Então, a nossa empregada de mesa chegou, com um ar expectante. Colocou um fio de cabelo negro curto atrás de uma das orelhas e sorriu com desnecessário entusiasmo.
- Olá. Chamo-me Amber e vou ser a sua empregada de mesa está noite. O que deseja para beber?
Não me espantou o facto de ela só se dirigir unicamente a ele. Ele olhou pra mim.
- Eu quero uma Coca-Cola.
A entoação da frase levou a que parecesse tratar-se de uma pergunta.
- São duas coca-colas - disse ele.
- Trá-las-ei de imediato - avesserou-lhe ela com outro sorriso desnecessário, mas ele não o viu. Estava a observar-me.
- O que foi? - interroguei quando ela se foi embora.
Os olhos dele permaneceram fixos no meu rosto.
- Como te sentes?
- Estou ótima - respondi, surpreendida com a sua veemência.
- Não te sentes tonta, enjoada, com frio...?
- Devia sentir?
Ele soltou um riso abafado perante o meu tom de perplexidade.
- Bem, na verdade estou à espera de que entres em estado de choque.
O seu rosto contorceu-se, dando origem aquele perfeito sorriso.
- Não creio que isso vá acontecer - declarei depois de conseguir voltar a respirar - Sempre fui bastante boa a reprimir coisas desagradáveis.
- Mesmo assim, ficarei descansado quando ingerires algum açúcar e comida.
Nesse preciso instante, a empregada de mesa apareceu, trazendo as nossas bebidas e um cesto de gressinos. Posionou-se com as costas voltadas para mim enquanto os colocava em cima da mesa.
- Está pronto pra pedir? - perguntou Justin.
- Sell? - interrogou ele.
Ela virou-se de má vontade para mim. Escolhi o primeiro prato que vi na ementa.
- Hum... quero o ravióli de cogumelos.
- E o senhor? - perguntou ela, virando-se novamente para ele com um sorriso no rosto.
- Eu não quero nada - afirmou ele.
Claro que não queria.
- Se mudar de ideias, avise-me.
O sorriso delico-doce continuava no mesmo lugar, mas ele não estava a olhar pra ela, pelo que se foi embora descontente.
- Bebe - ordenou ele.
Sorvi o meu refrigerante de modo obediente e, em seguida, bebi mais avidamente, surpreendida com a sede que sentia.
Apercebi-me de que o consumi até ao fim quando ele empurrou o seu copo na minha direção.
- Obrigada - murmurei por entre os dentes, estando ainda sequiosa.
A sensação de frio que derivada do refrigerante gelado estava a dinfundir-se pelo meu peito e eu arrepiei-me.
- Tens frio?
- É só a Coca-Cola - expliquei, sentindo outro arrepio.
- Não tens um casaco?
O seu tom de voz era recriminador.
- Tenho.
Olhei para o banco vazio a meu lado.
- Oh! Deixei-o no carro da Cristiana - constatei.
Justin estava a despir o casaco. De repente, apercebi-me de que não reparei uma única vez nas roupas que ele vestia, não só nesta noite, como nunca. Simplesmente não conseguia tirar os olhos do seu semblante. Obriguei-me a olhar agora, concentrando-me. Estava a tirar o casaco de pele bege-claro, por baixo tinha uma camisola de gola alta cor de marfim. Assentava-lhe confortavelmente, realçando-lhe o peito musculado.
Deu-me o casaco, interrompendo o meu olhar amoroso.
- Obrigada! - exclamei, com os braços a deslizarem pelas mangas do seu casaco.
Exalava um odor fantástico. As mangas eram demasiado compridas, arregacei-as de modo a libertar as mãos.
- Essa cor azul condiz maravilhosamente com a tua pele - disse ele, observando-me.
Fiquei surpreendida, baixei o olhar, ruborizando, como é evidente. Empurrou o cesto do pão na minha direção.
- A sério, não vou entrar em estado de choque - protestei.
- Mas devias, a uma pessoa normal era isso que aconteceria. Nem sequer pareces abalada.
Ele parecia inquieto. Olhava-me fixamente nos olhos e eu consegui ver quão claros os seus estavam, mais claros do que alguma vez vira, do tom dourado caramelos de manteiga.
- Sinto-me muito protegida na tua companhia - confessei, ficando novamente hipnotizada e sendo outra vez induzida a dizer a verdade.
A minha afirmação desagradou-lhe, a sua testa de alabastro enrugou-se. Abanou a cabeça, franzindo o sobrolho.
- Isto é mais complicado do que eu imaginaria - murmurou para consigo mesmo.
Peguei num gressino e comecei a mordiscar a respetiva extremidade, analisando a sua expressão facial. Perguntei-me quando seria o momento indicado para começar a interroga-lo.
- Normalmente, estás mais bem disposto quando os teus olhos estão assim claros - comentei, tentando distrai-lo do pensamento que o fez franzir o sobrolho e ficar melancólico.
Fitou-me, estupefato.
- O quê?
- Estás sempre mais rabugento quando os teus olhos estão negros, nessa altura, já sei o que esperar - prossegui - Tenho uma teoria a esse respeito.
Os seus olhos semicerram-se.
- Mais teorias?
- Sim.
Eu mastigava um pequeno pedaço de pão, tentando parecer indiferente.
- Gostaria que, desta vez, fosses mais criativa... ou continuas a inspirar-te nos livros de banda desenhada?
O seu tenue sorriso era escarnecedor, os seus olhos continuavam tensos.
- Bem, não, não me baseei num livro de banda desenhada, mas também não o elaborei sozinha - confessei.
- E então? - perguntou-me.
No entanto, nesse momento, a empregada de mesa contornou a divisória a passos largos, trazendo a minha comida. Apercebi-me de que estávamos inconsientemente inclinados na direção um do outro, por cima da mesa, pois ambos nos endireitamos quando ela se aproximou. Ela colocou o prato à minha frente, que tinha um aspeto bastante apetitoso, e virou-se rapidamente para o Justin.
- Mudou de ideias? - perguntou ela - Não quer que lhe traga nada?
Eu podia estar a imaginar o duplo significado das suas palavras.
- Não, obrigado, mas convinha que trouxesse mais refrigerante.
Ela fez um gesto com a mão longa e branca na direção dos copos vazios que se encontravam diante de mim.
- Com certeza.
Ela retirou os copos vazios e afastou-se.
- O que estavas a dizer? - perguntou.
- Digo-te no carro. Se...
Detive-me.
- Há condições?
Ele levantou a sobrancelha, falando num tom de voz sinistro.
- Tenho, de facto, algumas questões a colocar, evidentemente.
- Evidentemente.
A empregada voltou com mais duas Coca-Colas. Desta vez, pousou-as na mesa sem proferir uma única palavra e voltou a ir-se embora.
Sorvi um trago.
- Bem, continua - insistiu, ainda com uma voz rigia.
Comecei pelo menos exigente. Ou assim pensava eu.
- Porque é que estás em Port Angels?
Baixou o olhar, unindo lentamente as suas mãos grandes sobre a mesa. O seu olhar incidiu sobre mim por baixo das suas pestanas, com o indício de um sorriso pretensioso a surgir-lhe no rosto.
- A seguinte.
- Mas está é a mais fácil - protestei.
- A seguinte - repetiu.
Baixei o olhar, frustrada. Desenrolei o guardanapo que envolvia os talheres, peguei no garfo e espetei cuidadosamente num pedaço de ravióli. Coloquei-o na boca lentamente, ainda com o olhar baixo, mastigando enquanto pensava. Os cogumelos eram bons. Engoli e sorvi outro trago de Coca-Cola antes de levantar o olhar.
- Então, muito bem - lancei-lhe um olhar feroz e prossegui lentamente - Digamos, hipoteticamente, como é evidente, que... alguém... podia advinhar os pensamentos das pessoas, ler a mente, tu sabes... com algumas exceções.
- Com apenas uma exceção - corregiu ele - Hipoteticamente.
- Muito bem, que seja, então, uma exceção - estava radiante por verificar que ele iria cooperar, mas tentei mostrar indiferença - Como é que isso funciona? Quais são as limitações? Como é que... essa pessoa... encontraria exatamente no momento certo? Como poderia ele saber que ela estava em apuros?
Perguntei-me se as minhas perguntas chegavam sequer a ter nexo.
- Hipoteticamente? - interrogou ele.
- Claro.
- Bem, se... essa pessoa...
- Chamamos-lhe "Joe" - sugeri.
Ele esboçou um sorriso enviesado.
- Joe então. Se o Joe estivesse a prestar atenção, o sentindo de oportunidade não teria de ser assim tão exato.
Ele abanou a cabeça, revirando os olhos.
- Só tu poderias arranjar sarilhos numa cidade assim tão pequena. Terias arrastado as estatísticas referentes à taxa de criminalidade da cidade por uma década, sabes.
- Estávamos a referir-nos a um caso hipotético - relembrei-lhe friamente.
Ele riu-se de mim, com um olhar caloroso.
- Pois estávamos - concordou - Chamamos-te "Jane"?
- Como é que sabias? - perguntei, incapaz de refrear a minha impetuosidade.
Apercebi-me que estava novamente inclinada na direção dele. Ele parecia estar a vacilar, devidido por algum dilema interior. Os seus olhos fixaram-se nos meus e deduzi que ele estava, naquele preciso momento, a tomar uma decisão de simplesmente me contar a verdade ou não.
- Sabes que podes confiar em mim - murmurei.
Estendi a mão, sem pensar, para tocar nas suas, que estavam unidas, mas ele afastou-as sumariamente e eu retirei a minha.
- Não sei se ainda tenho alternativa - disse ele com um tom de voz quase sussurrante - Estava enganado, tu és muito mais observadora do que eu julgava.
- Pensava que tinhas sempre razão.
- Costumava ter - abanou a cabeça - Também me enganei a teu respeito acerca de outro aspeto. Tu não atrais acidentes, está definição não é suficientemente abrangente. Tu atrais sarilhos. Se houver alguma situação de perigo num raio de 15km, acabará invariavelmente por te envolver.
- E tu inseres-te nessa categoria? - perguntei.
O seu rosto tornou-se frio, inexpressivo.
- Inequivocamente.
Voltei a estender a mão por cima da mesa, ignorando-o quando ele se retraiu um pouco uma vez mais, para tocar timidamente as costas da sua mão com as pontas dos meus dedos. A sua pele estava fria e dura, como uma pedra.
- Obrigada - a minha voz estava fervorosa de gratidão - Já é a segunda vez.
O seu rosto amoleceu.
- Não vamos experimentar a terceira, de acordo?
Olhei-o mal humorada, mas acenei com a cabeça. Retirou a mão da minha, colocando as duas mãos debaixo da mesa, mas inclinou-se na minha direção.
- Segui-te até Port Angels - confessou, falando num ímpeto - Nunca tentei manter viva uma pessoa em especial, e é muito mais problemático do que eu imaginava, mas, provavelmente, é por essa pessoa seres tu. As pessoas normais parecem conseguir chegar ao fim do dia sem tantas catástrofes.
Deteve-se. Perguntei-me se deveria ficar incomodada com o facto de ele andar a seguir-me, em vez disso, fui invadida por uma estranha sensação de prazer. Ele olhava-me fixamente, talvez perguntando-se porque motivo os meus lábios esboçavam um trejeito que progredia para um sorriso involuntário.
- Já te ocorreu a ideia de que talvez tivesse chegado a minha vez naquela ocasião, com a carrinha, e tu tens estado a interferir no destino? - especulei, perdendo-me em devaneios.
- Não foi essa a primeira vez - disse ele, sendo difícil de ouvir a sua voz, eu fitava-o com assombro, mas ele tinha o olhar baixo - A tua vez chegou quando te conheci.Continua...
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Luz E Escuridão
Romance"Nunca refletia longamente sobre a forma como morreria, ainda que, ao longo dos meses anteriores, tivesse tido de sobra para tal, mas mesmo que o tivesse feito, jamais teria imaginado que seria assim. Olhei fixamente para o lado oposto da longa sal...