Tu fascinas-me

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Tentei distinguir com clareza as figuras no banco dianteiro do outro carro, mas estava demasiado escuro. Conseguia ver Justin iluminado pela luz ofuscante projetada pelos faróis do carro recentemente aparecido. Ainda olhava em frente, fixando algo ou alguém que eu não conseguia ver. A expressão estampada no seu rosto era uma estranha mescla de frustação e provocação.

Então, ele embalou o motor e os pneus chiaram no piso molhado. Em escassos segundos, o volvo deixou de estar ao alcance da minha vista.

- Eh, Sell - exclamou uma conhecida voz rouca ao lado do condutor do pequeno carro preto.

- Abel? - perguntei, olhando de soslaio através da chuva.

Nesse preciso momento, o carro de patrulha do meu pai contornou a esquina, com as luzes a incidirem sobre os ocupantes do automóvel que se encontrava diante de mim.

Abel já estava a sair do carro, sendo o seu largo sorriso visível mesmo na escuridão. No lugar do passageiro, encontrava-se um homem mais velho, um homem entroncado com um rosto difícil de esquecer, um rosto que transbordava, com as faces apoiadas nos ombros e rugas a percorrerem a pele castanho como num velho casaco de couro. Tinha também uns olhos supreendentemente familiares, uns olhos negros que pareciam, ao mesmo tempo, demasiado jovens e demasiado idosos para o rosto largo dm que estavam implantados. Tratava-se de Billy Tesfaye, o pai de Abel. Conheci-o imediatamente, apesar de, no período superior a cinco anos que decorreu desde que o vi pela última vez, eu ter conseguido esquecer o seu nome, quando o meu pai falava dele no meu primeiro dia de aulas. Olhava-me fixamente, examinando-me o rosto, pelo que lhe sorri. Os seus olhos estavam arregalados, como se estivesse escandalizado ou receoso, e as suas largas narinas abertas. O meu sorriso desvaneceu-se.

Outra complicação, disse Justin.

Billy continuava a fitar-me com um olhar intenso e ansioso.

No íntimo, eu lamentava-me. Será que Billy reconheceu Justin com tanta facilidade? Seria possível que ele realmente acreditasse nas inveroimeis lendas de que o filho me contou?

A resposta estava claramente espelhada nos olhos de Billy.

Sim. Sim, era possível.

- Billy! - exclamou o meu pai assim que saiu do carro, justamente sem a minha mãe.

Virei-me na direção de casa, fazendo sinal a Abel enquanto me esquivava para debaixo do alpendre. Ouvi o meu pai a cumprimenta-los sonoramente atrás de mim.

- Vou fingir que não te vi atrás do volante, Abel - disse de modo reprovador.

- Na reserva, é-nos concedida a licença para conduzir precocemente - afirmou Abel enquanto eu destrancava a porta e acendia a luz do alpendre.

- Claro que é - respondeu o meu pai, rindo-se.

- Tenho de me deslocar de alguma forma.

Reconheci facilmente a voz ressonante de Billy, apesar dos anos passados. O som fez-me sentir mais nova, uma criança.

Entrei, deixando a porta aberta, acendi as luzes antes de pendurar o casaco. Depois, mantive-me de pé junto da porta, observando com ansiedade enquanto o meu pai e Abel ajudavam Billy a sair do carro e a sentar-se na sua cadeira de rodas.

Recuei de modo a desimpedir o caminho quando os três se precipitaram para dentro de casa, sacudindo a água da chuva.

- Mas que surpresa! - disse o meu pai.

- Há quanto tempo! - respondeu Billy - Espero que não tenhamos aparecido em má altura.

Os seus olhos escuros voltaram a incidir sobre mim, com uma expressão indecifrável.

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