Consegues andar ou queres que te carregue novamente?

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- Ela desmaiou na aula de biologia - explicou Justin.
Abri os olhos. Estava no gabinete do Conselho executivo e Justin caminhava a passos largos em direção à porta da enfermaria, passando pelo balcão da frente. A menina Cope, a recepcionista ruiva do Conselho executivo, precipitou-se à frente dele para segurar a porta. A enfermeira com ar de avó desviou o olhar de um romance, atônita, quando Justin entrou comigo na sala e me pousou delicadamente no papel crepitante que revestia o colchão de vinil castanho da única marquesa. Então, ele afastou-se para se encostar à parede, distanciando-se tanto quanto era possível na estreita sala. Os seus olhos estavam brilhantes, emocionados.
- Ela está apenas um pouco fraca - disse ele, tranquilizando a sobressaltada enfermeira - Estão a tipificar sangue na aula de biologia.
A enfermeira acenou com a cabeça de modo sagaz.
- Acontece sempre a alguém.
Ele conteve o riso.
- Deita-te só um pouco, isso passa.
- Eu sei - disse eu, suspirando.
As náuseas começavam já a desvanecer-se.
- Isso acontece-te muito frequentemente? - perguntou ela.
- As vezes - confessei.
Justin tossiu para disfarçar outra gargalhada.
- Já podes voltar pra aula - disse-lhe ela.
- Devo ficar com ela.
Ele proferiu estás palavras com uma autoridade de tal modo segura que a enfermeira, ainda que tenha franzido os lábios, não voltou a argumentar.
- Vou buscar gelo para colocares na testa, querida - disse-me ela, saindo, em seguida, apressadamente da sala.
- Tinhas razão - gemi, deixando os meus olhos se fechassem.
- Costumo ter, mas, desta vez, a respeito de quê, em particular?
- Fazer gazeta é mesmo saudável.
Eu ainda praticava exercícios de respiração.
- Por um instante, assustaste-me - confessou ele após um momento de silêncio.
O seu tom de voz levava a crer que estava a confessar uma fraqueza humilhante.
- Pensei que o Newton estava a arrastar o teu corpo sem vida para o enterrar no bosque.
- Ah! Ah!
Tinha os olhos fechados, mas sentia-me mais normal a cada minuto que passava.
- Sinceramente, já vi cadáveres com melhor cor. Estava preocupado com a possibilidade de ter de vingar o teu homicídio.
- Pobre Nick. Aposto que está furioso.
- Ele abomina-me de verdade - disse Justin animadamente.
- Não podes ter a certeza disso - argumentei, mas, depois, perguntou-me subitamente se poderia.
- Vi a cara dele, era perceptível.
- Como é que viste? Pensei que estavas a fazer gazeta.
Já estava quase boa, ainda que o mal estar estivesse provavelmente passado mais depressa se eu tivesse comido ao almoço.
Por outro lado, talvez tivesse sido uma sorte o facto de o meu estômago estar vazio.
- Estava no meu carro, a ouvir um cd.
Uma resposta tão normal foi a coisa que me surpreendeu. Ouvi a porta abrir e abri os olhos, vendo a enfermeira com uma compressa fria na mão.
- Aqui tens, querida - disse e estendeu-a na minha testa - Estás com melhor aspeto - acrescentou.
- Acho que estou bem - disse eu, sentando-me.
Sentia apenas um zumbido nos ouvidos, mas a cabeça já parava de andar às voltas. As paredes permaneciam no seu devido lugar. Pude ver que ela estava prestes a fazer-me voltar deitar, mas, nesse preciso momento, a porta abriu-se e a menina Cope espreitou.
- Chegou outro - avisou.
Desci da marquesa para deixa-la livre para o enfermo que se seguia.
Voltei a entregar a compressa à enfermeira.
- Aqui tem, não preciso disto.
Então, Nick entrou, cambaleante, amparando agora Lee Stephens, outro rapaz que pertencia à nossa turma e estava com um ar pálido. Eu e Justin recuamos, encostando-nos à parede, para lhes dar espaço.
- Oh, não - resmungou Justin - Vai para o gabinete, Sell.
Olhei para ele, confusa.
- Confia em mim, vai.
Voltei-me e agarrei a porta antes de está se fechar, precipitando-me para fora da enfermaria. Sentia a presença de Justin mesmo atrás de mim.
- Tu deste-me mesmo ouvidos.
Ele estava estupefato.
- Senti o cheiro do sangue - disse eu, torcendo o nariz.
Lee não estava indisposto por ter observado outras pessoas, como era o meu caso.
- As pessoas não conseguem sentir o cheiro de sangue - refutou.
- Pois eu consigo. E é isso que me faz ficar indisposta. Cheira a ferrugem... e sal.
Ele fitava-me com um ar insondável.
- O que foi? - interroguei.
- Não foi nada.
Então, Nick saiu, olhando na minha direção e na de Justin.
O olhar que ele lançou a Justin confirmou que este afirmava a respeito de abominação. Voltou a olhar pra mim, com os olhos sorumbáticos.
- Estás com melhor aspeto - acusou.
- Mantém apenas a mão no bolso - voltei adverti-lo.
- Já não está a sangrar - murmurou por entre os dentes - Vais voltar pra aula?
- Estás a gozar? Teria apenas de dar meia volta e regressar para aqui.
- Suponho que sim... Então, vais participar na viagem deste fim-de-semana? À praia?
Enquanto falava, lançou um outro olhar hostil na direção de Justin, que estava encostado ao balcão atulhado, imóvel como uma estátua, olhando o vazio.
Tentei parecer o mais amável possível.
- Claro, eu disse que alinhava.
- Vamos encontrar-nos na loja do meu pai, as dez horas.
Os seus olhos voltaram a tremular na direção de Justin, perguntando-se se estaria a fornecer demasiada informação. A sua linguagem corporal tornava claro que não se tratava de um convite aberto a todos.
- La estarei - prometi.
- Então, vemo-nos na aula de educação física - disse ele, dealocando-se irresolutamente na direção da porta.
- Até já - retorqui.
Ele olhou-me uma vez mais, com o rosto arredondado a mostrar-se ligeiramente aborrecido e, em seguida, à medida que passava lentamente pela porta, os seus ombros baixaram-se subitamente.  Fui invadida por uma onda de compaixão. Refleti sobre o facto de ir novamente deparar com o seu ar de decepção... na aula de educação física.
- Educação física - murmurei.
- Eu posso tratar disso.
Não reparei que Justin se aproximou de mim, mas ele falava-me agora ao ouvido.
- Vai sentar-te e faz um ar pálido - murmurou por entre os dentes.
Não se tratava de um grande desafio, eu estava sempre pálida e o desfalecimento que sofri pouco antes deixava-me um ligeiro brilho de suor no rosto. Sentei-me numa das cadeiras articuladas que rangiam e encostei a cabeça à parede com os olhos fechados. Os desmaios sempre me deixava exausta.
Ouvi Justin á falar suavemente ao balcão.
- Menina Cope?
- Sim?
Eu não ouvi regressar à sua secretária.
- A Sell tem educação física no próximo tempo e eu acho que ela não se sente suficientemente bem. Na verdade, estava a pensar se não deveria levá-la já pra casa. Acha que podia dispensa-la da aula?
A voz dele assemelhava-se a mel derreter-se. Conseguia imaginar quão avassaladores estariam seus olhos.
- Também precisa de ser dispensado, Justin?
A menina Cope agitava-se de um lado pro outro. Porque é que eu não consigo agir dessa forma?
- Sim.
- Muito bem, está tudo tratado. Desejo -lhe as melhoras, Sell - disse-me ela.
Eu acenei com a cabeça sem energia, levantando-me apenas um pouco.
- Consegues andar ou queres que eu te carregue novamente?

Continua...

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