Capítulo XXVII | Divinus Exorcismus

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Assim que Irvine tornou a abrir os olhos, todos ao redor dela presenciaram o surgimento de dois grandes glóbulos amarelos, brilhantes e vívidos. Viram-na mover a cabeça para baixo, para fitar os próprios pés e braços, como se não entendesse mais quem ou o que era. Dentro de sua existência profana nada havia se fortalecido, e apenas uma força quase inexistente emanava de seu interior, uma que em nada se assemelhava ao poder monstruoso de Lamashtu.

—Bergamo... o que é... isto? – perguntou a mulher, agarrada ao pescoço, perdida em seu próprio corpo. – O que foi... o que foi que fez comigo?

—Veja com os próprios olhos. Dei a você o que queria – Jullian retrucou em tom sereno, erguendo o espelho diante do rosto de Irvine. – O poder de um demônio em troca do poder de dois.

—Isto... isto não é o meu poder – assumiu ela diante do próprio reflexo.

—É claro que não é o seu poder. Eu jamais daria tal coisa a você.

—Mas, Jullian, aquele era o receptáculo que trouxemos de Bedford – disse George, confuso. – Era exatamente o mesmo, não era?

—Sim, George. O mesmo receptáculo que trouxemos depois do nosso primeiro encontro com Irvine. A diferença era apenas o que ele guardava.

—O que foi... que fez... com o meu poder? – Irvine indagou em palavras roucas, ainda segurando o pescoço em agonia.

—A essência de Lamashtu foi destruída. Eu a destruí com minhas próprias mãos. Foi um trabalho árduo e que me custou parte de minha sensibilidade para descobrir a presença de demônios, mas meu Deus guiou meus passos e me mostrou o caminho. Conectei-me a ele como nunca antes, e assim consegui diluir o que existia no receptáculo. Logo em seguida, foi fácil encontrar um diabrete travesso na floresta próxima ao cemitério de Willinghill para substituir a essência, deixando o receptáculo praticamente inofensivo.

—Então era isto que você fazia quando saía todas as noites antes de deixar a cidade – George observou. – Você já tinha tudo planejado quando me pediu para esconder o receptáculo em um lugar onde você não o encontrasse.

—Não podia contar a verdade, George. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde ela tentaria recuperar o poder de Lamashtu, então era preferível que somente eu soubesse que ele não estava mais lá.

—Você... maldito... maldito seja, Jullian Bergamo!

Corroída pela essência de um diabrete de pouco poder, Irvine fraquejou e caiu de joelhos, retirando as mãos do pescoço e descansando-as sobre o peito arfante. Por seus dedos, o líquido escuro escorria e já alcançava o chão, produzindo pequenas poças escuras e disformes. Atiçada pela queda de sua ama, Emmeline avançou até ela e curvou-se para espiá-la, encontrando os olhos amarelos e a boca escancarada ainda em um choque, em incredulidade. Desnorteada, deslizou as mãos pelos ombros de Irvine, em uma falha tentativa de reerguê-la, de fazê-la reagir.

—O que foi que você fez com ela?! – indagou de forma exclamativa, elevando o tom da voz a cada palavra pronunciada. – O que foi que fez com a minha rainha?

Arrebatada pelo ódio, Emmeline ergueu-se e se virou para o trio, os olhos negros cintilando o amarelo dos de Irvine. Com a boca vulgarmente aberta em dentes ameaçadores, avançou na direção de Jullian com os braços estendidos. O padre, já esperando pelo ataque, desviou da investida e viu Emmeline cambalear para a frente, na direção de George e Romani. Ouviu, em seguida, um estampido seco seguido de um gemido, e ao olhar para trás percebeu que George, com o cabo de sua espingarda, havia atingido a vampira bem no meio da testa.

In Nomine Patris 3 | Tenebris HibernusOnde histórias criam vida. Descubra agora