me. Quando consegui começar andar, encaminhei-me vagarosamente para a saída, ao fundo do corredor.
O confronto com a sala de espera foi mais desagradável do que eu temera. Parecia que todas as caras que eu conhecia estavam ali, olhando-me fixamente. O meu pai precipitou-se para junto de mim, eu levantei as mãos.
- Não há nada de errado comigo - Assegurei-lhe. Estava ainda irritada, sem disposição para conversas.
- O que disse o médico?
- O Dr. Bieber observou-me e disse que eu estava ótima e podia ir pra casa - Declarei, suspirando.
Tanto Nick como Cristiana e Pedro estavam presentes, começando a convergir na nossa direção.
- Vamos embora - Exortei.
O meu pai envolveu-me com um braço, não me tocando diretamente, e conduziu-me às portas de vidro da saída.
Acenei timidamente aos meus amigos, esperando transmitir a ideia de que já não precisavam de se preocupar comigo. Foi um enorme alívio, a primeira vez que me senti assim, entrar no carro.

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