A sua voz estava mais serena do que o habitual.
Lancei um olhar mal hunurado ao seu rosto perfeito. Os seus olhos estavam novamente claros, tingidos de uma carregada cor de castanho mel. Então, tive de baixar os meus, para reordenar os pensamentos agora confusos.
- Pensei que andasses a fingir que eu não existo e não a matar-me de irritação.
- Eu não ando a fingir que tu existes. - disse num tom calmo.
- Então, andas mesmo a matar-me de irritação? Já que a carrinha do Marcos não se encarregou de o fazer?
A raiva passou como um raio pelos meus olhos de um tom amarelado-acastanhado. Cerrou os lábios numa linha dura, tendo desaparecido todos os vestígios de humor.
- Sell, és completamente absurda - afirmou ele, com frieza na sua voz grave.
Sentia formigueiros nas palmas da mão, desejava ardentemente bater em algo. Fiquei surpreendida comigo mesma. Por norma, não era uma pessoa violenta. Voltei costas e comecei a afastar-me.
- Espera! - exclamou ele.
Continuei andar, chapinando colericamente debaixo de chuva, mas ele estava a meu lado, acompanhando facilmente o meu andamento.
- Desculpa, foi indelicado da minha parte - disse ele enquanto caminhávamos.
Eu ignorei-o.
- Não estou a dizer que não é verdade - prossegiu - mas, de qualquer forma, foi indelicado da minha parte afirma-lo.
- Porque é que não me deixas em paz? - resminguei.
- Queria perguntar-te algo, mas tu desviaste-me dos meus fins - declarou, soltando um riso abafado.
Parecia ter recuperado a boa disposição.
- Sofres de um distúrbio multiplica personalidade? - perguntei com severidade.
- La estás tu outra vez.
Suspirei.
- Então, muito bem. O que queres perguntar-me?
- Estava a pensar se, de sábado a uma semana, tu sabes, o dia do baile de Primavera...
- Estás a tentar ser engraçado? - interrompi-o, virando-me na sua direção. O meu rosto ficou encharcado quando ergui a cabeça pra olhar o rosto dele.
Os seus olhos estavam malevolmente divertidos.
- Fazes o favor de me deixar terminar?
Mordi o lábio e uni as mãos, entrelaçando os dedos, de modo a que não pudesse tomar nenhuma atitude precipitada.
- Ouvi-te dizer que ias a Seattle nesse dia e estava a pensar se querias boleia.
Desta não estava eu à espera.
- O quê?! - não sabia ao certo a onde ele pretendia chegar.
- Queres boleia para Seattle?
- De quem? - perguntei, baralhada.
- De mim, obviamente.
Pronucuiou cada sílaba como se estivesse a falar com alguém que possuísse uma deficiência mental.
Eu estava ainda aturdida.
- Porquê?
- Bem, eu tencionava ir à Seatlle duarante as próximas semanas e, para ser sincero, não sei se a tua pick-up resistirá à viagem.
- A minha pick-up funciona perfeitamente, muito obrigada pela tua preocupação.
Comecei novamente a andar, mas estava demasiado surpreendida para conseguir manter o mesmo grau de raiva.
- Mas será que a tua pick-up consegue realizar a viagem consumindo um só depósito de gasolina?
Seguia novamente o meu ritmo.
- Não vejo em que medida é que isso possa dizer-te respeito.
Estúpido proprietário de um Volvo rezulente.
- O desperdício de recursos limitados diz respeito a todos.
- Fracamente, Justin - senti um frémito perpassar-me quando proferi o seu nome e detestei tal sensação - não consego acompanhar-te. Pensei que não querias ser meu amigo.
- Eu disse que seria melhor se não fôssemos amigos e não que eu não queria que o fôssemos.
- Oh, obrigada, agora está tudo esclarecido.
Profundo sarcasmo. Apercebi-me de que parara novamente de andar. Estávamos agora abrigados sob teto da cantina, podendo eu, assim, olhar mais facilmente para o rosto dele, o que certamente não favorecia a minha clareza de raciocínio.
- Seria mais... prudente que não fosses minha amiga - explicou ele - Mas estou farto de tentar manter-me afastado de ti, Sell.
O seu olhar tornou-se subtilmente intenso ao proferir aquela última frase, com a voz evidenciar sinais de raiva reprimida. Não conseguia lembrar-me de como se respirava.
- Vais comigo a Seattle? - perguntou, ainda com intensidade.
Ainda não conseguia falar, pelo que me limitei a acenar com a cabeça.
Ele sorriu por breves instantes e, em seguida, o seu rosto ficou sério.
- Devias mesmo manter-te afastada de mim - advertiu - Vemo-nos na aula.
Virou-se bruscamente e voltou para trás pelo mesmo caminho que tínhamos trilhado.Continua...
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Luz E Escuridão
Romance"Nunca refletia longamente sobre a forma como morreria, ainda que, ao longo dos meses anteriores, tivesse tido de sobra para tal, mas mesmo que o tivesse feito, jamais teria imaginado que seria assim. Olhei fixamente para o lado oposto da longa sal...