No horário habitual, quando o céu resplandecia em um azul tímido, o movimento nas ruas de Willinghill já havia iniciado. Pelos becos e ruelas ainda marcados pelo incêndio, os moradores transitavam lentamente em um misto de esperança e desolação. Por todos lados se viam os resultados da imensa tragédia que levara boa parte da cidade às cinzas, e mesmo após a reconstrução parcial dos locais afetados, o clima de tristeza ainda se sobressaía ao de recomeço.
A feira matinal já havia começado – com uma considerável diminuição no número de barracas e quiosques –, e o vozerio se espalhava discretamente pelos ares enquanto as donas de casa examinavam os vegetais, pães e carnes que levariam para o preparo das refeições do dia. Foi graças a esta distração que poucas pessoas atentaram-se para uma carroça que atravessava o largo da praça principal, puxada por um cavalo de pelos escuros e crina muito bem cuidada. Na guia, uma mulher de pouco mais de trinta anos segurava as rédeas e transitava cuidadosamente por entre os transeuntes, disparando olhares para todos os lados como se não acreditasse no que via. As paredes ainda escuras deixaram seu coração apertado, sensação reforçada tão logo ela relembrou-se da breve visita que fizera alguns meses antes àquele pequenino e pitoresco lugar.
Com sua carroça fechada eo cachorro Pégaso descansando junto à carga mesmo sob os titubeios do trajeto, Romani respirou fundo e prosseguiu ao redor da praça. Reviu a feira, o hospital e as casinhas da rua principal tomada de pesar: tudo estava remendado, muitas janelas encontravam-se ainda fechadas com tábuas, e mesmo as construções que haviam retomado suas funções se mostravam ainda em pesada reforma. O mais intenso soco no estômago veio, porém, quando Romani finalmente conseguiu avistar a igreja. Ainda de longe conseguiu notar que o amarelo da pintura estava descascado e escurecido. Viu as abóbadas acima das janelas parcialmente destruídas. Viu que na torre não havia mais nenhum sino: este provavelmente havia despencado quando as labaredas alcançaram as cordas que o sustentavam. Em sua totalidade, a igreja de Willinghill agora nada mais era do que um prédio obscuro e completamente inexpressivo.
Parando a carroça bem diante da igreja, Romani desceu da guia e endireitou as roupas e os cabelos, os quais mantinha presos para trás em um volumoso rabo-de-cavalo.
—Pégaso, fique aqui quietinho – disse na direção do cão que mantinha-se ainda deitado e que apenas moveu uma das orelhas em sinal de atenção, sem qualquer intenção de levantar. – Logo estarei de volta.
Depois do aviso, Romani avançou alguns passos e se viu parada diante da igreja. Mirou em algumas direções diferentes, notando janelas ainda estilhaçadas e uma porta principal – que parecia já ter sido substituída – parcialmente aberta. Esforçando para escutar algo, ela percebeu ruídos e batidas rítmicas vindas do lado de dentro, e sem qualquer tipo de autorização, impulsionou a barreira de madeira com uma das mãos. Quando a porta abriu espaço suficiente, a visitante viu cerca de uma dúzia de homens espalhados pelo interior da pequena construção. Todos eram homens robustos, de braços e expressões fortes, e dividiam-se em inúmeras tarefas diferentes. Alguns batiam pregos em largas porções de madeira escura na visível reconstrução dos bancos. Outros rebocavam as paredes com uma massa grossa e cinzenta, enquanto os demais realizavam tarefas menores como transportar as ferramentas e entregá-las aos que eram mais capazes de usá-las. Depois de examinar o rosto de cada um deles sem que notassem sua presença, Romani não encontrou nenhuma das duas pessoas a quem procurava. Assim, se fez vista através de três batidas na porta, ação que instantaneamente fez com que todos os homens se virassem para encará-la.
—Olá, bom dia, senhores – disse em voz alta, recebendo "bom dia" em um coro de vozes graves. – Eu gostaria de falar com o padre Jullian ou com George. Algum dos dois se encontra por aqui?
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In Nomine Patris 3 | Tenebris Hibernus
FantasyCarregando nas costas o peso das terríveis ações de Irvine Aurish, Jullian Bergamo deixa para trás as cinzas e os destroços de sua vida e parte em uma missão de caça à maléfica feiticeira. Pelo caminho, seguindo pistas e sinais deixados pela mulher...