Capítulo XVI | A urna e o poema

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Depois de deixar o templo, Jullian seguiu pelo mesmo caminho por onde viera, agora empurrando com cuidado a cadeira de rodas de Ling. As marcas do trajeto viam-se na neve – linhas imperfeitas deixadas pelas rodas da cadeira e buracos de poucos centímetros causados pelos pés do padre –, e ao olhar ao redor ambos perceberam que o branco já podia ser visto por todos os lados, acumulando-se nas copas das árvores e cobrindo os arbustos menores.

—De onde vem toda esta neve? – perguntou ele, curioso pelo rápido crescimento da camada fria desde o momento em que entrara no salão. – Não é comum nevar tanto e tão rápido em nenhum outro lugar desse condado.

—Este é um fato nunca explicado ou compreendido por ninguém. Alguns acreditam que existe alguma força sobrenatural que transforma essa área em um lugar tão gélido. Outros acham que é apenas uma questão natural, já que a montanha que se eleva adiante do vilarejo é muito alta e concentra baixíssimas temperaturas, provocando tais nevascas quando o inverno se aproxima.

—Interessante. Nunca havia presenciado algo assim.

A breve conversa foi inevitavelmente interrompida quando eles aproximaram-se mais uma vez do resto do vilarejo e encontraram os outros, já agasalhados e parados à frente de uma casa ligeiramente maior que as demais, de onde uma chaminé se erguia como uma torre de tijolos vermelhos e cuspia baforadas de fumaça que logo desapareciam no ar.

Parando ao lado deles – e percebendo os olhares surpresos ao avistarem que a anciã não tinha as pernas inteiras – Jullian examinou-os dos pés à cabeça ao notar que usavam roupas de inverno, mesmo que completamente diferentes de casacos comumente usados nos lugares onde já vivera. Vestiam um tipo desobretudo em estilo oriental, com uma linha de botões que seguia até os joelhos, feitos de tecido azul muito escuro e adornados por linhas amarelas; a gola era alta e se fechava ao redor do pescoço, assim como as mangas que agarravam-se aos pulsos na clara intenção de não deixar o frio atravessar. Notou que George parecia um tanto desconfortável com tais trajes, especialmente pelo fato de que o casaco parecia apertado, e também que Romani demonstrava o avesso: mostrava-se contente por estar protegida contra todo aquele frio crescente.

—Ei, padre. Pense rápido!

A voz de Mei retirou Jullian de sua análise, e antes que ele conseguisse virar-se para ela, viu um pacote atravessando os ares e caindo em sua direção. Tateou acima da cabeça e conseguiu apanhar o embrulho, sentindo que se tratava de algo macio tão logo pôs as mãos sobre ele. Desembrulhou-o sob a vista dos demais e encontrou um sobretudo semelhante aos que os amigos usavam, com a diferença de que o seu era vermelho em vez de azul.

—Gostaria de formar um conjunto com vocês três, mas infelizmente não havia mais nenhum azul disponível – a vigilante de Dongji disse, brincalhona, enquanto via o padre vestir-se e logo depois abotoar o casaco.

—Todos prontos? – foi a vez de Ling falar, a voz pacífica como na conversa no salão. – Estão esperando por nós para o início da refeição.

Depois que os visitantes responderam de maneira afirmativa, Mei avançou até a porta e sem nenhuma cerimônia a abriu. Gesticulou, solicitando a entrada dos três, e logo fechou a passagem assim que Jullian entrou por último enquanto empurrava a cadeira de Ling.

—Sejam bem-vindos ao refeitório de Dongji – disse a anciã, abrindo os braços e apresentando o ambiente aos visitantes.

Estavam em uma sala ampla, de paredes pintadas de bege e adornadas por desenhos de cerejeiras – centenas de pétalas cor de rosa navegando imóveis por toda a extensão do lugar. Cerca de quinze ou vinte mesinhas baixas estavam espalhadas pela sala, cada uma comportando seis pequenas almofadas diante delas. Tais mesinhas já se mostravam ocupadas pelos moradores da vila: um número de aproximadamente cinquenta pessoas, todas muito bem agasalhadas e de olhos focados naqueles que acabaram de entrar. Esperavam diante das mesas já montadas com tigelas, palitos de madeira e colheres fundas, e os recém-chegados não conseguiram definir se seus olhares oblíquos estavam curiosos para examiná-los ou se apenas demonstravam ansiedade pelo início da primeira refeição daquele dia.

In Nomine Patris 3 | Tenebris HibernusOnde histórias criam vida. Descubra agora