Em primeiro lugar, Justin era um vampiro

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A sua voz queimava de arrependimento. Eu sabia que ele não estava a desculpar-se apenas pelas palavras que me tinham transtornado.
A escuridão passava por nós em silêncio.
- Diz-me uma coisa - pediu num instante, esforçando-se por falar num tom de voz mais brando.
- Sim?
- Em que é que estavas a pensar está noite, mesmo antes de eu contornar a esquina? Não consegui perceber a expressão estampada no teu rosto e não parecias assim tão assustada, mas  parecias, sim, estar a concentrar-te profundamente em algo.
- Estava a tentar lembrar-me de como incapacitar um agressor, tu sabes, autodefesa. Ia esmurrar-lhe o nariz e enfiar-lho no cérbero.
- Ias lutar com eles? - perguntou transtornado com o facto - Não pensaste em fugir?
- Caio muitas vezes quando corro - confessei.
- E em gritar?
- Estava a chegar a essa parte.
Ele abanou a cabeça.
- Tinhas razão, estou decididamente a lutar contra o destino ao tentar manter-te viva.
Suspirei. Estávamos a abrandar, a entrar nos limites de Forks.
Demorava menos de 10min.
- Vemo-nos amanhã? - perguntei.
- Vemos, também tenho um trabalho a entregar - sorriu - Guardo-te o lugar ao almoço.
Depois de tudo aquilo por que passamos nesta noite, era disparatada a forma como aquela pequena promessa me provocou palpitações no coração e fez com que eu ficasse incapaz de falar.
Estávamos em frente da casa dos meus pais. As luzes estavam acesas, a minha pick-up no seu devido lugar, tudo absolutamente normal. Era como se acordasse de um sonho. Ele parou o carro, mas eu não me mexi.
- Prometes estar lá amanhã?
- Prometo.
Pensei nestas palavras por um momento e, em seguida, acenei com a cabeça. Despi o casaco dele, sentido o seu cheiro uma última vez.
- Podes ficar com ele, não tens casaco para vestir amanhã - lembrou-me.
Voltei a entregar-lho.
- Não quero ter que dar explicações ao meu pai.
- Ah, pois! - esboçou um sorriso largo.
Hesitei, com a mão no manipulo da porta, tentando prolongar o momento.
- Sell?! - exclamou num tom de voz diferente, sério, mas hesitante.
- Sim? - tornei a virar-me para ele com demasiada ansiedade.
- Prometes-me uma coisa?
- Prometo - disse eu, arrependendo-me imediatamente do meu assentimento incondicional. E se ele me pedisse para me manter afastada? Não conseguiria cumprir tal promessa.
- Não entres no bosque sozinha.
Olhei-o confusa.
- Porquê?
Ele franziu o sobrolho e os seus olhos estavam cerrados enquanto ele lançava o olhar além de mim, pelo vidro.
- Nem sempre sou a criatura mais perigosa que por ali deambula. Fiquemos por aqui.
Estremeci ligeiramente perante a súbita soturnidade patente na sua voz, mas fiquei aliviada. Está, pelo menos, era uma promessa fácil de honrar.
- Como queiras.
- Até amanhã! - exclamou ele com um suspiro e eu soube que ele queria que eu saísse naquele momento.
- Até amanhã, então.
Abri a porta com relutância.
- Sell?
Virei-me e ele estava inclinado na minha direção, com o rosto pálido e sublime a apenas alguns centímetros de distância do meu. O meu coração parou de bater.
- Dorme bem - disse.
Senti a respiração dele na minha cara, atordoando-me. Exalava o mesmo cheiro soberbo que se mantinha no seu casaco, mas de uma forma mais concentrada. Pisquei os olhos, completamente aturdida. Ele afastou-se.
Não consegui mexer-me enquanto as minhas ideias, de algum modo, não se classificaram. Então, sai desajeitadamente do carro, tendo de me apoiar no chassis. Pensei tê-lo ouvido soltar um riso abafado, mas o som fora demasiado discreto para que eu pudesse ter a certeza.
Esperou até que eu, aos tropeções, chegasse à porta da frente e, em seguida, ouvi o motor do seu carro a embalar calmamente.
Voltei-me para ver o automóvel prateado desaparecer ao contornar a esquina. Apercebi-me de que estava muito frio.
Alcancei a chave, abri a porta e entrei. O meu pai chamou-me da sala de estar.
- Sell?
- Sim, pai, sou eu.
Fui até lá para vê-lo. A minha mãe não estava. Já ele estava assistir a um jogo de basebol.
- Chegaste cedo.
- Cheguei?
Estava surpreendida.
- Ainda nem são 20h - informou-me - As meninas divertiram-se?
- Sim, foi muito divertido - a minha cabeça girava enquanto fazia um esforço de memória para conseguir lembrar-me da saída que eu tinha planeado só com raparigas - Ambas encontraram vestidos.
- Estás bem?
- Estou apenas cansada. Caminhei muito.
- Bem, talvez devesses ir deitar-te - parecia preocupado.
Perguntei-me como estaria a minha cara.
- Vou só telefonar à Cristiana primeiro.
- Não estiveste mesmo agora com ela? - perguntou, surpreendido.
- Estive, mas deixei o casaco no carro dela. Quero certificar-me de que ela o leva amanhã.
- Bem, deixa-a primeiro chegar a casa.
- Certo - concordei.
Fui para a cozinha, deixei-me cair, exausta, numa cadeira. Agora, sentia-me realmente tonta. Perguntei-me se sempre iria entrar em estado de choque.
De repente, o telefone tocou, sobressaltando-me. Arranquei o auscultador do gancho.
- Está lá - exclamei de forma ofegante.
- Sell?
- Olá, Cris, ia mesmo agora ligar-te.
- Conseguiste chegar a casa?
A sua voz transmitia alívio... e surpresa.
- Sim. Deixei o meu casaco no teu carro, podias levar-mo amanhã?
- Claro. Mas conta-me o que aconteceu! - exigiu ela.
- Hum, amanhã na aula, está bem?
Ela depressa percebeu.
- Ah, o teu pai está aí?
- Sim, é isso mesmo.
- Muito bem, falamos amanhã, então. Adeus!
Eu detestava a impaciência na voz dela.
- Adeus, Cris.
Subi as escadas vagarosamente, com um pesado torpor a toldar-me o espírito. Preparei-me para me deitar sem prestar atenção ao que estava a fazer. Só quando estava no duche com a água demasiado quente a queimar-me a pele é que me apercebi de que estava congelada. Tremi violentamente durante vários minutos até que o jato de água fumegante relaxou os meus músculos rígidos. Então, permaneci, de pé, no duche, demasiado cansada para me mover, até que a água quente começou a faltar.
Saí aos tropeções, envolvendo-me cuidadosamente numa toalha, tentando manter o calor da água no corpo, de modo a que os dolorosos arrepios não voltassem. Vesti agilmente a roupa de dormir e deitei-me sob a colcha, enroscando-me como uma bola, abraçando-me a mim mesma para me manter quente. Alguns pequenos tremores perpassaram-me.
A minha cabeça rodopiava, repleta de imagens que eu não conseguia compreender e de algumas que eu me esforçava por recalcar. A princípio, nada parecia claro, mas, à medida que o meu estado se aproximava mais da inconsciência, algumas certezas tornaram-se evidentes.
Em três pontos, eu estava absolutamente segura. Em primeiro lugar, Justin era um vampiro. Em segundo lugar, uma parte dele e eu não sabia qual era essa parte ansiava pelo meu sangue. Por fim, em terceiro lugar, eu estava incondicionalmente apaixonada por ele!

Continua...

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