- Raios! - exclamei, suspirando.
- A criptonite também não me afeta - afirmou ele, soltando um riso
abafado.
- Não podes rir-te, lembras-te?
Ele esforçou por ficar com um ar sério.
- Acabarei por descobrir - adverti-o.
- Quem me dera que não tentasses.
Ficou novamente com um ar grave.
- Porque?
- E se eu não for um super-herói? E se for o vilão?
Sorriu jocosamente, mas os seus olhos estavam impenetráveis.
- Ah! - exclamei, à medida que várias das suas insinuações se encaixavam subitamente - Estou a ver.
- Estás mesmo?
O seu rosto tornou-se bruscamente austero, como se receasse ter acidentalmente falado de mais.
- És perigoso? - arrisquei a advinhar, com a minha pulsação a acelerar quando me apercebi da verdade das minhas próprias palavras. Ele era perigoso. Estivera sempre a transmitir-me está ideia.
Limitava-se a olhar-me, com os olhos repletos de alguma emoção. Eu não conseguia compreender.
- Mas não és mau - sussurrei, abanando a cabeça - Não, não acredito que sejas mau.
- Estás enganada.
A sua voz estava quase inaudível. Baixou o olhar, surripiando a tampa da minha garrafa e fazendo-a girar de lado entre os dedos. Fitei-o, perguntando-me porque motivo não sentia medo. Ele estava a falar a sério, como era óbvio. Eu, porém, sentia-me apenas anciosa... nervosa... e, acima de tudo, fascinada. Sentia-me como sempre me sentia quando estava perto dele.
O silêncio perdurou até que reparei que a cantina estava quase vazia.
Levantei-me de um salto.
- Vamos chegar atrasados.
- Não vou à aula hoje - disse ele, fazendo com que a tampa rodopiasse tão rapidamente que chegava a parecer uma mera névoa.
- Porque não?
- É saudável baldarmo-nos às aulas de vez em quando.
Sorriu-me, mas os seus olhos estavam ainda perturbados.
- Bem, eu vou - informei-o.
Eu era demasiado cobarde para correr o risco de ser apanhada. A sua atenção voltou a incidir sobre a tampa, que servia de recurso de ocasião.
- Então, vemo-nos mais tarde.
Hesitei, sentindo-me arrasada, mas, então, o primeiro toque da campainha fez-me precipitar pela porta, com um último olhar para confirmar que ele não se deslocaria um único centímetro.
Enquanto me dirigia para a aula, quase em passo de corrida, a minha cabeça girava mais rapidamente do que a tampa da garrafa. Tão poucas perguntas obtiveram resposta em comparação com a quantidade de novas questões que tinham sido levantadas. Pelo menos, a chuva cessera.
Tive sorte, o professor Rodrigo não estava na aula quando cheguei. Instalei-me rapidamente no meu lugar, ciente de que tanto Nick como Ana me olhavam fixamente. Nick parecia melindrado e Ana surpreendida e um pouco espantada.
O professor Rodrigo entrou, então, impondo a ordem na sala. Fazia malabarismos com algumas pequenas caixas de cartão nos braços. Pousou-as na mesa de Nick, dizendo-lhe para começar a faze-las circular pela turma.
- Muito bem meninos, quero que todos retirem um instrumento de cada caixa - disse ele, enquanto sacava um par de luvas de borracha do bolso do seu casaco de laboratório e as colocava. O som estridente produzido pelas luvas ao moldarem-se aos seus pulsos afigurou-se-me como sendo de mau agouro.
- O primeiro deve ser um cartão indicador - prossegiu ele, pegando num cartão branco com quatro quadrados desenhados e exibindo-o - O segundo é um aplicador com quatro dentes - mostrou algo que se assemelhava a um pente praticamente desprovido de dentes - E o terceiro é uma microlanceta esterilizada.
Mostrou um pequeno instrumento de plástico azul e abriu-o. A farpa era invisível aquela distância, mas meu estômago revolveu-se.
- Eu vou a cada mesa com um conta-gotas com água para preparar cartões, portanto, por favor, não comecem antes de eu me ter dirigido aos vossos lugares.
Começou novamente pela mesa de Nick, colocando cuidadosamente uma gota de água em cada um dos quatro quadrados.
- De seguida, quero que piquem cuidadosamente o dedo com a lanceta...
Pegou na mão de Nick e espetou o espigão na ponta do dedo médio deste último. Oh, não. Uma humidade pegajosa invadiu-me a testa.
- Coloquem uma gota de sangue em cada um dos dentes.
Procedeu a uma demonstração, apertando o dedo de Nick até que o sangue começou a escorrer. Eu engolia em seco convulsivamente, com o estômago às voltas.
- Em seguida, apliquem-no no cartão.
Terminou, erguendo o cartão vermelho e gotejante no ar para que pudéssemos ve-lo. Fechei os olhos, esforçando-me por ouvir algo além do zumbido dos meus ouvidos.
- A cruz vermelha irá promover uma recolha de sangue em Port Angels no próximo fim-de-semana e, por conseguinte, julguei que todos deveriam tomar conhecimento do repetitivo grupo sanguíneo.
Parecia sentir orgulho de si próprio.
- Aqueles dentre de vós que ainda não tiveram completado 18 anos, necessitarão de uma autorização dos pais. Tenho os meus documentos a serem assinados na minha secretaria.
Continuou a percorrer a sala com as suas gotas de água. Encostei a face ao fresco tampo negro da mesa e tentei manter-me consciente. Em meu redor, conseguia ouvir gritos agudos, reclamações e risinhos à medida que os meus colegas de turma espetavam os dedos. Inspirei e expirei lentamente pela boca.
- Sell, estás bem? - perguntou o professor Rodrigo.
A sua voz soava próximo da minha cabeça e parecia inquieta.
- Eu já sei qual é o meu grupo sanguíneo, professor Rodrigo - disse sem energia.
Receava levantar a cabeça.
- Sentes-te a desfalecer?
- Sinto, senhor professor - murmurei, pontapeando-me por dentro por não ter faltado à aula quando sugeriu a oportunidade de o fazer.
- Será que alguém pode levar a Sell até à enfermaria? - bradou.
Não precisava de erguer os olhos para saber que seria Nick a oferecer-se.
- Consegues andar? - perguntouo professor Rodrigo.
- Consigo - sussurrei.
Deixe-me apenas só sair daqui, pensei eu. Se necessário, até a rastejar.
Nick parecia ansioso ao envolver-me a cintura com o braço e ao colocar o meu sobre o seu ombro. Encostei-me pesadamente a ele enquanto saíamos da sala de aula.
Atravessou o recinto da escola comigo a reboque. Quando contornámos a cantina, saindo do campo visual do edifício quatro, na eventualidade o professor Rodrigo estar a observar-nos, parei.
Ajudou-me a sentar junto do passeio.
- E, faças o que fizeres, mantém a mão no bolso - avisei-o.
Sentia-me ainda tonta. Deixei-me cair bruscamente de lado, pousando a face no gélido e húmido cimento do passeio. Tal parecia exercer um certo efeito benéfico.
- Ena, estás verde, Sell - exclamou Nick nervoso.
- Sell? - invocou uma outra voz ao longe.
Não! Por favor, que seja eu a imaginar aquela voz horrivelmente conheciada.
- O que é que se passa, ela magoou-se?
A sua voz estava agora mais próxima e ele parecia transtornado. Não era imaginação minha. Forcei as pálpebras umas contra as outras, desejando morrer ou, pelo menos, não vomitar.
Nick parecia tenso.
- Acho que ela desmaiou. Não sei o que aconteceu, ela nem sequer picou o dedo.
- Sell! Consegues ouvir-me?
A voz de Justin soava mesmo ao meu lado, transmitindo agora alívio.
- Não - gemi - Vai-te embora.
Ele soltou um riso abafado.
- Eu ia leva-la à enfermaria - explicou Nick num tom defensivo - Mas ela recusou-se a avançar mais.
- Eu levo-a - afirmou Justin - Podes voltar para a aula.
Conseguia ainda ouvir o sorriso na sua voz.
- Não - protestou Nick - Sou eu que devo fazê-lo.
De repente, o passeio desapareceu debaixo de mim. Os meus olhos abriram-se rapidamente com sobressalto. Justin pegou em mim em seus braços, tão facilmente como se eu pesasse cinco quilos em vez de cinquenta.
- Põe-me no chão! - "Por favor, por favor, que eu não vomite para cima dele", pensei.
Ele já caminhava antes de eu ter acabado de falar.
- Ei! - exclamou Nick, que já se encontrava dez passos atrás de nós.
Justin ignorou-o.
- Estás com péssimo aspeto - disse-me ele, esboçando um largo sorriso.
- Coloca-me novamente no passeio - afirmei, gemendo.
O movimento oscilante do seu andar não estava ajudar. Ele segurava-me afastando-me do seu corpo, cuidadosamente, suportando todo o meu peso apenas com os braços, tal não parecia incomoda-lo.
- Com que então desmaias a ver sangue? - perguntou ele.
Este facto parecia diverti-lo. Não respondi. Voltei a fechar os olhos e debati-me contra as náuseas com todas as minhas forças, apertando os lábios.
- E nem sequer se tratava do teu próprio sangue - continuou, gozando.
Não sei como é que ele conseguiu abrir a porta enquanto me carregava, mas, subitamente, a temperatura ambiente aumentou e, consequentemente, apercebi-me de que estávamos entre paredes.
- Credo! - ouvi uma voz feminina pronunciar, sobressaltada.
- Ela desmaiou na aula - explicou Justin.Continua...
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Luz E Escuridão
Romance"Nunca refletia longamente sobre a forma como morreria, ainda que, ao longo dos meses anteriores, tivesse tido de sobra para tal, mas mesmo que o tivesse feito, jamais teria imaginado que seria assim. Olhei fixamente para o lado oposto da longa sal...