Ele semicerrou os olhos.
- Não tens de quê - Respondeu ele.
Endireitei-me agilmente, tornei a voltar-lhe as costas e segui altivamente em direção ao ginásio sem olhar pra trás.
A aula de educação física foi brutal. Começamos a praticar basquetebol. A minha equipa nunca me passava a bola, o que era bom, mas eu estava constantemente a cair. Por vezes, arrastava alguém comigo. Nesta aula, o meu desempenho estava pior do que o habitual, pois a minha cabeça estava predominante povoada por Justin. Tentei concentrar-me nos meus pés, mas ele insistia em voltar a imiscuir-me nos meus pensamentos, no exato momento em que eu precisava de manter equilíbrio.
Ir-me embora foi, como sempre, um alívio. Quase corri até ao autocarro, havia tantas pessoas pra evitar.
Porém, sucesso falhado.
Então, apercebi-me que Shawn acabara de me segurar pelo braço.
- Olá, Shwan - exclamei.
- Viva, Sell.
- O que se passa? - perguntei enquanto me encostava de forma a que as pessoas pudessem entrar no autocarro.
Não estava a prestar atenção ao laivo de pouco à vontade patente na sua voz, pelo que as palavras que ele proferiu de seguida me apanharam de surpresa.
- Ah, estava a pensar... se irias ao baila da Primavera comigo.
A sua voz falhou na última palavra.
- Pensei que eram as raparigas que escolhiam o par - disse eu, demasiado assustada para ser diplomática.
- Bem, e são - reconheceu, envergonhado.
Recuperei a compostura e tentei esboçar um sorriso caloroso.
- Obrigada por me convidares, mas eu estarei em Seattle nesse dia.
- Ah - exclamou ele - Bem, talvez para a próxima.
- Claro - concordei, mordendo em seguida, o lábio. Não queria que ele levasse as minhas palavras demasiado à letra.
Afastou-se cabisbaixo, dirigindo-se novamente para a escola.
Ouvi um riso abafado.
Justin estava a passar, olhando em frente, com os lábios cerrados.
Suspirei e entrei rapidamente no autocarro.
Quando cheguei, decidi preparar enchilas de frango para o jantar. Enquanto as cebolas e as malaguetas cozinhavam em lume brando, o telefone tocou. Quase receei atende -lo, mas poderia ser a minha mãe ou o meu pai.
Era Cristiana e estava radiante, Nick interpelara-a depois das aulas para lhe comunicar que aceitava o seu convite. Festejei com ela durante breves instantes enquanto mexia o preparado.
Ela tinha de desligar, pois queria telefonar a Ana e a Inês para lhes contar. Eu sugeri, que talvez Inês, a rapariga tímida, pudesse convidar Shawn. Por sua vez, Ana, uma rapariga reservada que sempre ignora à mesa do almoço, poderia convidar Marcos. Cris achou que era uma ótima ideia. Agora que acompanharia Nick estava assegurada, parecia efetivamente sincera ou afirmar que gostaria que eu fosse ao baile. Desculpei-me com a minha ida a Seattle.
Depois de ter desligado, tentei concentrar-me no jantar, sobretudo em cortar o frango em cubos, não queria arriscar uma nova ida ao serviço de urgência, mas a minha cabeça dava voltas, tentando analisar cada palavra de Justin proferia neste dia. O que ele queria dizer quando afirmou que era melhor não fôssemos amigos?
O meu estômago contorceu-se quando me apercebi daquilo que ele devia ter querido dizer. Ele devia ter percebido quão fascinada eu estava por ele, não devia querer dar-me falsas esperanças... logo, não podíamos sequer ser amigos... pois ele não estava minimamente interessado em mim.
É claro que ele não estava interessado em mim, pensei colericamente, com os olhos arderem-me, uma reação retardada às cebolas. Eu não era interessante. E ele era. Interessante... e brilhante... e misterioso... e perfeito... e lindo... e, possivelmente, capaz de levantar carrinhas em peso só com uma mão.
Bem, não havia problema. Eu podia deixa-lo em paz. Eu iria deixa-lo em paz. Iria cumprir a minha pena auto-imposta naquele purgatório e, seguidamente, com alguma sorte, alguma escola no sudoeste ou, possivelmente, no Havai oferecer-me-ia uma bolsa de estudos. Concentrei os meus pensamentos em palmeiras e praias soalheiras enquanto terminada as enchilas e as colocava no forno.
O meu pai pareceu desconfiado quando chegou a casa, mais uma vez sem a minha mãe, e sentiu o cheiro dos pimentos verdes. Não podia censura-lo, a região mais próxima onde existia comida mexicana comestível era provavelmente o sul da Califórnia. No entanto, ele era polícia, ainda que numa cidade pequena, sendo, por conseguinte, suficientemente corajoso para comer a primeira garfada. Pareceu gostar. Era divertido ver como ele começara lentamente a conseguir fiar os meus dotes culinários.
- Pai? - interpelei quando ele estava quase a terminar a refeição.
- Sim, Sell?
- Hum, queria apenas informar-te de que vou um dia a Seattle de sábado a uma semana... de não houver problema, uma vez que a mãe não é suficientemente disponível para lhe pedir seja o que for.
Não queria pedir autorização, tal estabelecia um mau precedente. Mas senti que estava a ser descortês e, assim, acrescentei algumas palavras no final.
- Porquê?
Pareceu surpreendido, como se não conseguisse imaginar nada que Forks não pudesse proporcionar.
- Bem, queria requisitar alguns livros... os recursos da biblioteca daqui são bastante ilimitados e, além disso, talvez pudesse comprar algumas roupas.
Tinha mais dinheiro do que aquele a que estava habituada.
- Aquela pick-up que tenho na garagem deve consumir bastante combustível - afirmou ele, reproduzindo os meus pensamentos.
- Eu sei. Farei uma paragem em Montessano e outra em Olympia e, se for necessário, também em Tocama.
- Vais sozinha? - perguntou ele.
Não consegui perceber se desconfiava que eu tivesse um namorado secreto ou se estava mesmo preocupado com a possibilidade de surgirem problemas mecânicos.
- Vou.
- Seattle é uma cidade grande, podes perder-te - disse ele, mostrando-se inquieto.
- Pois. Eu sei interpretar um mapa, não te preocupes.
- Queres que vá contigo?
Tentei ser astuta ao esconder pavor.
- Não é necessário, pai. Provavelmente, limitar-me-ei a passar o dia todo em gabinetes de prova.
- Oh, está bem.
A ideia de estar sentado em lojas de roupa feminina durante qualquer período de tempo demoveu-o imediatamente.
- Obrigada! - exclamei, sorrindo-lhe.
- Estarás de volta a tempo de ir ao baile?
Grr. Só numa cidade tão pequena é que um pai saberia quando é que os bailes do liceu se realizam.
- Não, eu não danço, pai.
Justamente ele devia compreender este facto, uma vez que não herdei os meus problemas de equilíbrio da minha mãe.
De facto, ele compreendeu.
- Oh, é verdade - percebeu.
Na manhã seguinte, quando sai do autocarro, no parque de estacionamento tentei passar pelo lado oposto do carro volvo prateado.
Atrapalhei-me e caiu-me a chave de casa numa poça aos meus pés. Ao curvar-me para apanha-la, uma mão branca precipitou-se e agarrou-a antes de eu ter podido fazê-lo. Endireitei-me de súbito. Justin Bieber estava mesmo ao meu lado, descontraidamente.
- Como é que fizeste isso? - perguntei irritada.
- Como é que fiz o quê?
Erguia a minha chave no ar enquanto falava. Quando tentei alcança-la, deixou-a cair na palma da minha mão.
- Aparecer vindo do nada.
- Sell, não tenho culpa de que tenhas uma excepcional falta de poder de observação.Continua...
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Luz E Escuridão
Romance"Nunca refletia longamente sobre a forma como morreria, ainda que, ao longo dos meses anteriores, tivesse tido de sobra para tal, mas mesmo que o tivesse feito, jamais teria imaginado que seria assim. Olhei fixamente para o lado oposto da longa sal...