Histórias assustadoras

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Enquanto permanecia sentada no meu quarto, tentando concentrar-me no terceiro ato de Macbeth, estava, na verdade, a tentar ouvir a minha pick-up. Pensava que, apesar do ruído da chuva fustigante, poderia ouvir o roncar do motor, mas, quando, mais uma vez, fui espreitar pela cortina, de repente já lá estava.
Não estava anciosa por que chegasse sexta-feira e está superou a minha ausência de expetativas. Como é evidente, ouvi comentários a respeito co meu desmaio. Era sobretudo Cristiana quem parecia entusiasmar-se mais com aquela história. Felizmente, Nick mantivera a boca fechada e ninguém parecia ter conhecimento do envolvimento de Justin. Ela tinha, porém, muitas questões a colocar relativamente ao almoço.
- Então, que é que o Justin Bieber queria ontem? - perguntou Cristiana na aula.
- Não sei - respondi, sendo fiel à verdade - Não chegou ao cerne da questão.
- Parecias algo furiosa - afirmou, tentando obter informações.
- Parecia?
Eu mantinha o rosto inexpressivo.
- Sabes, foi esquisito.
- Esquesito - concordei.
Ela parecia aborrecida, mexia impacientemente os seus caracóis negros com os dedos. Supus que esperava ouvir algo que constituísse uma boa história pra divulgar.
O pior da sexta-feira foi o facto de eu, apesar de saber que ele estaria ausente, ainda esperar encontrá-lo. Quando entrei na cantina com a Cristiana e o Nick, não consegui evitar olhar para a mesa dele, onde Jaxon, Jazmyn e Alice se encontravam desta vez, lá sentados, a conversar, com as cabeças bem próximas uma das outras juntamente com os amigos de Justin. Não consegui igualmente evitar a melancolia que me invadiu ao aperceber-me de que não sabia quanto tempo teria de esperar para voltar a vê-lo.
Na minha mesa do costume, todos se referiam com entusiasmo aos nossos planos para o dia seguinte. Nick estava novamente animado, depositando uma grande confiança no apresentador do boletim meteorológico local, que garantia que o tempo iria estar soalheiro. Eu teria de ver pra crer. No entanto, no dia em que nos encontrávamos, o tempo estava mais quente, atingindo uma temperatura de quase 15 graus. Talvez a excursão não viesse a ser um fracasso completo.
Interceptei alguns olhares pouco amigáveis por parte de Lauren durante o almoço, que não compreendi até sairmos da cantina. Eu seguia mesmo atrás dela, a apenas trinta centímetros dos seus lisos cabelos loiros, e ela não se dera conta.
- ... não sei porque é que a Sell - proferiu o meu nome com escàrnio - não se senta simplesmente à mesa do Bieber de agora em diante - ouvi-a segredar a Nick. Nunca reparara na sua desagradável voz nasalada e fiquei admirada com a maldade mela patente. Não a conhecia muito bem seguramente, não o suficiente para que ela não gostasse de mim, ou assim pensava eu.
- Ela é minha amiga, senta-se à nossa mesa - susurrou Nick de forma leal, mas também um pouco territorial.
Detive-me para deixar Cris e Ana passarem por mim. Não queria ouvir mais nada.

Nessa noite, ao jantar, o meu pai parecia entusiasmo - mesmo com a ausência da minha mãe, mais uma vez - com a minha viagem a La Push na manhã seguinte. Julgo que não se sentia culpado por me deixar sozinha em casa durante o fim-de-semana, já que nem ele nem a minha mãe estão.
Evidentemente, sabia o nome de todos os miúdos que iam, dos pais e, provavelmente, também dos avós.
Parecia aprovar. Perguntei-me se ele aprovaria a minha intenção de ir até Seattle com Justin Bieber. Não que fosse revelar-lhe.
- Pai, conheces um lugar chamado Goat Rocks ou algo do género? Acho que fica a Sul do Monte Rainier - perguntei de forma desinteressada.
- Conheço, porquê?
Encolhi os ombros.
- Alguns miúdos estavam a falar dm ir acampar lá.
- Não é um lugar muito bom pra acampar - afirmou ele, parecendo admirado - Há demasiados ursos. A maioria das pessoas frequenta essa região na época da caça.
- Ah - murmurei - Talvez tenha percebido mal o nome.
Eu pretendia dormir até mais tarde, mas uma claridade invulgar despertou-me. Abri os olhos e vi uma límpida luz amarela que atravessava as janelas do meu quarto. Não conseguia acreditar. Precipitei-me para a janela para arviguar e, de facto, lá estava sol. Encontrava-se na posição errada do céu, estando demasiado baixo, e não parecia estar próximo como deveria, mas tratava -se, sem dúvida, do sol. As nuvens cingiam o horizonte, mas, no meio, era visível uma macha azul. Permaneci junto da janela enquanto consegui, receando que, de me fosse embora, o azul voltasse a desaparecer.
No parque de estacionamento, reconheci o Suburban de Nick e o Sentra de Marcos. Ao estacionar ao lado dos veículos de ambos, vi o grupo que se encontrava em frente do Suburban.
Shawn estava presente, juntamente com dois outros rapazes - não eram amigos de Justin - com quem eu tinha aulas, estava bastante certa de que seus nomes eram Ben e Conner. Cris também lá estava, ladeada por Ana e Lauren. Três outras raparigas encontraram-se na sua companhia. Uma delas lançou-me um olhar desagradável quando sai da pick-up e sussurrou algo ao ouvido de Lauren. Lauren sacudiu o seu cabelo semelhante a barbas de milho e olhou-me com desdém.
Seria, então, um daqueles dias.
Pelo menos, Nick estava contente por me ver.
- Vieste! - exclamou, encantado - E eu bem disse que o tempo hoje estaria soalheiro, não disse?
- Eu disse-te que vinha - relembrei-o.
- Estamos só à espera do Lee e da Samantha... a não ser que tenhas convidado alguém - acrescentou Nick.
- Não convidei - menti sem dificuldade, esperando que a minha mentira não fosse denunciada, mas também desejando que se desse um milagre e Justin aparecesse.
Nick parecia satisfeito.
- Vais no meu carro? Ou isso ou no monovolume da mãe do Lee.
- Claro.
Ele sorriu com um ar de felicidade. Nick era tão fácil de contentar.
- Podes sentar-te no lugar do pendura - prometeu ele.
Ocultei o meu enfado. Não era fácil contentar Nick e Cristiana ao mesmo tempo. Conseguia ver Cristiana fitar-nos com ar zangado.
No entanto, os números jogaram a meu favor. Lee levou mais duas pessoas e, de repente, todos os lugares se tornaram necessários. Consegui colocar Cris à força entre mim e Nick no banco dianteiro do Suburban. Nick poderia ter encarado a situação com maior graciosidade, mas, pelo menos, Cris parecia tranquilizada.
Lá Push ficava a 15km de Forks, com a entrada ladeada por densas e deslumbrantes florestas verdes durante o percurso.
Já tinha frequentado muitas vezes as praias de Lá Push durante os verões. Caraterizava uma beleza de cortar a respiração!
Caminhamos cautelosamente até à praia, com Nick a indicar o caminho em direção a um recinto formado por toros flutuantes que já fora manifestamente ulitzado para realização de festas como a nossa. Havia um círculo para fogueiras já postos, repleto de cinzas negras. Shawn e o rapaz que eu pensava chamar-se Ben recolheram ramos quebrados de madeira flutuante  a parir dos montes mais secos que se encontravam junto da orla da floresta e depressa se ergueu uma construção semelhante as tendas cômicas dos peles-vermelhas sobre as velhas cinzas.
- Já viste uma fogueira de madeira flutuante? - perguntou-me Nick.
Eu estava sentada num dos bancos cor de osso, as restantes raparigas agruparam-se, bisbilhotando animadamente, tanto à minha direita, como à minha esquerda. Nick ajoelhou-se junto da fogueira, ateando dos paus mais pequenos com um isqueiro.
- Não - disse eu enquanto ele encostava cuidadosamente o ramo em chamas ao cone formado pela madeira.
- Então, vais gostar disto, observa as cores.
Ateou outro pequeno ramo e colocou -se ao lado do primeiro. As chamas começaram a consumir rapidamente a madeira seca.
- Está azul - exclamei com espanto.
- É um efeito provocado pelo sal. É bonito, não é?
Ateou mais um galho, colocou-o num ponto ao qual o fogo ainda não alastrava e, em seguida, foi sentar-se a meu lado. Felizmente, Cris encontrava-se do outro lado. Virou-se para ele e exigiu a sua atenção. Eu observei as estranhas chamas azuis e verdes a crepitarem em direção ao céu.
Após uma hora de conversa, os rapazes quiseram fazer uma caminhada até às poças residuais da maré que ficavam nas proximidades. Era um dilema. Por um lado, adorava as poças residuais da maré. Fascinavam-me desde pequena.
Por outro lado, também cai nelas imensas vezes, o que não é nada de mais quando se tem 7 anos e se está acompanhada pelo pai. Isto fez-me recordar o pedido de Justin, para que eu não caísse ao mar.
Foi Lauren que tomou a decisão por mim. Ela não queria caminhar e os sapatos que calçava eram, sem dúvida, inadequados para tal.
Quando os rapazes regressaram, o grupo que eles tinham deixado multiplicou-se. Consegui apenas perceber que uma das raparigas também se chamava Cristiana e que o rapaz que reparava em mim se chamava Abel Tesfaye.
Alguns momentos depois de Inês ter partido com o grupo que iria realizar outra caminhada, Abel avançou vagarosamente e ocupou o lugar dela a meu lado. Aparentava ter 14 anos, talvez 15, e tinha os cabelos negros e brilhantes. A sua pele era linda, sedosa. Os seus olhos eram escuros.
No conjunto, um rosto muito bonito. No entanto, a minha opinião positiva a respeito da sua aparência foi afetada pelas primeiras palavras que proferiu.
- És a Selena Gomez, não és?
Era como reviver o primeiro dia de aulas.
- Sell - disse, suspirando.
- Eu sou o Abel Tesfaye - declarou, estendendo a mão num gesto amigável - O teu pai comprou a pick-up do meu pai.
- Ah! - exclamei, aliviada, apertando-lhe a suave mão - És o filho do Billy. Provavelmente devia lembrar-me de ti.
- Não, sou o mais novo da família. Lembrar-te-ias das minhas irmãs mais velhas.
- A Rachel e a Rabecca - recordei-me de repente. O meu pai e Billy juntaram-nos muitas vezes nas suas idas a pesca. Éramos todas demasiado tímidas para fazer com que a nossa amizade evoluisse de forma significativa. Como é evidente, quando completei 11 anos, fiz birras suficientes para por termo às pescarias.
- Elas estão aqui?
Examinei as raparigas que se encontravam à beira do mar, perguntando-me se agora as reconheceria.
- Não - disse Abel, abanando a cabeça - A Rachel obteve uma bolsa de estudos na Universidade do estalo de Washington e a Rabecca casou com um surfista samoano. Agora, vive no Havai.
- Está casada. Ena - Eu estava aturdida. As gêmeas eram pouco mais de um ano mais velhas que eu.
- Então, que tal te parece a pick-up? - perguntou ele.
- Adoro-a, funciona às mil maravilhas.
- Pois, mas é mesmo lenta - riu-se - Fiquei tão aliviado quando o Ricardo a comprou. O meu pai não deixava que eu me dedicasse à construção de outro carro, já que tínhamos um veículo em perfeitas condições ali mesmo.
- Não é tão lenta assim - protestei.
- Já tentaste ultrapassar os cem quilómetros por hora?
- Não - reconheci.
- Ainda bem. Nem tentes.
Esboçou um sorriso rasgado. Não consegui evitar retribuir-lhe o sorriso.
- Sai-se muito bem uma colisão - mencionei em defesa da minha pick-up.
- Acho que nem um carro de combate conseguiria dar cabo daquele velho monstro - concordou ele com outra gargalhada.
- Com que então constróis carros? - perguntei, impressionada.
- Quando tenho tempo livre e peças. Por acaso não sabes onde posso arranjar um cilindro principal pra um Volkswagen Rabbit de 1986? - acrescentou em tom de graça.
Ele tinha uma voz agradável, rouca.
- Sinto muito - ri - Não vi nenhum ultimamente, mas ficarei atenta.
Como se eu soubesse do que se tratava. Era muito mais fácil conversar com ele.
Exibiu um sorriso fulgurante, olhando-me com apreço, de uma forma que eu estava a aprender reconhecer. Não fui a única a notar.
- Conheces a Sell, Abel? - perguntou Lauren, naquilo que eu imaginava ser um tom insolente, do lado oposto da fogueira.
- De certa forma, conhecemo-nos desde que nasci - riu-se, sorrindo-lhe novamente.
- Que giro!
O seu tom de voz não transmitia a ideia de franqueza e os seus olhos claros, semelhantes aos dos peixes, semicerraram-se.
- Sell - exclamou ela novamente, observando o meu rosto cuidadosamente - Estava mesmo agora a comentar com o Marcos que era uma pena o facto de nenhum Bieber poder ter vindo hoje. Ninguém se lembrou de convidá-los?
O seu ar de preocupação era pouco convincente.
- Referes-te à família do Dr. Jeremy Bieber? - interrogou o rapaz alto, mais velho, antes de eu poder responder, o que provocou bastante irritação em Lauren. Na verdade, ele estava mais próximo de ser um homem do que um rapaz e a sua voz era extremamente grave.
- Sim, conhecê-los? - perguntou ela de modo condescendente, virando-se ligeiramente na direção dele.
- Os Bieber não vêm aqui - afirmou ele num tom de voz que encerrava o assunto, ignorando a pergunta dela.
Marcos, tentando reconquistar a atenção de Lauren, perguntou-lhe a sua opinião á respeito de um cd que ele segurava na mão. Ela estava distraída.
Eu olhava fixamente para o rapaz de voz grave, tendo sido apanhada de surpresa, mas ele lançava o olhar em direção da floresta sombria atrás de nós. Dissera que os Bieber não iam ali, mas o seu tom de voz insinuava algo mais, que a sua presença não era permitida, estavam proibidos de frequentar aquele lugar.
O seu comportamento deixou em mim uma estranha impressão e tentei ignora-la sem sucesso.
- Então, Forks está a dar contigo em doida? - perguntou Abel, interrompendo a minha meditação.
- Oh, eu diria que isso é ser comedido nas palavras - afirmei, fazendo esgar, esboçou um sorriso largo, demonstrando compreensão.
Ainda com o breve comentário acerca dos Bieber a revolver-me o pensamento, tive uma inspiração súbita. Era um plano idiota, mas não tinha outro melhor. Esperava que o jovem Abel ainda fosse inexperiente no que se referia ao relacionamento com raparigas, de modo a que não se aperceber-se das intenções das minhas tentativas de namorisca-lo, as quais estavam votadas a ser dignas de pena.
- Queres caminhar comigo pela praia? - perguntei, tentando imitar aquela forma que Justin tinha de olhar por debaixo das suas pestanas. Sabia que estava longe de conseguir o mesmo efeito, mas Abel levantou-se de um salto e de bastante bom grado.
Enquanto caminhávamos para Norte ao longo das pedras com diferentes matizes em direção ao paredão de madeira flutuante, as nuvens cerraram finalmente no céu, desencadeando o escurecimento do mar e a diminuição da temperatura. Enterrei bem as mãos nos bolsos do meu casaco.
- Então, que idade tens? 16 anos? - perguntei, tentando não parecer uma palerma ao pestanejar como vira fazer na televisão.
- Acabei de completar 15 - confessou ele, sentindo-se lisonjeado.
- A sério?
O meu rosto estava repleto de falsa surpresa.
- Eu diria que eras mais velho.
- Sou alto para a idade que tenho - explicou.
- Vais a Forks com muita frequência? - perguntei maliciosamente, como se ansiasse por uma resposta afirmativa. Parecia uma idiota aos meus próprios ouvidos. Receava que ele me virasse as costas, manifestando repugnância, e me acusasse de pedofilia, mas continuava a aparentar sentir-se lisonjeado.
- Nem por isso - confessou, franzindo o sobrolho - Mas, quando terminar o meu carro, posso lá ir sempre que quiser, depois de tirar a carta de condução - corrigiu.
- Quem era aquele rapaz com quem Lauren estava a conversar? Parecia um pouco velho de mais para andar connosco.
Eu juntara-me aos mais novos, tentando deixar claro que preferia Abel.
- É o Sam, tem 19 anos - informou-me ele.
- O que é que ele estava a dizer acerca da família do médico? - perguntei inocentemente.
- Os Bieber? Ah, eles não podem entrar na reserva.
Desviou o olhar, na direção de James Island, ao confirmar aquilo que eu pensava ter ouvido nas palavras de Sam.
- Porque não?
Voltou a olhar em minha direção, mordendo o lábio.
- Ups. Não posso dizer nada acerca disso.
- Oh, eu não conto a ninguém, estou apenas curiosa.
Tentei esboçar um sorriso cativante, perguntando-me se estaria a exagerar.
No entanto, ele retribuiu o sorriso, parecendo cativado. Depois, levantou uma sobrancelha e a sua voz ficou ainda mais rouca do que antes.
- Gostas de histórias assustadoras? - perguntou ele de forma ominosa.
- Adoro-as! - exclamei com entusiasmo, esforçando-me por lhe lançar um olhar ardente.
Abel deambulou até uma árvore flutuante cujas raízes se projetavam como as patas adegaçadas de uma enorme aranha sem cor.
Eu conseguia ver que ele iria esforçar-se pra que aquilo valesse a pena. Concentrei-me para evitar que o interesse vital que eu sentia se refletisse nos meus olhos.
- Conheces alguma das nossas histórias antigas, a respeito das nossas origens, dos Quileutes, quero eu dizer? - precipitou.
- Nem por isso - confessei.
- Bem, existem imensas lendas, das quais algumas remontam pretensamente ao Dilúvio, supostamente, os antigos Quileutes amarraram as suas canoas às copas das árvores mais altas da montanha para sobreviverem como Noé e a arca - ele sorriu, de modo a mostrar-me quão pouca fé tinha nestas histórias - Segundo outra lenda, nós descendemos de lobos, e estes são ainda nossos irmãos. A lei tribal proíbe que sejam mortos.
- Depois, existem as histórias acerca dos frios - afirmou, tendo o tom de voz baixado um pouco.
- Dos frios? - perguntei, estando agora sinceramente intrigada.
- Sim. Existem histórias acerca dos frios que são tão antigas como as lendas sobre os lobos, havendo também algumas muito mais recentes. De acordo com a lenda, o meu próprio bisavô conhecia alguns deles. Foi quem firmou o tratado que os mantinha longe das nossas terras - disse ele, revirando os olhos.
- O teu bisavô? - incentivei-o a continuar.
- Ele era um ancião da tribo, tal como o meu pai. Sabes, os frios são os inimigos naturais do lobo. Bem, não propriamente do lobo, mas dos lobos que se transformaram em homens, como os nossos antepassados. Pode-se chamar-lhes de lobisomens.
- Os lobisomens têm inimigos?
- Apenas um.
Fitava-o com um ar sério, esperando disfarçar a minha impaciência de admiração.
- Portanto como vês - prosseguiu Abel - Os frios, são, por tradição, nossos inimigos, mas o bando que chegou L nosso território no tempo do meu bisavô era diferente. Não caçavam como outros da sua espécie o fazia, não deviam constituir uma ameaça à tribo. Assim, meu bisavô declarou uma trégua com eles. Se prometessem manter-se afastados das nossas terras, ele não os denunciava aos cara-pálidas.
Ele piscou-me o olho.
- Se não constituíam ameaça, porque é que...? - tentei compreender, esforçando-me por não deixar que ele percebesse quão sério eu estava a levar a sua história de fantasmas.
- Existe sempre perigo para os humanos ao estarem perto dos frios, mesmo que sejam civilizados como este clã era. Nunca se sabe quando é que eles podem ficar demasiado famintos para conseguirem resistir.
Introduziu deliberadamente um carregado laivo de ameaça no seu tom de voz.
- O que queres dizer com civilizados?
- Eles alegavam não caçar humanos. Supostamente eram, de alguma forma, capazes de atacar animais como alternativa.
Tentei manter um tom de voz desinteressado.
- Então, como é que isso encaixa nos Bieber? Eles são como os frios que o teu bisavô conheceu?
- Não - deteve-se teatralmente - São os mesmos.
Ele deve ter pensado que a expressão estampada no meu rosto se devia ao temor inspirado pela sua história. Sorriu, satisfeito, e prosseguiu.
- Agora há mais, uma nova fêmea e um novo macho, mas os restantes são os mesmos. No tempo do meu bisavô, já tinham conhecimento da existência do líder, o Jeremy. Ele esteve aqui e partiu antes de a vossa gente ter sequer aqui chegado.
Ele tentava reprimir um sorriso.
- E o que são eles? - perguntei por fim - O que são os frios? - sorriu misteriosamente.
- Bebedores de sangue - respondeu num tom de voz arrepiante - A tua gente chama-lhes vampiros.

Continua...

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